Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.
Mostrar mensagens com a etiqueta Livros. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Livros. Mostrar todas as mensagens

23 abril 2015

Dia mundial do livro

«Se o livro que estamos a ler não nos despertar, como um punho a martelar-nos o crânio, para que o leremos? Para que o livro nos faça felizes? Valha-me Deus, seríamos igualmente felizes se não tivéssemos livros, e livros que nos façam felizes, podemos, se quisermos, escrevê-los nós. Mas aquilo que nos falta são esses livros que caem em cima de nós como uma desgraça, e nos afligem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como o suicídio. Um livro tem de ser uma picareta de gelo que quebre o mar gelado dentro de nós».
(Kafka, numa carta citada por George Steiner)

08 fevereiro 2008

Empréstimo ou aluguer (6)

Vou retomar aqui um tema que interrompi há alguns meses. Este e os próximos posts foram escritos ao longo destes meses mas fui sempre adiando a sua publicação.

Insisto em olhar sempre as várias facetas de uma questão.
Defendo intransigentemente o acesso livre à informação e à cultura.
Defendo, naturalmente, que o Estado deve proporcionar igualitariamente todos os meios para esse acesso e que esses meios devem ser, obviamente, financiados pelo erário público ou seja, por todos nós que pagamos impostos.
Não defendo, contudo, que o acesso à cultura - como à saúde, à instrução ou a qualquer outro direito - deva ser proporcionado a todos lesando direitos fundamentais de alguns.
Pretender que as bibliotecas públicas - logo, o Estado - proporcionem o empréstimo gratuito à custa dos direitos de autor é «serrar presunto em casa dos outros». Muito fácil e muito desonesto.

Não, queridos visitantes deste sanctus sanctorum da liberdade que é a biblioteca de Jacinto Galeão! Não me passei para o outro lado da barricada. Leiam até ao fim, se tiverem paciência.

É um facto consumado que o comodato (vulgo empréstimo) público vai ser taxado. A vizinha Espanha já mudou a lei (Ley 10/2007, de 22 de Junio). A Itália, se não mudou, vai mudar. A Irlanda, idem. E nós vamos também. Vamos todos, quais carneirinhos obedientes, baixar a cabecinha e enfiar-nos no redil europeu. Claro, os utilizadores das bibliotecas não vão pagar pelo empréstimo, era o que mais faltava. O empréstimo vai ser pago pelo orçamento das bibliotecas ou pela administração central do estado.
Não há volta a dar. O lobby das editoras, dos livreiros e das discográficas, que já conseguiu pôr-nos a pagar taxas pelas cassetes virgens, pelos CD graváveis, pelos equipamentos de reprodução (mesmo quando todos estes sejam usados para gravarmos e filmarmos a nós mesmos e aos nossos amigos), vai conseguir, agora, pôr-nos - através do orçamento das câmaras ou do Ministério da Cultura - a pagar taxas também pelo empréstimo nas bibliotecas.
Tudo para não lesar os bolsos dos autores! Dizem eles...

Mas será que é mesmo? Vejamos.

A defesa do empréstimo pago assenta em algumas premissas que, a serem verdadeiras, justificariam a pretensão.

Todos os leitores de livros são compradores de livros.

Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.

De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.

O mais importante para um autor é vender os seus livros.

Não sei se haverá alguém que consiga ler estas premissas sem se aperceber do profundo ridículo que lhes subjaz. Pelo menos alguém de boa fé, de espírito aberto, alguém que não tenha interesse pessoal no assunto.
Eu não tenho. Graças a Deus, nunca deixei de ler um livro por não ter dinheiro para o comprar. Eu não preciso das bibliotecas públicas para ler o que quero. Se eu quero ler um livro, compro-o. Tal como faço se quero ouvir um disco ou ver um filme. Eu não tenho qualquer interesse pessoal no empréstimo gratuito. Também não trabalho numa biblioteca que faça empréstimo pelo que não tenho, sequer, uma posição a defender, uma política a justificar.

Eu limito-me a pensar. E a usar o bom senso que é uma coisa que falta cada vez mais por aí.

Vejamos a primeira premissa:

1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.

ERRADO. Todos os leitores de livros são potenciais compradores de livros. Isso significa que os leitores podem ou não comprar os livros que lêem; que os leitores podem só comprar livros que ainda não leram; ou até que os leitores podem só comprar livros que já leram. O comprador de livros pode nunca pôr os pés na biblioteca e, mesmo que o faça, se é um habitual comprador de livros, não irá deixar de os comprar por causa da biblioteca. Pelo contrário, um leitor que não é comprador de livros pode tornar-se, por causa da biblioteca: porque leu, porque adquiriu hábitos de leitura, porque quer levar para casa os livros que de que gostou e que conheceu, precisamente, na biblioteca.

2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.

ERRADO. Se o habitual comprador de livros não vai deixar de comprar por causa da biblioteca e o leitor que não costuma comprar pode passar a fazê-lo é óbvio que, por cada livro emprestado na biblioteca, há um livro na livraria que ganha hipóteses de vir a ser comprado.

3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.

ERRADO. Errado pelo que já ficou dito em relação às duas premissas anteriores. E errado porque isso equivale a comparar o trabalho criador ao trabalho numa fábrica. O trabalho de um autor - seja ele artístico ou científico - tem muito mais implicações e consequências que se estendem muito para além das cem, duzentas ou mil folhas de papel de um livro ou dos poucos gramas de plástico de um CD. As suas consequências a curto e longo prazo são imprevisíveis e o impacto que podem ter no seu público não são mensuráveis mediante qualquer fórmula matemática. Um livro pode mudar para sempre a vida de uma pessoa. Como é que se contabiliza isto?

4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.

ERRADO. ERRADÍSSIMO! Talvez a maior mentira no meio disto tudo, exactamente porque é em nome dos autores que os defensores do empréstimo pago falam. É em nome dessa ideia de «vender livros». O mais importante para um autor é que a sua obra seja conhecida e apreciada. Isso é o mais importante. Tudo o resto vem por acréscimo.

26 outubro 2007

Indústrias culturais

Estive ontem no lançamento do livro "Indústrias culturais: imagens, valores e consumos" (Edições 70), homónimo do excelente blogue que Rogério Santos criou em 2003.

A amizade que me liga a Rogério Santos poderia tornar-me suspeita na avaliação do livro ou do blogue mas os visitantes da Biblioteca de Jacinto têm a oportunidade de avaliar por si aquele que eu considero um dos melhores blogues portugueses, pela diversidade temática, pelo distanciamento crítico e pelo rigor de análise. Aos mais distraídos, recordo que Indústrias culturais é uma das mais antigas presenças no meu blogroll.

«Para a Clara e o Jorge...»

07 agosto 2007

Empréstimo ou aluguer? (5)

Continuando a desmontagem da argumentação da Sociedade Portuguesa de Autores.

Diz-nos esta que «defende, como sempre defendeu, que a promoção da cultura e do acesso à mesma não poderão nunca ser prosseguidas desprotegendo o autor e o Direito de Autor, sob pena de não serem alcançados os objectivos pretendidos mas o seu inverso. "Aliás" - destaca [João Laborinho Lúcio] - "velha é já a discussão entre a alegada bifurcação entre o direito de acesso à cultura e o direito à criação intelectual e respectiva protecção dos autores e dos seus direitos, dois direitos estribados na lei fundamental. Parece-nos, contudo, que esta bifurcação é aparente, pois que ambos os direitos só podem conduzir a um mesmo fim".»

Ora não podia o Dr. João Laborinho Lúcio ter mais razão! Mas, como jurista que é, o Dr. João Laborinho Lúcio deveria dominar melhor a retórica: usar argumento alheio em favor próprio exige habilidade. Pois que outra coisa coisa têm os bibliotecários dito e gritado aos quatro ventos: o acesso livre e gratuito à informação não prejudica - antes protege - os direitos dos autores?

Mais diz o Dr. João Laborinho Lúcio - citando Carlos Alberto Villalba, da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) - "A criação não procede do nada, o criador, em especial o criador de obras literárias e artísticas, tem pelo mesmo acto da criação uma incoercível necessidade de que a sua obra seja difundida e conhecida."

Ora abóbora!!! E o que fazem as bibliotecas públicas? Escondem os livros? Ou fazem publicidade gratuita (que não é gratuita, todos nós a pagamos) aos autores, promovendo-os e às suas obras, chamando-os para palestras e conferências, colocando os seus livros mais recentes nos escaparates, promovendo clubes de leitura?
Será que o Dr. João Laborinho Lúcio alguma vez entrou numa biblioteca pública? Pronto, nos últimos trinta anos?

E o que fazem as bibliotecas públicas levando os livros, de bibliomóvel, às mais reconditas aldeias onde leitores de todas as idades e níveis de instrução têm acesso a obras que, de outra forma, nem saberiam que existem?

Quantos livros são comprados por utilizadores de bibliotecas públicas porque leram, gostaram e querem levá-los para casa?

E o que acha a SPA de começar a pagar às bibliotecas públicas a publicidade que fazem dos seus autores? Tal como acontece, aliás, nas grandes superfícies, nas livrarias... eles sabem tão bem como eu que o livrinho em destaque na montra paga-se. A promoçãozinha no hipermercado paga-se. O mundo da edição é um negócio. E as bibliotecas, que contribuem com elevados custos para a promoção deste negócio, não vêem um cêntimo. E ainda querem que paguem?!?

O que acha a SPA de pagar a carrinha que percorre montes e vales, carregada de livros, a parar nas aldeias e a promover os seus sócios? Quem é que paga o gasóleo? Quando a suspensão se avaria, quem é que paga o arranjo?

E o que dizer das bibliotecas que adoptam para seu nome o nome de um autor ainda vivo? Também deverão pagar direitos por usar esse nome? Ou isso já sabe bem, já soa a honraria?

Pergunta ainda a SPA «em que medida é que os autores ficaram lesados por não terem visto ao longo de anos o seu trabalho criativo devidamente remunerado por força da publicação de uma norma legal em clara violação de outra norma comunitária, e de que forma poderão ver esses seus eventuais danos devidamente ressarcidos"?»

Pois eu respondo a essa pergunta com outra : «em que medida é que os autores foram beneficiados por terem visto ao longo dos anos o seu trabalho criativo promovido até à exaustão pelo trabalho dos bibliotecários por força de uma tradição centenária - sim, que as bibliotecas públicas não nasceram com o DL 332/97 - e de que forma deverão compensar as mesmas bibliotecas pelos custos imensos que esse trabalho implica?»

Responda-me a SPA a esta que eu respondo à outra.

Voltarei ao assunto.

06 agosto 2007

Empréstimo ou aluguer (4)

Diz-nos a Sociedade Portuguesa de Autores que o Tribunal de Justiça Europeu considerou que o Estado português, ao isentar do pagamento da remuneração devida aos autores, a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de tal directiva.

Ora bem, ponto de ordem à mesa.

Em meu modesto entender, toda esta questão enferma de um erro de base que é o seguinte: em ponto algum da legislação portuguesa são isentadas todas as instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas. Afirmá-lo é um erro grosseiro e, naturalmente, uma extrapolação abusiva.

O que o n.º 3 do artigo 6º do DL 332/97 diz é que «O disposto neste artigo não se aplica às bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos».

Isto significa que todas as empresas que desenvolvem investigação científica e tecnológica - como a indústria farmacêutica e dermocosmética, a indústria automóvel, a indústria da construção, etc. - e que têm, naturalmente, centros de documentação - não estão abrangidas por esta isenção.
Os escritórios de advogados que emprestam livros aos seus colaboradores não estão abrangidos pela isenção.
Também as grandes empresas que dispõem de infraestruturas de apoio ao lazer dos seus funcionários - ginásio, creche, piscina, biblioteca - não estão abrangidas pela isenção.
Se um café organizar uma tertúlia cultural e emprestar livros ou filmes aos seus clientes, não está abrangido pela isenção.
Os hotéis que têm biblioteca e emprestam livros ou filmes aos seus hóspedes, não estão abrangidos pela isenção.
Uma livraria que tenha uma secção de livros usados ou em mau estado e que faça empréstimo aos seus clientes, não está abrangida pela isenção.
Os hospitais que têm biblioteca e fazem empréstimo aos seus pacientes internados, não estão abrangidos pela isenção.
Os lares e residências para a 3ª idade que têm biblioteca e fazem empréstimo aos seus residentes não estão abrangidos pela isenção.
Os SPA's, centros de férias, parques de campismo e outros espaços de lazer que têm biblioteca para os seus clientes, não estão abrangidos pela isenção.
Os visitantes da BdJ lembrar-se-ão, certamente, de outros casos.

Ou seja, todas as organizações e instituições privadas, com fins lucrativos, que têm uma biblioteca e praticam o empréstimo de livros, filmes e discos como parte integrante dos serviços prestados aos seus colaboradores e clientes já têm, há 10 anos, o dever legal de pagar a remuneração aos autores.

Se não cumprem é outra questão...

Como fazê-las cumprir quando o trabalho é "caseiro", não têm um sistema de controlo de empréstimos, nem base de dados, nem pessoal especializado, também é outra questão...

Se estes casos são uma minoria? Não sei. Mas também ninguém sabe porque, pura e simplesmente, não existe qualquer levantamento destas situações. Ninguém sabe, ao certo, quantas pequenas bibliotecas e centros de documentação de entidades privadas existem espalhados pelo país. Por isso, insisto, é um erro grosseiro e uma extrapolação abusiva afirmar que o Estado isentou do pagamento da remuneração devida aos autores a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas.

Neste ponto, a BAD caíu que nem um patinho. Em vez de rebater a interpretação do TJE, tomou-a como certa e vem agora propôr ao Estado português que vá apresentar-se à Comissão Europeia, de rabinho entre as pernas e corda ao pescoço, dizendo mea culpa e suplicando de cabeça baixa um favor de país de analfabetos o que deveria exigir, de cabeça levantada, como um direito de país civilizado.

Enquanto não nos dermos ao respeito, ninguém nos respeitará.

Voltarei ao assunto.

01 agosto 2007

Empréstimo ou aluguer? (3)

Como parece que os lesados pela não cobrança de taxas de empréstimo nas bibliotecas são os autores - pelo menos é essa ideia que faz passar a Sociedade Portuguesa de Autores - eu perguntei-me qual seria a opinião dos ditos autores em relação a isso. E eis o que que encontrei aqui (os destaques são meus):

«Escritores questionam taxa às bibliotecas
Daniel Rocha/PÚBLICO

«A não aplicação da taxa sobre os empréstimos nas bibliotecas públicas motivou, em Janeiro passado, um puxão de orelhas da Comissão Europeia a Portugal.
«Em vésperas do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, que se celebra sexta-feira, a possibilidade de as obras requisitadas pelos leitores passarem a ser taxadas às bibliotecas não recolhe a simpatia dos escritores.
«O poeta José Manuel Mendes diz-se "favorável a todos os mecanismos de composição de interesses que tendam a assegurar os direitos dos autores", mas afirma ser inadequada "a cobrança de qualquer montante tal como se acha preconizado". A não aplicação da taxa sobre os empréstimos nas bibliotecas públicas - que faz parte de uma directiva europeia de 1992 que nunca foi inteiramente cumprida - motivou, em Janeiro passado, um "puxão de orelhas" da Comissão Europeia a Portugal. A taxa visa assegurar parte dos direitos autorais e tem em conta a possibilidade de, em alguns países, os empréstimos lesarem as vendas de livros, mas a hipótese da sua aplicação motivou já uma petição da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas. Em declarações à Lusa "apenas a título individual, enquanto autor", como fez questão de sublinhar, o presidente da Associação Portuguesa de Escritores justificou ainda a sua discordância "tendo em conta os ainda graves índices de iletrismo na sociedade portuguesa e as dificuldades de múltipla ordem que as bibliotecas enfrentam". Assim, e embora reconheça que os direitos dos autores são muita vezes ignorados, "com os prejuízos que daí resulta para quem escreve", o autor de "O Despir da Névoa" (romance) ou "Presságios do Sul" (poesia) mostrou-se contra a "adopção de práticas que constituam obstáculo a um forte incremento da leitura". A obstrução no acesso dos leitores aos livros é também motivo de preocupação para o escritor Casimiro de Brito, para quem a questão da taxa às bibliotecas "é uma matéria sensível, uma vez que o direito de autor não pode ser entendido de forma exclusivamente matemática". O presidente do Pen Clube Português afirmou à Lusa que "não está incorrecta a ideia dos escritores receberem uma percentagem sobre os livros emprestados nas instituições públicas", mas destacou que "uma taxa, a existir, deve ter um valor simbólico".
«Autor de "Subitamente o Silêncio" (poesia) ou "Imitação do Prazer" (romance), Casimiro de Brito ressalvou ainda que o empréstimo dos títulos através das bibliotecas "conduz a um ganho indirecto para os autores, que assim divulgam as obras e ganham leitores". Dando como exemplo a Suécia - "onde as bibliotecas, por cada quatro ou cinco requisições de um livro, compram outro exemplar igual" - o poeta e ficcionista acredita que, em Portugal, "existe mais o hábito de comprar as obras do que de as requisitar para ler", motivo pelo qual o objectivo principal da taxa não tem razão de ser. Casimiro de Brito revelou também que, para si, o mais importante é "dar vida aos livros", pelo que tem o hábito de deixar obras "esquecidas" em locais públicos há mais de 20 anos, o que o torna, sem querer, num precursor do movimento de bookcrossing. O bookcrossing, um movimento internacional que conta já com cerca de 3000 membros em Portugal, pode ser entendido como uma espécie de biblioteca virtual e tem por objectivo democratizar o acesso aos bens culturais e encorajar a leitura. Rui Viegas, bookcrosser e dinamizador de iniciativas no Dia do Livro e dos Direitos de Autor, afirmou à Lusa não acreditar que a partilha de livros entre os elementos do movimento prejudique os direitos de autor. "Se um bookcrosser gostar de um livro, ele pode vir a comprar essa obra e até, muito provavelmente, outras do mesmo autor", declarou, acrescentando que "é necessário assegurar os direitos de autor, mas também é importante que as pessoas leiam". Mostrando-se contra a aplicação da taxa sobre o empréstimo público, Rui Viegas considera que a medida "inverte a lógica de facilitar o acesso de todos aos bens culturais", pois, ao afectar as verbas das bibliotecas, a medida lesa também os utentes. A possibilidade de aplicação da directiva comunitária originou o texto de contestação "Em defesa do empréstimo público nas bibliotecas portuguesas!", da Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, que conta actualmente com cerca de 5000 assinaturas em www.petitiononline.com/PetBAD/petition.html. "Tendo em conta que a taxa - que será paga pelas bibliotecas e não pelos utilizadores - empobrece estas entidades, a medida acaba por afectar a capacidade de investimento em novos títulos e, em consequência, a divulgação dos autores", sublinhou à Lusa António José de Pina Falcão, da direcção da BAD, como é conhecida a Associação. A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas mostra-se preocupada porque entende que, tendo de pagar a taxa sobre os empréstimos, "decresce a verba que é aplicada na actualização do espólio de livros mas também na aquisição de material audiovisual e na promoção de iniciativas culturais ao longo do ano". Além de Portugal, também a Espanha, França, Itália, Luxemburgo e Irlanda foram alertadas em Janeiro pela Comissão Europeia para a aplicação integral da norma relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.»
(Público, 21-04-2004)

27 julho 2007

Empréstimo ou aluguer? (2)

Quem me conhece, mesmo que só aqui deste vosso espaço, sabe que eu sou uma rapariga imparcial. Demonstrei-o suficientemente, na altura do referendo ao aborto, apresentando argumentos de um e outro lado, apesar de eu própria ter uma posição sobre o assunto.
Faço o mesmo em relação à questão do empréstimo pago nas bibliotecas. Por essa razão transcrevo aqui, integralmente, sem correcções à pontuação e sem qualquer censura, o artigo publicado no site da Sociedade Portuguesa de Autores. Os destaques são os originais.
Espero que a SPA não me venha cobrar direitos...

«Transposição Incorrecta de Directiva Comunitária
«O Tribunal de Justiça Europeu (TJE), por acórdão de 6 de Julho último, decidiu que a República Portuguesa transpôs incorrectamente para a ordem jurídica nacional a directiva comunitária relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor. Isto é: o TJE considerou que o Estado português, ao isentar, do pagamento da remuneração devida aos autores, a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de tal directiva.

«"Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente" - diz, numa conversa com a "Autores", o colaborador da SPA na área jurídica Dr. João Laborinho Lúcio, que tem vindo a acompanhar o desenvolvimento desta questão.

«As consequências reais da decisão do TJE em breve serão conhecidas - mas a SPA sublinha que atempada e repetidamente tomou posição sobre esta questão, protestando contra a forma, canhestra e com anos de atraso, como o Estado português transpôs tal directiva, prejudicando gravemente os autores nacionais. E tinha razão, como agora se vê. Falta ver como serão os autores portugueses ressarcidos.

«Legisladores autistas. "A transposição da directiva em causa foi feita através do decreto-lei 332/97, de 27 de Novembro e importava, portanto, que o legislador nacional tivesse seguido as directrizes emanadas do dispositivo legal comunitário, sem prejuízo da liberdade que a mesma lhe confere, mas dentro dos seus limites" - começou por destacar João Laborinho Lúcio.

«Contudo, não foi isso o que aconteceu: "A forma como o legislador nacional ampliou a exclusão de não remunerar o direito exclusivo de comodato não a determinadas categorias de estabelecimentos, como impunha a directriz, mas a todos os estabelecimentos que promovem o comodato público é, em nosso entender, claramente violadora dos direitos dos autores porquanto estes, em circunstância alguma, vêem a utilização pelo comodato do seu trabalho criativo remunerada" - acrescentou JLL.

«Mais grave ainda: o legislador nacional, apesar de insistentemente alertado pela SPA, fez ouvidos de mercador. João Laborinho Lúcio explica como: "O governo defendeu a abrangência do conjunto de estabelecimentos beneficiários da isenção com o fundamento de que o estado de desenvolvimento cultural do país e a necessidade de incentivar a leitura aconselhavam a usar, de uma forma extensiva, a possibilidade de aplicação da isenção. E aí o governo viu a sua posição fortemente apoiada quer pelo Instituto Português do Livro e da Biblioteca quer pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas".

«Ora - diz JLL - "a SPA sempre entendeu que o governo tinha feito um uso excessivo da faculdade constante do artigo 5º, nº 3 da Directiva, ao estender o benefício da isenção a um número tão alargado de estabelecimentos. Dificilmente se encontra em Portugal uma entidade que proceda ao comodato de originais ou cópias de obras intelectuais protegidas que não se reconduza às categorias contempladas na lei".
«A SPA sempre assim entendeu e alertou em tempo útil, repetidas vezes, quem de direito. Mas em vão: o pior surdo é o que não quer ouvir.

«Argumento ultrapassado. Recorda o jurista: "Não deixando de ser sensível aos argumentos adiantados pelo governo, a SPA defende, como sempre defendeu, que a promoção da cultura e do acesso à mesma não poderão nunca ser prosseguidas desprotegendo o autor e o Direito de Autor, sob pena de não serem alcançados os objectivos pretendidos mas o seu inverso. "Aliás" - destaca - "velha é já a discussão entre a alegada bifurcação entre o direito de acesso à cultura e o direito à criação intelectual e respectiva protecção dos autores e dos seus direitos, dois direitos estribados na lei fundamental. Parece-nos, contudo, que esta bifurcação é aparente, pois que ambos os direitos só podem conduzir a um mesmo fim".

«Em abono desta tese, João Laborinho Lúcio diz depois: "Nunca é demais ressaltar um dos pensamentos saídos do II Congresso Ibero-Americano de Direito de Autor e Direitos Conexos de Lisboa (1994), a ele trazido por Carlos Alberto Villalba, um perito da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) segundo o qual a participação significativa na vida cultural e a utilização dos benefícios do progresso científico só são possíveis se existir uma protecção efectiva dos direitos de autor e uma conservação adequada da herança cultural. Na realidade, os primeiros necessitados de aceder às obras intelectuais são os criadores já que toda a criação procede de uma ordem cultural onde existe intercomunicação. A criação não procede do nada, o criador, em especial o criador de obras literárias e artísticas, tem pelo mesmo acto da criação uma incoercível necessidade de que a sua obra seja difundida e conhecida.

«Trata-se, portanto, de um argumento ultrapassado e desprovido de sentido, o da alegada dicotomia entre o direito de acesso à cultura e o direito de autor".

«Um pouco de história... Em resultado necessário e directo da forma como o Estado português transpôs a directiva comunitária n.º 92/100/CEE, a Comissão das Comunidades Europeias intentou contra a República Portuguesa o processo a que veio a ser dado o número C-53/05.

«Em síntese, a Comissão alegou que o artigo 5.°, n.°3 da directiva permite que os Estados-membros isentem "determinadas categorias" de estabelecimentos do pagamento da remuneração normalmente garantida pelo artigo 5.°, n.°1, em derrogação dos direitos exclusivos de comodato conferidos pelo artigo 1.°.
«No entanto, o artigo 6.°, n.°3, do Decreto-Lei 332/97 isenta todas as bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos. Por conseguinte, a derrogação abrange todos os serviços administrativos centrais do Estado, os organismos da Administração indirecta do Estado, como os institutos públicos e as associações públicas, todos os serviços e organismos da Administração Local, todas as pessoas colectivas de direito privado que desempenhem funções de natureza pública e até mesmo escolas e universidades privadas e instituições privadas sem fins lucrativos.

«Diz João Laborinho Lúcio: "Esta lista inclui todos os estabelecimentos que emprestam a título gratuito, portanto, todos os organismos que praticam o "comodato" nos termos do artigo 1.°, n.°3. Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente. Da transposição do artigo 5.° da directiva efectuada pela República Portuguesa resulta que nenhum estabelecimento que pratique o comodato público está obrigado ao pagamento da remuneração prevista no artigo 5.°, n.°1. Isto viola o direito de comodato exclusivo e a protecção que lhe confere a directiva".

«No âmbito deste processo, e depois das Conclusões da Advogada Geral Eleonor Sharpston apresentadas em 4 de Abril de 2006 que foi de opinião de que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.º, conjugado com o artigo 1.º, da directiva, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção), por acórdão de 6 de Julho de 2006, decidiu que a República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título de comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.º e 5.º da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.

«... e várias perguntas. Neste contexto, no ar ficam várias e pertinentes interrogações, como aponta João Laborinho Lúcio: "Sabendo-se de antemão, e não obstante a decisão ora proferida pelo Tribunal de Justiça, que o art. 5.°, n.°3 da directiva foi incluído para responder ao desejo de Estados-membros que pretendiam conservar a faculdade de isentar apenas as bibliotecas dos estabelecimentos de ensino e as bibliotecas públicas da obrigação de pagamento do direito de comodato público, pergunta-se se a opção legislativa nacional que não permite efectuar uma distinção válida entre as categorias de estabelecimentos não conduz, ao contrário do que se pretendia, à obrigação de impor a todos os estabelecimentos em causa o pagamento da remuneração em questão.

«Seja de que forma for, e responda-se como se responder à questão anterior, permitimo-nos levantar a questão de saber em que medida é que os autores ficaram lesados por não terem visto ao longo de anos o seu trabalho criativo devidamente remunerado por força da publicação de uma norma legal em clara violação de outra norma comunitária, e de que forma poderão ver esses seus eventuais danos devidamente ressarcidos".»

25 julho 2007

Empréstimo ou aluguer?

Não posso ficar indiferente a uma (mais uma) aberração imposta pela União Europeia. A história já é antiga e vou contá-la com as palavras da Luísa Alvim (os destaques são meus):

«A Comunidade Europeia aprovou, em 1992, uma directiva relativa ao direito de comodato e a certos direitos conexos de autor em matéria de propriedade intelectual, passando as bibliotecas, museus, arquivos e outras instituições privadas sem fins lucrativos a ter que pagar pelo empréstimo público dos seus documentos abrangidos por estes direitos de autor.
«Depois de algumas intervenções em defesa pelo não pagamento, e lembro a famosa petição portuguesa em favor do empréstimo público gratuito nas bibliotecas, patrocinada pela BAD (Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas), com 20.000 assinaturas em 2004, a situação é de condenação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre Portugal que isentou todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de pagar aos autores.
«Esta é a grande questão. Actualmente, a Assembleia da República terá que apresentar uma proposta de lei diminuindo o número de isenções ao pagamento da remuneração pelo empréstimo público de documentos.
«Entendo que esta normativa europeia e o decreto-lei vão contra todos os princípios que os profissionais da informação defendem e lutam, desde sempre, em apoiar a disponibilização de documentos que possibilitem a educação individual, a autoformação, a educação formal, o oferecer possibilidades de um criativo desenvolvimento pessoal, o estimular a imaginação, o promover o conhecimento e o apreço pelas artes e inovações científicas, o facilitar o acesso às diferentes formas de expressão cultural, o fomentar o diálogo inter-cultural, a assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação à comunidade, nas instituições públicas e privadas onde trabalham de forma gratuita, explícitos no Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas, no Código de Ética.
«Princípios defendidos internacionalmente pela IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) e pela EBLIDA (European Association of Library Information and Documentation Associations).
«A missão das bibliotecas sempre foi garantir aos cidadãos o acesso livre ao conhecimento, à cultura e à informação. O papel das bibliotecas públicas, escolares, universitárias, e outras, em Portugal, nos últimos anos é inquestionável no exercício das suas missões sociais e culturais.
«A BAD, apesar de defender estes princípios, optou, e muito bem, por apresentar uma proposta de alteração da lei, à Comissão da Assembleia da República, no sentido de salvaguardar algumas questões, como o não pagamento de direitos de autor pela consulta presencial de documentos nas bibliotecas, o mesmo se passando com o empréstimo inter-bibliotecas e a transmissão de obras em rede.
«Relativamente ao empréstimo de documentos, que seja pago não pelo utilizador/cidadão mas pelos organismos que tutelam as bibliotecas (Ministério da Cultura/Câmaras?), e que este pagamento não se repercuta nos orçamentos das bibliotecas.
«Ainda não sabemos como a lei vai figurar em Portugal, mas sabemos que já não é possível que a utilização de documentos seja disponibilizada gratuitamente nas
bibliotecas
. É necessário continuar a falar sobre este assunto, e de outras questões associadas, como o estabelecimento dos critérios para a fixação da remuneração a pagar, etc.
«O papel dos profissionais da informação, e das associações, terá que ser de sensibilizar a opinião pública para a "indiscutível" defesa do direito à informação gratuita disponibilizada pelas instituições públicas, na nossa dita "sociedade democrática".

«1. Solicito que reenviem esta mensagem, manifestem-se e discutam nos blogues, linkem os posts sobre este assunto entre blogues, escrevam nos jornais e em artigos nas redes sociais e fóruns, pelo menos não fiquemos calados quando nos pedirem alguns cêntimos pela consulta de um livro que precisamos para estudar ou para os nossos filhos aprenderem, numa qualquer biblioteca.
«2. Aconselhemos os nossos amigos - Autores - (de livros, música, bd, cinema, etc.) que disponibilizem os seus conteúdos em livre acesso, com etiquetas de Creative Commons, GNU License (documentos-software), copyleft, etc. e prescindam dos direitos de autor, sempre que as suas obras sejam consultadas/emprestadas em bibliotecas, arquivos, centros de documentação e museus.»

Agradeço à Luisa Alvim ter-me enviado esta mensagem.

Também o Adalberto deu a sua valiosa contribuição para este debate, esclarecendo-nos acerca das causas mais profundas e obscuras de tamanha aberração.

Claro, como directiva comunitária que é, não nos afecta só a nós. Também em Espanha e Itália os bibliotecários se têm batido contra o empréstimo pago. Em Itália há mesmo uma petição de autores contra esta legislação.

Quanto a mim, voltarei ao assunto. Na biblioteca de Jacinto, claro, o empréstimo é e continuará ser sempre gratuito. Jacintus Galeanus dixit.

10 maio 2007

Bücherverbrennung

10 de Maio devia ser dia de luto para quem ama os livros. Foi neste dia do ano de 1933 que começou a Bücherverbrennung uma queima de livros organizada pelos Nazis para destruir na praça pública livros (a maioria pertencentes a bibliotecas públicas) de autores considerados undeutsch, ou seja, não alemães. Estas acções tiveram a participação activa e entusiasta de associações de estudantes e outros populares.

08 novembro 2006

Como é feito um livro

Gostei deste filme divulgado no blog Biblioinfor do meu colega João Pedro Portugal. 8 minutos que passam muito depressa. A ver.