Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

17 outubro 2008

O Senhor Director

O Senhor Director era o Setôr Lino Lopes. Homem extraordinário que hei-de recordar sempre com admiração e afecto. Nunca conheci ninguém - mesmo entre todos os bons professores que tive - que tivesse um tão imenso desejo de ensinar. Ensinar num sentido amplo, no sentido de formar integralmente.

Foi meu professor de português e latim. Não era propriamente um erudito, pelo menos no sentido em que o termo costuma ser usado. Nunca deixou de ser um homem do campo - nem o queria. Vestia com simplicidade, falava com simplicidade e até com um ligeiro sotaque beirão. Amava Torga e Aquilino, amava a rudeza das serras, ensinava-nos coisas sobre os trabalhos do campo, sobre a vida nas aldeias. Com ele aprendi a diferença entre um arado e uma charrua, aprendi coisas sobre tosquias e regadios. Falava dessas coisas durante as aulas, integrando-as nas matérias curriculares. Se tenho uma sintaxe escorreita, a ele o devo. Enquanto dividíamos orações e fazíamos análise sintática arranjava um pretexto para nos ensinar alguma coisa que não estava no programa e para nos transmitir valores éticos. Por vezes, de uma forma um pouco ingénua: "escutarei com atenção os conselhos de meu pai". Frases deste tipo tornaram-se anedota entre os que foram seus alunos, mas anedota carinhosa.

Disse tantas coisas que nunca esqueci! Uma delas reflectia a visão superior que tinha da educação (tanto mais superior quanto, de um homem rural e conservador, essa visão seria menos expectável). Dizia ele que educar deveria consistir em trazer à superfície e desenvolver as capacidades de cada pessoa em vez lhe introduzir conhecimentos: «Educar vem do latim, educo, levar para fora, fazer saír, criar que, por sua vez, originou, ainda no latim, educare, criar, nutrir, amamentar. Aquilo que se faz no ensino é "inducar", induco, trazer para dentro, e isso é o oposto de educar.»
É fácil perceber que também lhe devo o meu interesse pela etimologia.

Durante alguns anos, ainda o fui visitar ao Externato Luís de Camões mas depois reformou-se e perdi-lhe o rasto. A última vez que o vi foi há quase vinte anos, era recém licenciada. Disse-me, nessa ocasião, que desejava voltar para a sua aldeia. Não sei se voltou, se retomou esse convívio telúrico com as ovelhas e as pedras que tanto amava. Também não sei se ainda vive. Ouvi dizer que não. Mais alguém a quem não terei a oportunidade de dizer, de viva voz, obrigada.
Muito e muito obrigada, Setôr Lino Lopes!


A Setôra Susana

8 comentários:

Professor disse...

Quanto o seu professor Lino Lopes me recorda o meu professor José Dias! Da Escola 33 de Lisboa, no primeiro andar da esquadra de polícia do Campo Grande, no gaveto da Travessa Aboim Ascensão, ao fundo do Jardim. Muito do que sou hoje a ele o devo. Sei que o meu professor concretizou a ideia de voltar ao campo. Era de Figueiró dos Vinhos e a MC não imagina a alegria que tive quando, muitos anos depois de sair da escola, o encontrei e tomei café com ele na Pastelaria Estrelas de Tomar, em Tomar e nem sei quanto tempo estive à conversa. Eu já era também professor e o meu ideal continuava a ser aquele homem simples. Depois nunca mais o vi. Nessa altura, por razões da "Fortuna", tinha pedido a exoneração e era caixeiro viajante. Mais tarde voltei ao ensino até que me reformei e virei blogueiro mas muito preguiçoso! Abraço amigo e obrigado pela visita. O cartoon é espanhol, apanhei-o na NET e limitei-me a adaptar a legenda ao português.

Luis Neves disse...

Porque gosto muito desta música, porque veio hoje cantar ao coliseu e eu não fui, e gostava de ter ido,
mando-te a canção wise up, da grande Aimee Mann
http://www.youtube.com/watch?v=A_9EpBL5Txc
Não tem nada a ver com o teu texto, mas apeteceu-me,
:) Luis

Paulo disse...

"(...)convívio telúrico com as ovelhas e as pedras que tanto amava.(...)
Há sempre alguém ou alguma coisa que forja a nossa personalidade...

Até sempre

Paulo Sempre

MCA disse...

Obrigada, Liliana. O blogue não merece tal prémio mas o meu querido Jacinto merece todos os prémios. A ele o entrego.

Anónimo disse...

Sobre o Dr. Lino Lopes já escrevi algumas coisas em "A setôra Susana". Mas é pouco, é sempre pouco o que se escre, quando o que temos para dizer não se contém em palavras, ou, ao menos, quando, como a mim, as palavras saem sempre curtas e mancas, por não ter talento para mais.
O Dr. Lino Lopes que recordas é, exactamente, aquele que também guardo, como se, não podendo agradecer-lhe, o retivesse mais um pouco para enganar a saudade.
Poucas pessoas poderiam ter sido tão marcantes como ele soube ser. Na verdade, poucas pessoas têm tanto como ele tinha para legar. Só lamento, e nunca lamentarei o suficiente!, aquilo que não soube escutar, não soube compreender, não soube perguntar, porque era jovem demais ou porque, simplesmente, não tive a inteligência de perceber que as pessoas que realmente contam partem sempre de madrugada.

MCA disse...

Luis Neves, obrigada. Peço desculpa pela demora da resposta. Só hoje tive tempo de ver o video.

MC disse...

E a internet tem destas coisas: o reencontro com pessoas e memórias do passado..
Não fui aluna do Dr. Lino Lopes, mas ele foi meu Mestre! Dava-me conselhos, sugeria-me orientações, incentiva-me a prosseguir quando eu vacilava e me sentia insegura e "pequenina".
Fiquei emocionada por ter encontrado estes testemunhos, também o anterior, o da Drª Susana, que conheci bem.

Não fui sua professora, porque não "calhou"... Mas lembro-me bem dos seus irmãos.
Um abraço e muitos parabéns pelos seus excelentes blogues!

M Celeste

MCA disse...

Prof.ª Celeste, realmente não foi minha professora mas eu lembro-me bem de si. Obrigada por ter comentado. Vou visitar o seu blogue.