Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

06 agosto 2007

Empréstimo ou aluguer (4)

Diz-nos a Sociedade Portuguesa de Autores que o Tribunal de Justiça Europeu considerou que o Estado português, ao isentar do pagamento da remuneração devida aos autores, a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de tal directiva.

Ora bem, ponto de ordem à mesa.

Em meu modesto entender, toda esta questão enferma de um erro de base que é o seguinte: em ponto algum da legislação portuguesa são isentadas todas as instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas. Afirmá-lo é um erro grosseiro e, naturalmente, uma extrapolação abusiva.

O que o n.º 3 do artigo 6º do DL 332/97 diz é que «O disposto neste artigo não se aplica às bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos».

Isto significa que todas as empresas que desenvolvem investigação científica e tecnológica - como a indústria farmacêutica e dermocosmética, a indústria automóvel, a indústria da construção, etc. - e que têm, naturalmente, centros de documentação - não estão abrangidas por esta isenção.
Os escritórios de advogados que emprestam livros aos seus colaboradores não estão abrangidos pela isenção.
Também as grandes empresas que dispõem de infraestruturas de apoio ao lazer dos seus funcionários - ginásio, creche, piscina, biblioteca - não estão abrangidas pela isenção.
Se um café organizar uma tertúlia cultural e emprestar livros ou filmes aos seus clientes, não está abrangido pela isenção.
Os hotéis que têm biblioteca e emprestam livros ou filmes aos seus hóspedes, não estão abrangidos pela isenção.
Uma livraria que tenha uma secção de livros usados ou em mau estado e que faça empréstimo aos seus clientes, não está abrangida pela isenção.
Os hospitais que têm biblioteca e fazem empréstimo aos seus pacientes internados, não estão abrangidos pela isenção.
Os lares e residências para a 3ª idade que têm biblioteca e fazem empréstimo aos seus residentes não estão abrangidos pela isenção.
Os SPA's, centros de férias, parques de campismo e outros espaços de lazer que têm biblioteca para os seus clientes, não estão abrangidos pela isenção.
Os visitantes da BdJ lembrar-se-ão, certamente, de outros casos.

Ou seja, todas as organizações e instituições privadas, com fins lucrativos, que têm uma biblioteca e praticam o empréstimo de livros, filmes e discos como parte integrante dos serviços prestados aos seus colaboradores e clientes já têm, há 10 anos, o dever legal de pagar a remuneração aos autores.

Se não cumprem é outra questão...

Como fazê-las cumprir quando o trabalho é "caseiro", não têm um sistema de controlo de empréstimos, nem base de dados, nem pessoal especializado, também é outra questão...

Se estes casos são uma minoria? Não sei. Mas também ninguém sabe porque, pura e simplesmente, não existe qualquer levantamento destas situações. Ninguém sabe, ao certo, quantas pequenas bibliotecas e centros de documentação de entidades privadas existem espalhados pelo país. Por isso, insisto, é um erro grosseiro e uma extrapolação abusiva afirmar que o Estado isentou do pagamento da remuneração devida aos autores a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas.

Neste ponto, a BAD caíu que nem um patinho. Em vez de rebater a interpretação do TJE, tomou-a como certa e vem agora propôr ao Estado português que vá apresentar-se à Comissão Europeia, de rabinho entre as pernas e corda ao pescoço, dizendo mea culpa e suplicando de cabeça baixa um favor de país de analfabetos o que deveria exigir, de cabeça levantada, como um direito de país civilizado.

Enquanto não nos dermos ao respeito, ninguém nos respeitará.

Voltarei ao assunto.

3 comentários:

Paulo Jorge Izidoro disse...

Gostei da imagem da BAD de "corda ao pescoço" qual Egas Moniz. Afinal Portugal sempre teve mais queda para Egas Moniz (o aio) do que para Afonso Henriques (o conquistador)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Egas_Moniz,_o_aio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_I_de_Portugal

No fundo parece que estamos sempre com medo de levarmos uma bula de «rex innutilis» como Sancho II
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_II_de_Portugal

Depois passamos o tempo à procura de salvadores da pátria, ou não fosse este um país de sebastianismos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sebastianismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_de_Portugal

MCA disse...

Infelizmente, é sempre aos estrangeiros que nos apresentamos de corda ao pescoço. Porque os portugueses, uns com os outros, não são assim tão humildes...
Bons olhos te vejam, Paulo!

Nuno Marçal disse...

Olá Clara!

Este assunto de tão estranho que é, parece um "pesadelo terrível". De facto este empréstimos pago seria o suspiro final de uma "moribunda"( em franca recuperação) promoção do livro e da leitura e das bibliotecas.

Como Bibliotecário-Ambulante as populações que sirvo através da Bibliomóvel veriam o livro, revistas, jornais como mais um fardo pesado,insustentável para a sua já periclitante situação financeira, onde todos os trocos contam, para a sua vivência diária.

Contra isto apenas uma palavra:

RESISTIR

Saudações Bibliotecárias

Nuno Marçal
http://opapalagui.blogspot.com/