Vou retomar aqui um tema que interrompi há alguns meses. Este e os próximos posts foram escritos ao longo destes meses mas fui sempre adiando a sua publicação.
Insisto em olhar sempre as várias facetas de uma questão.
Defendo intransigentemente o acesso livre à informação e à cultura.
Defendo, naturalmente, que o Estado deve proporcionar igualitariamente todos os meios para esse acesso e que esses meios devem ser, obviamente, financiados pelo erário público ou seja, por todos nós que pagamos impostos.
Não defendo, contudo, que o acesso à cultura - como à saúde, à instrução ou a qualquer outro direito - deva ser proporcionado a todos lesando direitos fundamentais de alguns.
Pretender que as bibliotecas públicas - logo, o Estado - proporcionem o empréstimo gratuito à custa dos direitos de autor é «serrar presunto em casa dos outros». Muito fácil e muito desonesto.
Não, queridos visitantes deste sanctus sanctorum da liberdade que é a biblioteca de Jacinto Galeão! Não me passei para o outro lado da barricada. Leiam até ao fim, se tiverem paciência.
É um facto consumado que o comodato (vulgo empréstimo) público vai ser taxado. A vizinha Espanha já mudou a lei (Ley 10/2007, de 22 de Junio). A Itália, se não mudou, vai mudar. A Irlanda, idem. E nós vamos também. Vamos todos, quais carneirinhos obedientes, baixar a cabecinha e enfiar-nos no redil europeu. Claro, os utilizadores das bibliotecas não vão pagar pelo empréstimo, era o que mais faltava. O empréstimo vai ser pago pelo orçamento das bibliotecas ou pela administração central do estado.
Não há volta a dar. O lobby das editoras, dos livreiros e das discográficas, que já conseguiu pôr-nos a pagar taxas pelas cassetes virgens, pelos CD graváveis, pelos equipamentos de reprodução (mesmo quando todos estes sejam usados para gravarmos e filmarmos a nós mesmos e aos nossos amigos), vai conseguir, agora, pôr-nos - através do orçamento das câmaras ou do Ministério da Cultura - a pagar taxas também pelo empréstimo nas bibliotecas.
Tudo para não lesar os bolsos dos autores! Dizem eles...
Mas será que é mesmo? Vejamos.
A defesa do empréstimo pago assenta em algumas premissas que, a serem verdadeiras, justificariam a pretensão.
1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.
2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.
3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.
4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.
Não sei se haverá alguém que consiga ler estas premissas sem se aperceber do profundo ridículo que lhes subjaz. Pelo menos alguém de boa fé, de espírito aberto, alguém que não tenha interesse pessoal no assunto.
Eu não tenho. Graças a Deus, nunca deixei de ler um livro por não ter dinheiro para o comprar. Eu não preciso das bibliotecas públicas para ler o que quero. Se eu quero ler um livro, compro-o. Tal como faço se quero ouvir um disco ou ver um filme. Eu não tenho qualquer interesse pessoal no empréstimo gratuito. Também não trabalho numa biblioteca que faça empréstimo pelo que não tenho, sequer, uma posição a defender, uma política a justificar.
Eu limito-me a pensar. E a usar o bom senso que é uma coisa que falta cada vez mais por aí.
Vejamos a primeira premissa:
1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.
ERRADO. Todos os leitores de livros são potenciais compradores de livros. Isso significa que os leitores podem ou não comprar os livros que lêem; que os leitores podem só comprar livros que ainda não leram; ou até que os leitores podem só comprar livros que já leram. O comprador de livros pode nunca pôr os pés na biblioteca e, mesmo que o faça, se é um habitual comprador de livros, não irá deixar de os comprar por causa da biblioteca. Pelo contrário, um leitor que não é comprador de livros pode tornar-se, por causa da biblioteca: porque leu, porque adquiriu hábitos de leitura, porque quer levar para casa os livros que de que gostou e que conheceu, precisamente, na biblioteca.
2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.
ERRADO. Se o habitual comprador de livros não vai deixar de comprar por causa da biblioteca e o leitor que não costuma comprar pode passar a fazê-lo é óbvio que, por cada livro emprestado na biblioteca, há um livro na livraria que ganha hipóteses de vir a ser comprado.
3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.
ERRADO. Errado pelo que já ficou dito em relação às duas premissas anteriores. E errado porque isso equivale a comparar o trabalho criador ao trabalho numa fábrica. O trabalho de um autor - seja ele artístico ou científico - tem muito mais implicações e consequências que se estendem muito para além das cem, duzentas ou mil folhas de papel de um livro ou dos poucos gramas de plástico de um CD. As suas consequências a curto e longo prazo são imprevisíveis e o impacto que podem ter no seu público não são mensuráveis mediante qualquer fórmula matemática. Um livro pode mudar para sempre a vida de uma pessoa. Como é que se contabiliza isto?
4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.
ERRADO. ERRADÍSSIMO! Talvez a maior mentira no meio disto tudo, exactamente porque é em nome dos autores que os defensores do empréstimo pago falam. É em nome dessa ideia de «vender livros». O mais importante para um autor é que a sua obra seja conhecida e apreciada. Isso é o mais importante. Tudo o resto vem por acréscimo.
Insisto em olhar sempre as várias facetas de uma questão.
Defendo intransigentemente o acesso livre à informação e à cultura.
Defendo, naturalmente, que o Estado deve proporcionar igualitariamente todos os meios para esse acesso e que esses meios devem ser, obviamente, financiados pelo erário público ou seja, por todos nós que pagamos impostos.
Não defendo, contudo, que o acesso à cultura - como à saúde, à instrução ou a qualquer outro direito - deva ser proporcionado a todos lesando direitos fundamentais de alguns.
Pretender que as bibliotecas públicas - logo, o Estado - proporcionem o empréstimo gratuito à custa dos direitos de autor é «serrar presunto em casa dos outros». Muito fácil e muito desonesto.
Não, queridos visitantes deste sanctus sanctorum da liberdade que é a biblioteca de Jacinto Galeão! Não me passei para o outro lado da barricada. Leiam até ao fim, se tiverem paciência.
É um facto consumado que o comodato (vulgo empréstimo) público vai ser taxado. A vizinha Espanha já mudou a lei (Ley 10/2007, de 22 de Junio). A Itália, se não mudou, vai mudar. A Irlanda, idem. E nós vamos também. Vamos todos, quais carneirinhos obedientes, baixar a cabecinha e enfiar-nos no redil europeu. Claro, os utilizadores das bibliotecas não vão pagar pelo empréstimo, era o que mais faltava. O empréstimo vai ser pago pelo orçamento das bibliotecas ou pela administração central do estado.
Não há volta a dar. O lobby das editoras, dos livreiros e das discográficas, que já conseguiu pôr-nos a pagar taxas pelas cassetes virgens, pelos CD graváveis, pelos equipamentos de reprodução (mesmo quando todos estes sejam usados para gravarmos e filmarmos a nós mesmos e aos nossos amigos), vai conseguir, agora, pôr-nos - através do orçamento das câmaras ou do Ministério da Cultura - a pagar taxas também pelo empréstimo nas bibliotecas.
Tudo para não lesar os bolsos dos autores! Dizem eles...
Mas será que é mesmo? Vejamos.
A defesa do empréstimo pago assenta em algumas premissas que, a serem verdadeiras, justificariam a pretensão.
1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.
2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.
3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.
4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.
Não sei se haverá alguém que consiga ler estas premissas sem se aperceber do profundo ridículo que lhes subjaz. Pelo menos alguém de boa fé, de espírito aberto, alguém que não tenha interesse pessoal no assunto.
Eu não tenho. Graças a Deus, nunca deixei de ler um livro por não ter dinheiro para o comprar. Eu não preciso das bibliotecas públicas para ler o que quero. Se eu quero ler um livro, compro-o. Tal como faço se quero ouvir um disco ou ver um filme. Eu não tenho qualquer interesse pessoal no empréstimo gratuito. Também não trabalho numa biblioteca que faça empréstimo pelo que não tenho, sequer, uma posição a defender, uma política a justificar.
Eu limito-me a pensar. E a usar o bom senso que é uma coisa que falta cada vez mais por aí.
Vejamos a primeira premissa:
1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.
ERRADO. Todos os leitores de livros são potenciais compradores de livros. Isso significa que os leitores podem ou não comprar os livros que lêem; que os leitores podem só comprar livros que ainda não leram; ou até que os leitores podem só comprar livros que já leram. O comprador de livros pode nunca pôr os pés na biblioteca e, mesmo que o faça, se é um habitual comprador de livros, não irá deixar de os comprar por causa da biblioteca. Pelo contrário, um leitor que não é comprador de livros pode tornar-se, por causa da biblioteca: porque leu, porque adquiriu hábitos de leitura, porque quer levar para casa os livros que de que gostou e que conheceu, precisamente, na biblioteca.
2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.
ERRADO. Se o habitual comprador de livros não vai deixar de comprar por causa da biblioteca e o leitor que não costuma comprar pode passar a fazê-lo é óbvio que, por cada livro emprestado na biblioteca, há um livro na livraria que ganha hipóteses de vir a ser comprado.
3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.
ERRADO. Errado pelo que já ficou dito em relação às duas premissas anteriores. E errado porque isso equivale a comparar o trabalho criador ao trabalho numa fábrica. O trabalho de um autor - seja ele artístico ou científico - tem muito mais implicações e consequências que se estendem muito para além das cem, duzentas ou mil folhas de papel de um livro ou dos poucos gramas de plástico de um CD. As suas consequências a curto e longo prazo são imprevisíveis e o impacto que podem ter no seu público não são mensuráveis mediante qualquer fórmula matemática. Um livro pode mudar para sempre a vida de uma pessoa. Como é que se contabiliza isto?
4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.
ERRADO. ERRADÍSSIMO! Talvez a maior mentira no meio disto tudo, exactamente porque é em nome dos autores que os defensores do empréstimo pago falam. É em nome dessa ideia de «vender livros». O mais importante para um autor é que a sua obra seja conhecida e apreciada. Isso é o mais importante. Tudo o resto vem por acréscimo.

