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31 março 2020

Pesadelo

Esta noite tive um pesadelo.
Um vírus desconhecido tinha invadido o planeta e contaminado toda a Humanidade. Começado num país asiático, tinha-se propagado insidiosamente como uma mancha de óleo por vários países tornando-se rapidamente incontrolável. Era um vírus muito estranho, aparentemente inofensivo mas tão contagioso que qualquer pessoa que o apanhasse rapidamente o propagava por todos aqueles com quem contactasse. O vírus tinha outra característica especialmente tenebrosa: os jovens saudáveis mal notavam os seus efeitos mas os velhos e doentes adoeciam gravemente e morriam.

O pior do pesadelo era o medo que se entranhava nas pessoas. Não era um medo comum, não era o medo normal de uma doença. A maioria das pessoas não tinha medo de ficar doente. O pior deste vírus era causar um medo diferente e terrível: as pessoas tinham medo de matar os próprios pais.
Por causa deste medo, centenas de milhões de pessoas em todo o mundo fecharam-se em casa. Algumas das grandes cidades do mundo tornaram-se cidades-fantasma. Paris, Roma, Madrid, Lisboa, as avenidas, as praças monumentais, os grandes edifícios, os jardins estavam totalmente vazios como gigantes cenografias de um filme antigo.

No meu pesadelo ouvi um governante de um país rico e desenvolvido dizer que o seu Governo não iria cuidar dos velhos porque não valia a pena gastar dinheiro com quem já não era produtivo e útil à economia e, de qualquer maneira, iria morrer em breve. Ouvi-o dizer que era melhor deixar o vírus circular na população, deixando os jovens e saudáveis ganharem imunidade enquanto os velhos e doentes morriam. Também o ouvi falar com desdém dos povos de países menos ricos e da forma como as pessoas desses países se afeiçoavam aos seus familiares, da forma como netos e avós se amavam, acarinhavam e protegiam mutuamente e como todos pareciam precisar uns dos outros e sentirem-se felizes por isso.

Neste pesadelo também vi médicos, enfermeiros, auxiliares de saúde completamente esgotados, a trabalharem vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, sem irem a casa, sem dormirem, para salvar todas as vidas que pudessem e também vi a sua alegria sempre que puderam enviar um doente para casa por se encontrar curado.

O pesadelo não acabou, acordei sem lhe ver o desfecho. Pode ser que, um dia destes, volte a sonhar e já não seja um pesadelo.

1 comentário:

maria rei disse...

Belo texto.O pesadelo é real;até quando o isolamento físico? Ficam as palavras que exprimem a perplexidade do momento.