Batalha de Aljubarrota In: Crónica de Froissart, British Library.
«Não falta com razões quem desconcerte
Da opinião de todos, na vontade,
Em quem o esforço antigo se converte,
Em desusada e má deslealdade,
Podendo o temor mais, gelado, inerte,
Que a própria e natural fidelidade,
Negam o Rei e a Pátria e, se convém,
Negarão (como Pedro) o Deus que têm.
«Mas nunca foi que este erro se sentisse
No forte Dom Nuno Álvares; mas antes,
Posto que em seus irmãos tão claro o visse,
Reprovando as vontades inconstantes,
A aquelas duvidosas gentes disse,
Com palavras mais duras que elegantes,
A mão na espada, irado e não facundo,
Ameaçando a terra, o mar e o mundo:
«"Como da gente ilustre Portuguesa
Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?
Como, desta província, que princesa
Foi das gentes na guerra em toda parte,
Há-de sair quem negue ter defesa?
Quem negue a Fé, o amor, o esforço e arte
De Português, e por nenhum respeito,
O próprio Reino queira ver sujeito?
«"Como, não sois vós inda os descendentes
Daqueles que, debaixo da bandeira
Do grande Henriques, feros e valentes,
Vencestes esta gente tão guerreira?
Quando tantas bandeiras, tantas gentes
Puseram em fugida, de maneira
Que sete ilustres Condes lhe trouxeram
Presos, afora a presa que tiveram?
«"Com quem foram contino sopeados
Estes, de quem o estais agora vós,
Por Dinis e seu filho sublimados,
Senão c'os vossos fortes pais e avós?
Pois se, com seus descuidos ou pecados,
Fernando em tal fraqueza assi vos pôs,
Torne-vos vossas forças o Rei novo,
Se é certo que co Rei se muda o povo.
«"Rei tendes tal que, se o valor tiverdes
Igual ao Rei que agora alevantastes,
Desbaratareis tudo o que quiserdes,
Quanto mais a quem já desbaratastes.
E, se com isto, enfim, vos não moverdes
Do penetrante medo que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que eu só resistirei ao jugo alheio.
«"Eu só, com meus vassalos e com esta
(E, dizendo isto, arranca meia espada),
Defenderei da força dura e infesta
A terra nunca de outrem subjugada.
Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei (não só estes adversários)
Mas quantos a meu Rei forem contrários!"»
(Os Lusíadas. Canto IV. Transcrição com ortografia actualizada a partir da
edição de 1872.)