Procurei uma imagem de esperança para vos oferecer como votos para 2014. Procurei um poema animador, procurei uma frase, procurei uma música. Nada conseguiu exprimir o meu sentimento contraditório de optimista emocional - que sou - e pessimista racional - a que a realidade me obriga. Foi então que encontrei este poema do alquimista das palavras, António Gedeão. Não consigo acrescentar nada. Quanto à pergunta final, responda quem souber.
Para todos os visitantes da Biblioteca de Jacinto, os meus votos de um 2014 melhor do que as mais optimistas expectativas. E que caia, que caia este ano, que caia o mais depressa possível, que caia o que já tarda em cair, o que já devia ter caído, que caia o nosso triste desespero.
Poema do alegre desespero - António Gedeão
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio.
Compreende-se.
Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
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2 comentários:
Incrível encontrar esse blog, tão peculiar... e, ainda mais, um poema de Antonio Gedeão. Lembro ainda do meu encanto/espanto/delícia quando li pela primeira vez a *Lição sobre a água*; sim, ele é um alquimista em todos os sentidos. E, fugindo ao assunto totalmente, acrescento que também detesto o acordo ortográfico com todas as minhas forças. Custa-me acreditar que alguém encontre nele alguma serventia ou meramente alguma beleza. Abraços. Feliz 2014!
Releio este poema com muito gosto. E foi muito oportuna a sua paublicação!
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