Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

05 setembro 2007

Banquetes de Platão II

«Nas tardes em que havia "banquete de Platão" (que assim denominávamos essas festas de trufas e ideias gerais)» (QUEIRÓS, Eça de - Civilização)

A que se segue é a segunda de uma série de receitas inventadas por mim. É que o Jacinto Galião também gosta de comer. Tal como na receita anterior, o peixe para esta receita deve ser pescado num elevador.

Começo por explicar que isto é uma paella um bocado aldrabada. Bocado é favor. É bastante aldrabada. Baseei-me na receita original da paella (que aprendi em Valência) mas, como não consigo seguir uma receita, modifiquei aqui e ali e o resultado, honestamente, não é uma paella, é mais um risotto de peixe na paellera. Perdoem-me os puristas mas, com um bisavô italiano e outro espanhol, eu só podia saír assim desalinhada...

RISOELLA DE PEIXE

Esta receita começou por se denominar Paella de peixe. Depois, decidi seguir a sugestão do meu amigo do Ars Coquinaria e mudei-lhe o nome, já depois da receita ter sido publicada. Não é muito ortodoxo alterar posts publicados mas quem faz um risotto numa paellera tem desculpa...

Azeite virgem
Alho
Tomate
Pimento verde
Açafrão da Mancha
Sal
Arroz
Peixe branco e carnudo (cherne, tamboril...)

Dou um violento murro no dente de alho (costuma ser inspirador pensar no nariz do meu pior inimigo) usando o lado de uma faca e frito-o no azeite que aqueci numa paellera (ou, na falta dela, numa frigideira grande). Deixo dourar bem mas, antes de começar a queimar, retiro para não amargar. A seguir, deito o tomate cortado em pedaços e frito-o bem. Isto é básico: a paella não leva refogado; a base é a fritura em azeite.

Por esta altura, junto o pimento cortado em tiras muito fininhas e completamente livre de sementes e da parte esbranquiçada da polpa (são as sementes e esta polpa esbranquiçada que o tornam indigesto, aprendi isto com o chef Vítor Sobral).

Deixo fritar muito bem.

Junto então o arroz e frito-o. A aldrabice começa aqui. Na receita original da paella não se frita o arroz. Mas eu frito. Entretanto, desfaço muito bem uns estames de açafrão (para uma caneca de arroz uso uma colher de chá de açafrão).

Para quem pensa que o açafrão só dá côr e que, para isso, não vale a pena comprar a especiaria mais cara do mundo, fica a informação: o açafrão genuíno dá um sabor e um aroma muito subtis mas persistentes e inconfundíveis. Faz toda a diferença mas, pela sua subtileza, é preferível não usar outras ervas.

Junto ao arroz água a ferver, até cobrir, e é nesta altura que deito o açafrão e tempero de sal.

A aldrabice continua aqui: a paella transforma-se numa espécie de risotto porque eu vou deitando água a ferver à medida que consome (e consome muito porque a paellera, como é larga, promove a evaporação).

Quase no fim da cozedura, com o arroz ainda bem ensopado, espalho o peixe cortado em cubos. O peixe coze depressa, mas é preciso estar com muita atenção porque o arroz também pega facilmente por causa da rápida perda de água. Nesta fase, o equilíbrio entre o tempo de cozedura do peixe e o grau de evaporação/secura do arroz é muito precário: se o arroz seca de mais, o peixe não tem tempo de cozer, se se deita mais água para o peixe cozer, o arroz fica demasiado "malandrinho" e isso não é suposto numa paella. Como não sou uma cozinheira experiente, às vezes a coisa não sai lá muito bem mas, quando sai bem, este prato fica uma delícia!

Bom apetite!

13 comentários:

Ars Coquinaria disse...

Clara, parece um prato muito sugestivo... mas, atendendo a que se trata de uma fusão entre "paella" e "risotto", talvez pudesse chamar-se Ripaella!!
Aproveito para referir que a receita dos lombos de salmão foi já experimentada e muito apreciada no "Ars Coquinaria" (v. http://arscoquinaria.blogspot.com/ )

MCA disse...

Hum, sou capaz de aceitar a sugestão...

Ars Coquinaria disse...

Aplausos! Aplausos!
do Ars Coquinaria, in nomine de todos os Coquinari tiffosi, RISOELLA DE PEIXE está excelente...
Cresce "água na boca"!

PostScriptum disse...

Bom, sinto-me convidado. Presumo que o azeite a ferver também te dê ideias geniais para com o teu inimigo...lololol
Parece ser bom. Vou experimentar.
Um beijinho, C.

MCA disse...

Manuelinho,
Nem tentes adivinhar!...

PostScriptum disse...

Do azeite a ferver? lolol
Acho que adivinho.
Beijinhos, C

Nuno Marçal disse...

A cozinha é um mundo de experiências... umas bem outras mal sucedidas.
Quando correm bem somos "chefes" de restaurantes de 5 talheres,quando correm menos bem somos "artistas de caserna".

Continuação de boas experiências são os votos de um Bibliotecário-Ambulante com queda para os tachos!

Gaspar Matos disse...

Ler este post ao meio-dia e meia é um exercício de masoquismo de primeira água! Parabéns, Clara! Pela descrição pareces-me um autêntico Remy "Ratatui" :-)

teresamaremar disse...

Usa o açafrão esmagado e junta-o assim mesmo?
É que eu uso muito açafrão (aliás, uso e abuso de todas as ervas, adoro ervas) e nunca o deito no arroz, sopa de peixe, ou afins. O que faço é deitar o açafrão numa tacinha com umas 3 colheres de água quente, deixar repousar e, depois, usar apenas a água onde ele macerou.

MCA disse...

Teresa,
Eu deito o açafrão muito bem desfeito. Mas se calhar tem razão, provavelmente as receitas espanholas não especificam isso porque presumem que as pessoas sabem como fazer. É como quando a gente diz para pôr ovos inteiros: ninguém põe os ovos com a casca!... Mas um extra-terrestre que seguisse uma receita, provavelmente era o que fazia. Eu sou uma principiante nestas coisas da culinária. Obrigada pela dica. Vou informar-me.

teresamaremar disse...

Aproveito e deixo a minha receita de sopa de peixe :)

Habitualmente faço-a com 2 cabeças de peixes diferentes (corvina, cherne ou garoupa) a que junto uma posta de salmão (para dar cor). Quando não encontro as cabeças uso também postas dos mesmos. Pode também ser com as memas postas congeladas, já experimentei e não fica mal, embora as cabeças pareçam dar mais sabor.

Cozo as cabeças e o salmão temperados antecipadamente com sal, e retiro da água. Coo a água. Desmancho as cabeças.

Quase a cru (uso pouco os refogados), deito sobre o azeite (pouco, pois o peixe tem a sua gordura natural) a cebola picada, tomate picado grosseiro, muito alho às lascas. Alouro um pouco e logo em seguida junto um pouco da água de cozedura dos peixes. Acrescento uma colher de chá de açúcar para cortar a acidez do tomate. Junto salsa e deixo cozer.

Depois de cozido, com a varinha mágica, reduzo tudo a puré (cebola, tomate, alho e salsa) e acrescento o resto da água da cozedura. Se for necessário junto mais um pouco de água. Sem exagerar pois gosto dela encorpada.

Acrescento, então, a água do açafrão, as folhas de segurelha ou poejo, e tomilho limão (vendem-se no supermercado, habitualmente na zona dos ecológicos).

Levanto o lume para que ferva, aí junto macarrão grosso e deixo cozer em lume brando. Ainda um pouco rijo (gosto das massas duras), deito todas as lascas do peixe já cozido e fica a apurar durante uns 10 minutos. As lascas são pedaços grandes para que se distingam os diferentes peixes.

Antes de servir, retiro os paus das ervas (as folhas entretanto soltaram-se e essas ficam), polvilho com pimenta moída.

Para que o aroma não se perca, só depois de deitar na terrina junto os coentros picados. Tapo e deixo em espera uns 5 minutos.

Habitualmente, sirvo esta sopa como prato principal e faço-a sempre em quantidade, pois acho-a mais saborosa no dia seguinte. Por vezes, faço-a mesmo de véspera, aí só acrescento os coentros no dia em que é servida.



uma nota: uso sempre uma colher de chá de açúcar em tudo quanto leva tomate, truque já da minha avó, bem como nas ervilhas. No tomate sei que a intenção é cortar a acidez, nas ervilhas não sei qual é, mas sempre me habituei a seguir a tradição.

outra nota: as ervas, como a segurelha, poejo, tomilho limão etç, costumo comprar, lavar, deixar secar de um dia para o outro e depois congelo, pois acabariam por apodrecer ainda que no frigorífico, já que bastam pequenas quantidades de cada vez.
Tirando-as do congelador directamente para o lume, sem descongelar, não perdem qualidades. Nem o funcho ou os coentros que são de aromas mais intensos mas mais efémeros.


:) bom fim de semana

teresamaremar disse...

Esqueci...
se o salmão não bastar para dar cor, acrescento um pouco de paprika.
E quando sirvo, por vezes, acrescento, já na mesa, uns quadradinhos de pão torrado com alho (vendem-se em pacotes, uns que não são fritos)

MCA disse...

Teresmaremar
Obrigadíssima. Gosto de sopa de peixe (e o meu marido, então, adora!). Vou experimentar.
procurei nos seus blogues um endereço mas não encontrei. Vou deixar uma mensagem num deles.