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06 setembro 2007

A carta

Recebi uma carta das Finanças. Senti um aperto no estômago. Abri o envelope, com a chave do correio, enquanto subia ao meu 3º andar sem elevador. Não foi só a subida que me dificultou a respiração. Ainda não tinha entrado em casa, já respirava melhor: era o selo do carro.

Porque é que, sempre que recebo um carta das Finanças, sinto medo de qualquer coisa?
Porque é que naqueles segundos entre pegar na carta e ver o seu conteúdo prescruto mentalmente o meu passado tentando lembrar-me do que poderei ter esquecido de pagar, como alguém que, às portas da morte, revê toda a sua vida numa fracção de segundo?
Porque é que eu tenho sempre a sensação de que, no planeta fiscal, todos os habitantes, por mais cumpridores que sejam, são sempre culpados de alguma coisa?
Porque é que eu tenho a sensação de que as Finanças são as herdeiras directas da pide?
É mania minha? É peso na consciência? Devo revirar os meus papéis à procura do aviso não pago, da declaração esquecida, de algum pecado sem perdão que me vai custar o magro ordenado, a casa hipotecada e, quem sabe, a liberdade?
Serei só eu?...

7 comentários:

3Picuinhas disse...

Não és só tu não, fica descansada :)
Eu depois de há uns anos ter sido obrigada a pagar uns 5 mil euros já só pego nas cartas das Finanças com pinças ou luvas de borracha!

André A. Correia disse...

Para além do pânico generalizado que as Finanças transmitem, fruto da máxima "todos os contribuintes são prevaricadores", têm ainda outra característica:

Muitos de nós, ao consultarem a sua situação do IRS de 2006 no portal das Decalrações Electrónicas,encontram a situação reembolso a ser efectuado até 31 de Agosto. Ora, hoje é 7 de Setembro, e nada!

Se um contribuinte atrasar 1 (um) dia por exemplo o pagamento do IVA, para além de juros paga coima!

Como é?

MCA disse...

Para além de todas as queixas objectivas que todos temos do sistema fiscal, o que me faz mais confusão é esta capacidade de nos fazer sentir prevaricadores. Já me esqueci de pagar taxas, já me atrasei na entrega do IRS. Não tenho contabilista, sou desorganizada, sou distraída. É por essa razão que todas as minhas contas são pagas por débito automático. Porque já me esqueci demasiadas vezes de pagar a água, a luz, o telemóvel, o seguro do carro. Isso é normal, devia ser considerado normal. Mas não. Para o sistema fiscal isso é um crime hediondo. Quando me esquecia de pagar a luz recebia um segundo aviso de pagamento. Quando me esqueço de pagar o imposto municipal recebo uma carta que nem menciona claramente o que é que deixei de pagar (o que me obriga a ir, numa aflição, revirar papéis, para saber se devo 30 euros ou 3000...), ameaçando-me de me hipotecar os bens!
Isto não é próprio de uma sociedade livre e democrática!

PostScriptum disse...

Porque o fisco se constituiu como a nova polícia política? Tenho a certeza que sim.
Beijinhos, Clara

PostScriptum disse...

Con(vivemos) com um sistema autista e autoritário. O Fisco transformou-se na nova PIDE nada prório de uma democracia.

Anónimo disse...

Este teu post fez-me recordar os suores frios que podia ver no rosto do meu pai, sempre que passávamos por uma Brigada de Trânsito na estrada... (presumo que reminiscências de 1976 em Moçambique...)

osbandalhos disse...

Gostei. Raramento gosto do que quer que seja. Não que seja motivo de orgulho para ti. Nem sabes quem sou, o que é bom para ti, acredita em mim.
A minha relação com as finanças é puramente anal. Estou-me pura e simplesmente ..... para elas.
Sou um spam nos seus computadores. Pago e volto a aparecer. Eles próprios reconhecem falhas no sistema. Pago para não me chatear. E volto a aparecer. Se em vez de dar às finanças todo o dinheiro que já dei, o tivesse dado a um palestiniano, teria conseguido a derrota moral de já não haver o palestiniano, nem a repartição de finanças.