Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

21 fevereiro 2008

Samurai


Pormenor de um cartão de visita da meio-soprano Emma Leonardi (Novembro de 1890).

14 fevereiro 2008

Biblioteca adormecida

Momentos

Nada contra os carteiros...

Vi no Entre Estantes. Fui confirmar. Não que eu não acredite no Bruno. Não acreditei foi nos meus olhos.
Mas é verdade. Eu vi bem. Na página de pesquisa de ofertas de emprego do IEFP, uma das opções é "Empregados de biblioteca, carteiros e trabalhadores similares".




E eu perguntei-me: o que serão os trabalhadores similares?!?... Eis a resposta, na opção "Ajuda" do mesmo site:

«Os empregados de biblioteca, carteiros e trabalhadores similares asseguram serviços de biblioteca; classificam e organizam espécies bibliográficas; separam e distribuem cartas, encomendas e outros tipos de correspondêcia; codificam informações; corrigem provas tipográficas; coordenam outros trabalhadores.
«As profissões deste sub-grupo estão classificadas nos seguintes grupos base:
«4.1.4.1 - Empregados de biblioteca e classificadores arquivistas
«4.1.4.2 - Carteiros e trabalhadores similares
«4.1.4.3 - Codificadores, revisores de provas e similares»


Vivendo e aprendendo!
Isto explica porque é que eu nunca recebi o aviso para ir levantar o reembolso do IRS: o endereço não trazia CDU...

13 fevereiro 2008

Gestão por objectivos

Lembrei-me desta anedota (que circulava pelo correio electrónico há uns tempos) por causa do «Inquérito às percepções sobre a aplicação do SIADAP»* a que todos os funcionários públicos são obrigados a responder durante esta semana.

Era uma vez uma aldeia onde viviam dois homens que tinham o mesmo nome: Joaquim Gonçalves. Um era sacerdote e o outro taxista. Quis o destino que morressem no mesmo dia.
Quando chegaram ao céu, São Pedro esperava-os.
- O teu nome ?
- Joaquim Gonçalves.
- És o sacerdote ?
- Não, sou o taxista.
São Pedro consulta as suas notas e diz:
- Bom, ganhaste o paraíso. Levas esta túnica com fios de ouro e este ceptro de platina com incrustações de rubis. Podes entrar.
- O teu nome ?
- Joaquim Gonçalves.
- És o sacerdote ?
- Sim, sou eu mesmo.
- Muito bem, meu filho, ganhaste o paraíso. Levas esta bata de linho e este ceptro de ferro.
O sacerdote diz:
- Desculpe, mas deve haver engano. Eu sou o Joaquim Gonçalves, o sacerdote!
- Sim, meu filho, ganhaste o paraíso. Levas esta bata de linho e...
- Não pode ser! Eu conheço o outro senhor. Era taxista, vivia na minha aldeia e era um desastre! Subia os passeios, batia com o carro todos os dias, conduzia pessimamente e assustava as pessoas. Nunca mudou, apesar das multas e repreensões policiais. E quanto a mim, passei 75 anos pregando todos os domingos na paróquia. Como é que ele recebe a túnica com fios de ouro e eu.....isto ?
- Não é nenhum engano - diz São Pedro. Aqui no céu, estamos a fazer uma gestão mais profissional, como a que vocês fazem lá na Terra.
- Não entendo!
- Eu explico. Agora orientamo-nos por objectivos. É assim: durante os últimos anos, de cada vez que tu pregavas, as pessoas dormiam. E de cada vez que ele conduzia o táxi, as pessoas começavam a rezar. Resultados! Percebeste? Gestão por Objectivos!


* SIADAP - Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública

11 fevereiro 2008

O que é a Sociedade da Informação?

O visitante PJA aqui da biblioteca de Jacinto colocou uma questão na caixa de comentários à qual eu não posso deixar de responder com um destaque maior do que uma resposta na mesma caixa.
Pergunta o PJA «O que é a Sociedade da Informação?»
Confesso que não estava à espera dessa pergunta, talvez porque toda a gente fala em Sociedade da Informação mas raramente alguém pergunta o que é. Não fui eu que falei em Sociedade da Informação e era improvável que o fizesse porque não gosto da expressão e não gosto porque tresanda a chavão e eu detesto chavões.

Mas voltando à pergunta. A maneira mais fácil de responder (desculpa, mas é mesmo mais fácil) é transcrevendo a definição que está no Livro Verde para a Sociedade da Informação, publicado em 1997.
Tenho, no entanto, de fazer uma advertência. O Livro Verde para a Sociedade da Informação é um documento político (no sentido amplo do termo). A visão que decorre do texto que a seguir transcrevo na íntegra é a visão padronizada, política (e politicamente correcta?) daquilo a que se convencionou chamar Sociedade da Informação.
Não é a minha visão nem reproduz a minha opinião. Essa poderá vir depois. Para já fica apenas a definição, a seco.

«A Sociedade da Informação constitui um desafio que tem de ser enfrentado com determinação de modo a adequar o país às profundas mudanças daí resultantes. As manifestações da "Sociedade da Informação" rodeiam o nosso quotidiano, afectam o comportamento das organizações e influenciam o pensamento estratégico das Nações.

«Mas o que significa, afinal, essa expressão "Sociedade da Informação"? Por que razão as empresas alteram o seu rumo e as Nações têm necessidade de reflectir estrategicamente em função deste novo estádio da sociedade? Como será possível retirar o máximo proveito da revolução da informação em curso? Será que estamos em condições de também poder beneficiar desta nova forma de organização da sociedade? Haverá barreiras a transpor e estará ao nosso alcance a vontade e a energia para as vencer? Será que o espaço geopolítico europeu em que nos inserimos tenderá a reforçar a sua coesão em função do desenvolvimento da Sociedade da Informação ou as forças subjacentes ao seu crescimento contribuirão para cavar um fosso maior
entre os países mais desenvolvidos e os que, como Portugal, procuram a convergência com os primeiros?


«A expressão "Sociedade da Informação" refere-se a um modo de desenvolvimento social e económico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais. A sociedade da informação corresponder, por conseguinte, a uma sociedade cujo funcionamento recorre crescentemente a redes digitais de informação. Esta alteração do domínio da actividade económica e dos factores determinantes do bem-estar social é resultante do desenvolvimento das novas tecnologias da informação, do audiovisual e das comunicações, com as suas importantes ramificações e impactos no trabalho, na educação, na ciência, na saúde, no lazer, nos transportes e no ambiente, entre outras.

«Uma das abordagens mais correntes considera que a transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial é uma mudança ainda mais radical do que foi a passagem da sociedade pré-industrial para a sociedade industrial. Em particular, prevê-se que, na sociedade pós-industrial, não serão nem a energia nem a força muscular que liderarão a evolução, mas sim o domínio da informação. Nesta óptica, os sistemas da sociedade, humanos ou organizacionais, são basicamente pensados como "sistemas de informação".

«As tecnologias da informação e das comunicações são já parte integrante do nosso quotidiano. Invadiram as nossas casas, locais de trabalho e de lazer. Oferecem instrumentos úteis para as comunicações pessoais e de trabalho, para o processamento de textos e de informação sistematizada, para acesso a bases de dados e à informação distribuída nas redes electrónicas digitais, para além de se encontrarem integradas em numerosos equipamentos do dia a dia, em casa, no escritório, na fábrica, nos transportes, na educação e na saúde. A sociedade da informação não pertence a um futuro distante. Assume uma importância crescente na vida colectiva actual e introduz uma nova dimensão no modelo das sociedades modernas.
Os computadores fazem parte da nossa vida individual e colectiva e a Internet e o multimédia estão a tornar-se omnipresentes. Contudo, tal como a rádio não substitui os espectáculos ao vivo, a televisão não faz as vezes da rádio, o cinema não fez desaparecer o teatro, estes novos meios também não irão substituir os livros e outros meios tradicionais, mas simplesmente acrescentar as suas capacidades adicionais ao leque das opções disponíveis.
«Há, também, a percepção de um fenómeno de turbulência provocado pela sucessiva introdução de novas tecnologias. O tempo individual e colectivo é acelerado, impondo reajustamentos de valores e de comportamentos, devido à obsolescência de anteriores paradigmas elaborados sobre uma base tecnológica diferente. O atraso ou a recusa desses ajustamentos, algo natural em resultado da inércia social, corresponderão a um menor crescimento económico e a um decréscimo do bem-estar.

«Os responsáveis políticos têm, neste momento, plena consciência de que o futuro das Nações será condicionado pela forma como as novas tecnologias de informação e de comunicação forem assimiladas e do êxito e da rapidez dessa absorção. Neste contexto, é fundamental o desenvolvimento da reflexão estratégica, por forma a aproveitarem-se as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias e de modo a se transporem as barreiras a esse aproveitamento.
«A consciência dos desafios e das oportunidades da sociedade da informação tem vindo a ganhar ímpeto e peso na sociedade portuguesa. Contudo, são ainda muito numerosas e importantes as tarefas que faltam realizar para que o país possa ocupar um lugar de vanguarda na nova sociedade global, baseada na informação e no conhecimento, em que um dos suportes é a interconexão por redes electrónicas digitais à escala mundial. Um dos principais desafios consiste em acompanhar os nossos parceiros da União Europeia, assim como as restantes economias mais desenvolvidas do mundo, na transferência dos benefícios da sociedade da informação para os cidadãos. Em consequência, teremos de centrar os nossos esforços na implantação efectiva
de todos os aspectos da Sociedade da Informação que possam contribuir para o nosso desenvolvimento e para a redução das disparidades em relação aos países com que competimos na economia global.

«Um factor determinante para o êxito destas transformações é a sua activa aceitação social. É essencial criar condições equitativas de acesso aos benefícios que esta gera e combater simultaneamente os factores que conduzem a novas formas de exclusão do conhecimento, a info-exclusão. É indispensável fomentar o reforço da coesão social e da diversidade cultural, a igualização de condições em espaços regionais diversificados, incentivar a participação dos cidadãos na vida da comunidade e oferecer um Estado mais aberto e dialogante na identificação dos problemas e das soluções de interesse público. Haverá ainda que criar oportunidades de emprego e contribuir para as alterações na organização das empresas de modo a que se tornem mais eficientes e competitivas num mercado alargado.

«A Europa já iniciou o seu caminho para a Sociedade da Informação. O sinal de partida foi dado pelo relatório da Comissão Europeia, aquando da presidência de Jacques Delors, através do Livro Branco sobre "Crescimento, Competitividade, Emprego - Os Desafios e as Pistas para Entrar no Século XXI". Este documento, publicado em Dezembro de 1993 na sua versão original, dedica toda uma secção à sociedade da informação. Afirma-se ali que "A Europa dispõe do know-how e da experiência indispensáveis para a implementação de um espaço comum da informação. Contudo, importa ainda mobilizar estas potencialidades num esforço comum e criar um
enquadramento político que permita pôr em prática, o mais brevemente possível, as acções necessárias".
«Perante as potencialidades do sector da informação para a criação de emprego sustentável, para a transformação das organizações no sentido de um aumento da sua produtividade, para a melhoria da qualidade de vida das populações e ainda para a coesão económica e social, é evidente a necessidade de não se perder tempo na adaptação da sociedade portuguesa às novas oportunidades emergentes.

«A Sociedade da Informação desenvolveu-se no quadro de economias de mercado. Às instituições públicas tem cabido fundamentalmente um papel regulamentador para evitar desequilíbrios e injustiças que possam decorrer do funcionamento livre das forças de mercado, assim como um papel dinamizador indispensável. A emergência da sociedade da informação tem tanto de imprevisível como de riqueza em oportunidades para os cidadãos, para as empresas e para as Nações, que se saibam apetrechar de forma a não deixarem escapar os benefícios decorrentes.
«Com o advento da revolução digital e da concorrência à escala global, muitas empresas começaram a explorar as novas oportunidades de mercado, desenvolvendo áreas de negócio até então inexistentes. O crescimento do mercado das comunicações móveis, a explosão da Internet, a emergência do comércio electrónico, o desenvolvimento da indústria de conteúdos em ambiente multimédia, a confluência dos sectores das telecomunicações, dos computadores e do audiovisual, demonstram o enorme potencial das tecnologias de informação para gerar novas oportunidades de emprego, estimular o investimento e o desenvolvimento acelerado de novos sectores da economia.

«O desenvolvimento desta Sociedade requer alterações significativas capazes de ultrapassarem resistências à mudança e um certo grau de inércia organizativa, ainda visíveis na Administração Pública e nas empresas.
Estas transformações são ainda mais complexas num contexto de restrições orçamentais e de combate ao desemprego. A constatação destas dificuldades suplementares deverá servir, no entanto, para estimular o engenho, de modo a que se encontrem soluções dentro dos recursos orçamentais disponíveis para a melhoria da estrutura organizativa aliviando o peso da burocracia no Estado e nas empresas. Criam-se assim condições de aumento da eficiência na oferta de serviços ao cidadão, de melhoria da qualidade do ensino e da prestação dos serviços de saúde, de acesso à cultura e ao conhecimento, e contribui-se para o crescimento da produtividade e da competitividade das empresas nacionais e para a melhoria geral da qualidade de vida dos cidadãos.

«Importa referir as implicações jurídicas da sociedade da informação e mais concretamente a necessidade de serem acautelados, pela via legislativa, os problemas que podem decorrer do recurso às novas tecnologias de informação e das comunicações, designadamente a protecção dos dados pessoais, a segurança jurídica das bases de dados, a protecção da propriedade intelectual, o combate à violação dos direitos humanos e aos atentados contra menores.

«Este Livro Verde pretende ser uma reflexão estratégica para a definição de um caminho de implantação da Sociedade da Informação em Portugal, numa perspectiva transversal, centrada nas suas manifestações nos múltiplos domínios da vida colectiva e da organização do Estado, e subordinada a preocupações de estímulo à criatividade, à inovação, à capacidade de realização, ao equilíbrio social, à democraticidade de acesso, à protecção dos carenciados e dos que apresentam deficiências físicas ou mentais.
«As orientações e as medidas propostas neste Livro Verde correspondem a opções da política do Governo, não se encontrando, contudo, necessariamente detalhadas e orçamentadas, por tal estar fora do âmbito desta reflexão estratégica. Prosseguir as medidas enunciadas, após a sua aprovação pelos Órgãos de Soberania competentes, constituirá um objectivo para a presente Legislatura.»

(Livro Verde para a Sociedade da Informação)

08 fevereiro 2008

Empréstimo ou aluguer (6)

Vou retomar aqui um tema que interrompi há alguns meses. Este e os próximos posts foram escritos ao longo destes meses mas fui sempre adiando a sua publicação.

Insisto em olhar sempre as várias facetas de uma questão.
Defendo intransigentemente o acesso livre à informação e à cultura.
Defendo, naturalmente, que o Estado deve proporcionar igualitariamente todos os meios para esse acesso e que esses meios devem ser, obviamente, financiados pelo erário público ou seja, por todos nós que pagamos impostos.
Não defendo, contudo, que o acesso à cultura - como à saúde, à instrução ou a qualquer outro direito - deva ser proporcionado a todos lesando direitos fundamentais de alguns.
Pretender que as bibliotecas públicas - logo, o Estado - proporcionem o empréstimo gratuito à custa dos direitos de autor é «serrar presunto em casa dos outros». Muito fácil e muito desonesto.

Não, queridos visitantes deste sanctus sanctorum da liberdade que é a biblioteca de Jacinto Galeão! Não me passei para o outro lado da barricada. Leiam até ao fim, se tiverem paciência.

É um facto consumado que o comodato (vulgo empréstimo) público vai ser taxado. A vizinha Espanha já mudou a lei (Ley 10/2007, de 22 de Junio). A Itália, se não mudou, vai mudar. A Irlanda, idem. E nós vamos também. Vamos todos, quais carneirinhos obedientes, baixar a cabecinha e enfiar-nos no redil europeu. Claro, os utilizadores das bibliotecas não vão pagar pelo empréstimo, era o que mais faltava. O empréstimo vai ser pago pelo orçamento das bibliotecas ou pela administração central do estado.
Não há volta a dar. O lobby das editoras, dos livreiros e das discográficas, que já conseguiu pôr-nos a pagar taxas pelas cassetes virgens, pelos CD graváveis, pelos equipamentos de reprodução (mesmo quando todos estes sejam usados para gravarmos e filmarmos a nós mesmos e aos nossos amigos), vai conseguir, agora, pôr-nos - através do orçamento das câmaras ou do Ministério da Cultura - a pagar taxas também pelo empréstimo nas bibliotecas.
Tudo para não lesar os bolsos dos autores! Dizem eles...

Mas será que é mesmo? Vejamos.

A defesa do empréstimo pago assenta em algumas premissas que, a serem verdadeiras, justificariam a pretensão.

Todos os leitores de livros são compradores de livros.

Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.

De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.

O mais importante para um autor é vender os seus livros.

Não sei se haverá alguém que consiga ler estas premissas sem se aperceber do profundo ridículo que lhes subjaz. Pelo menos alguém de boa fé, de espírito aberto, alguém que não tenha interesse pessoal no assunto.
Eu não tenho. Graças a Deus, nunca deixei de ler um livro por não ter dinheiro para o comprar. Eu não preciso das bibliotecas públicas para ler o que quero. Se eu quero ler um livro, compro-o. Tal como faço se quero ouvir um disco ou ver um filme. Eu não tenho qualquer interesse pessoal no empréstimo gratuito. Também não trabalho numa biblioteca que faça empréstimo pelo que não tenho, sequer, uma posição a defender, uma política a justificar.

Eu limito-me a pensar. E a usar o bom senso que é uma coisa que falta cada vez mais por aí.

Vejamos a primeira premissa:

1ª Todos os leitores de livros são compradores de livros.

ERRADO. Todos os leitores de livros são potenciais compradores de livros. Isso significa que os leitores podem ou não comprar os livros que lêem; que os leitores podem só comprar livros que ainda não leram; ou até que os leitores podem só comprar livros que já leram. O comprador de livros pode nunca pôr os pés na biblioteca e, mesmo que o faça, se é um habitual comprador de livros, não irá deixar de os comprar por causa da biblioteca. Pelo contrário, um leitor que não é comprador de livros pode tornar-se, por causa da biblioteca: porque leu, porque adquiriu hábitos de leitura, porque quer levar para casa os livros que de que gostou e que conheceu, precisamente, na biblioteca.

2ª Por cada livro emprestado na biblioteca há um livro que fica por vender na livraria.

ERRADO. Se o habitual comprador de livros não vai deixar de comprar por causa da biblioteca e o leitor que não costuma comprar pode passar a fazê-lo é óbvio que, por cada livro emprestado na biblioteca, há um livro na livraria que ganha hipóteses de vir a ser comprado.

3ª De cada vez que alguém lê um livro sem pagar por isso está a explorar o trabalho do autor.

ERRADO. Errado pelo que já ficou dito em relação às duas premissas anteriores. E errado porque isso equivale a comparar o trabalho criador ao trabalho numa fábrica. O trabalho de um autor - seja ele artístico ou científico - tem muito mais implicações e consequências que se estendem muito para além das cem, duzentas ou mil folhas de papel de um livro ou dos poucos gramas de plástico de um CD. As suas consequências a curto e longo prazo são imprevisíveis e o impacto que podem ter no seu público não são mensuráveis mediante qualquer fórmula matemática. Um livro pode mudar para sempre a vida de uma pessoa. Como é que se contabiliza isto?

4ª O mais importante para um autor é vender os seus livros.

ERRADO. ERRADÍSSIMO! Talvez a maior mentira no meio disto tudo, exactamente porque é em nome dos autores que os defensores do empréstimo pago falam. É em nome dessa ideia de «vender livros». O mais importante para um autor é que a sua obra seja conhecida e apreciada. Isso é o mais importante. Tudo o resto vem por acréscimo.

06 fevereiro 2008

Padre António Vieira

Lisboa, 6 de Fevereiro de 1608 - Baía, 18 de Julho de 1697

Se fosse espanhol, francês ou inglês seria considerado um dos maiores vultos mundiais do seu tempo...

31 janeiro 2008

Carnaval

Este ano, toda a gente sabe, o Carnaval é muito cedo. Mais concretamente, a 5 de Fevereiro. Se repararem, todas as festas móveis (Carnaval, Páscoa e Corpo de Deus) são religiosas. O Carnaval não é uma festa cristã, propriamente dita, mas é uma festa pagã. Não é profana. Na verdade, tanto o Carnaval como o Corpo de Deus são calculados a partir do Domingo de Páscoa. Por sua vez, o Domingo de Páscoa calcula-se pela Lua: é o primeiro Domingo depois da primeira Lua cheia depois do equinócio da Primavera.

Em 2008, o equinócio da Primavera é a uma quinta-feira, 20 de Março. Dia 21 é Lua cheia. Logo, o Domingo a seguir, 23 de Março, é Domingo de Páscoa.

Desde 1900, nunca houve um Domingo de Páscoa mais cedo que 23 de Março. Só houve outro Domingo de Páscoa a 23 de Março em 1913. Nesse ano o Carnaval foi a 4 de Fevereiro - e não a 5 - porque era ano comum. Quanto a este século em que estamos, não vai voltar a ocorrer um Domingo de Páscoa a 23 de Março; nem sequer a 24. Vai apenas haver um Domingo de Páscoa a 25 de Março de 2035, se o mundo não acabar antes disso.

O Carnaval é o último dia antes do início da Quaresma a qual é um período de 40 dias que antecede a semana da Páscoa ou Semana Santa.
Quaresma vem do latim quadragesima e evoca os 40 anos que o povo judeu passou no deserto (depois da saída do Egipto) até chegar à Terra Prometida e os 40 dias de isolamento que Jesus cumpriu (também no deserto) antes de ir para Jerusalém entregar-se ao seu destino. Normalmente, diz-se que estes 40 dias da Quaresma são entre o Carnaval e a Páscoa mas basta contar os dias para verificar que não é assim. Começando a contar na Quarta-Feira de Cinzas (o dia a seguir ao Carnaval) o 40º dia vai caír no Domingo de Ramos (Domingo anterior à Páscoa), data em que os cristãos celebram a entrada de Jesus em Jerusalém. Este Domingo é chamado "de Ramos" porque os Evangelhos relatam que esta entrada se fez no meio de uma recepção apoteótica em que o povo atapetou o chão com ramos de palma.

Quanto ao Corpo de Deus, vem tão longe da Páscoa, normalmente por altura dos Santos Populares e do 10 de Junho, que ninguém se lembra de o relacionar com esta celebração. Mas também é calculado a partir da Páscoa, mais exactamente, 60 dias depois. Este ano, naturalmente, também irá ser mais cedo, a 22 de Maio, o que não deixa de ter a sua vantagem. Não temos aqueles feriados coladinhos em Junho, que permitem a muitas pessoas irem para fora durante uma semana gastando apenas dois dias de férias, mas permitem fazer uma escapadela de fim-de-semana em Maio.

30 janeiro 2008

Ghandi


(2 Out. 1869 - 30 Jan. 1948)

«Earth provides enough to satisfy every man's need but not for every man's greed»

25 janeiro 2008

Gerações

Este texto foi publicado por mim em Dezembro 2003, no blogue Bibliotecários sem Fronteiras.

Passados mais de quatro anos, depois do vendaval que têm sido as reformas de ensino "à bolonhesa" está mais actual ainda do que na altura em que o escrevi. Por isso, partilho-o de novo, com os visitantes da Biblioteca de Jacinto.

«Nos últimos tempos têm-se reformado várias bibliotecárias com quem aprendi muito do que sei. Senhoras da antiga geração que fizeram o curso no tempo em que disciplinas como o latim, a paleografia e a numismática eram consideradas essenciais. Pouco percebem de computadores e não têm hábitos de pesquisa na net. Vêm de tempos em que ser bibliotecário era sinónimo de ser culto, até erudito.

«Hoje não está na moda ser culto. Eu diria que parece mal. Falo contra a minha própria geração, claro, uma geração inculta na qual me incluo e cujos defeitos assumo. Uma geração que ainda foi a tempo de correr para se agarrar à última carruagem do combóio da tecnologia e saltar lá para dentro. Uma geração que acabou a licenciatura no tempo do DOS, que ainda passou os trabalhos da faculdade à máquina mas que teve a sorte de ser ainda suficientemente jovem para se adaptar a uma maquineta com que os miúdos de agora crescem em casa.

«Da geração a seguir à minha nem falo. O mundo deles é outro. Não sei como seria se tivesse a idade deles, provavelmente seria igual. Não cresci bombardeada com vinte e quatro horas diárias de televisão. No meu tempo havia a tele-escola durante a tarde, a partir das seis os desenhos animados e era uma festa conseguir ficar acordada para ainda ver a bandeira e ouvir o hino nacional quando a televisão pública (a única que havia) encerrava a emissão, por volta da meia-noite.
«Não havia macdonalds, as pizzas eram comida exótica e só conhecíamos o jogo da glória e a batalha naval.

«Não sou saudosista, mesmo nada. Gosto da época em que vivo, gosto de ter antibióticos, analgésicos e contraceptivos, gosto de ter telemóvel e carro, gosto de ter a Rússia, o Brasil e a Austrália à distância de um “clic”. Adoro a Internet e sinto-me absolutamente privilegiada por ter todas as facilidades com que os meus pais nunca sonharam sequer. Mas tenho pena que a minha geração, que ainda conheceu algumas das coisas boas que hoje se perderam, esteja completamente deslumbrada com este admirável mundo novo de reality shows, computadores e comida rápida, como se antes disto tivéssemos vivido na “Idade das Trevas”.

«A minha geração de bibliotecários e arquivistas vive deslumbrada com a tecnologia. Pesquisou nos catálogos manuais, roeu com os dedos as fichinhas de cartão nas gavetas da Biblioteca Nacional, tirou apontamentos até lhe doer a mão.
«Hoje prepara sofisticados instrumentos de pesquisa para os investigadores de hoje e do futuro. Que lindo!
«Acho bem. O que eu não acho mesmo nada bem é que tenham feito tábua rasa de tudo o que estava para trás e esqueçam que o conteúdo dos catálogos não é gerado pelos computadores tal como o leite não é produzido pelos pacotes “Tetra Pak”.

«Voltando às bibliotecárias reformadas.
«Estas senhoras levam com elas, para o sossego dos seus lares, para o afago dos seus netos, um conhecimento que já ninguém tem. Levam-no porque não têm a quem o deixar. Ninguém quer saber. A minha geração é superior a isso. Saber identificar um fragmento de um manuscrito? Não interessa para nada! Saber reconhecer um incunábulo escondido numa encadernação? Para quê?!? Conhecer a liturgia própria do tempo de Pentecostes? Isso só interessa aos padres!!!

«O que queremos é perceber de programação, de digitalização, os códigos todos, os campos e os sub-campos, o hipertexto, os protocolos de troca de dados, o XML ou o que vier depois.

«São semelhantes a um cozinheiro que se dedicasse a conhecer profundamente a tecnologia dos microondas, dos fornos eléctricos, das placas de indução, das batedeiras e dos frigoríficos no frost mas não soubesse cozinhar. Tem de saber usá-los? Claro. O conhecimento culinário é essencial para o desenvolvimento destas tecnologias? Sem dúvida. Estas tecnologias contribuem para o desenvolvimento da arte e da técnica culinária? Com certeza.
«Mas o cozinheiro tem de saber cozinhar, seja num microondas, seja num forno a lenha. O seu saber específico é a culinária, não é a tecnologia de microondas.

«Actualmente não conheço qualquer curso de Ciências Documentais em Portugal que ensine a catalogar um impresso do século 17. Há jovens bibliotecários que não sabem o que é um incunábulo, não querem saber e têm raiva de quem sabe. Latim, então, nem vê-lo. O grecus est non legitur dos escolásticos aplica-se perfeitamente aos actuais especialistas da informação, só que agora o que não se lê é o latim. Quanto à paleografia, existe em um ou dois cursos e está reservada aos que seguem arquivo como se os bibliotecários não precisassem desse conhecimento. História do Livro existe nos cursos mais antigos, é uma disciplina semestral, passada a correr, os nomes dos impressores e os locais onde se desenvolveu a tipografia percorridos como numa ladaínha, sem contexto, sem aplicação, como se fosse uma disciplina do passado que é preciso ter porque não se pode reformar o professor à pressa, coitado.

«Poderia alguém menos prevenido sugerir que, enfim, talvez já estivesse tudo inventariado, já estivesse tudo feito, já estivesse tudo estudado… mas não. Está TUDO por fazer! Há milhares e milhares de impressos antigos, códices e documentos arrumados para um canto em bibliotecas e arquivos e ninguém lhes toca porque ninguém sabe o que fazer com eles. São dois e não um os conhecimentos que se perdem: o conhecimento de como tratar esses documentos e o conhecimento que esses documentos contêm.

«O conhecimento necessário para tratar esses documentos está na mente, na cultura, na memória dessas senhoras que agora o levam consigo. São conhecimentos que se transmitem bouche-oreille, no paciente trabalho do dia a dia, no contacto com as espécies, no seu manuseamento, na consulta das obras de referência. Quanto conhecimento que não passa!
«Quem quer aprendê-lo na voragem destes dias tecnológicos?
«Quem o vai recuperar?
«À porta de quem vamos bater agora, quando não soubermos identificar o fragmento manuscrito?
«Quem vai responder, depois de uma breve e atenta observação: «Hum… isto é do Santoral. Esta frase aqui pertence à Antífona da Degolação de São João Baptista só que não tem o início. Veja no Liber Usualis, em Da mihi in disco… para confirmar».
«Quem vai continuar estes conhecimentos?

«Boas e queridas "bibliotecárias de cabelo apanhado e óculos na ponta do nariz": perdoem-nos!»

(17 Dezembro 2003)

23 janeiro 2008

É um blogue muito bom, sim senhora!

A biblioteca de Jacinto foi amável e imerecidamente galardoada com o prémio "É um blogue muito bom, sim senhora!"


pelo blogue amigo Confidências. Parece que o objectivo deste "prémio" é promover a amizade e interacção na blogosfera.

Manda etiqueta bloguística que o galardoado nomeie cinco blogues para este «galardão». Obviamente que, entre os nomeados não pode estar o que nos nomeou. É mais ou menos como aquela brincadeira que tínhamos na primária do «passa a outro e não ao mesmo» mas sem a estalada.

Escolher cinco blogues é difícil porque há mais do que cinco blogues que visito regularmente, porque nem sempre um blogue de que eu gosto por uma razão particular é um blogue de interesse generalizado e porque estas coisas são sempre complicadas.

Assumindo, assim, que tenho de escolher, no máximo, cinco blogues, vou seleccionar, sectariamente q.b., dois blogues de bibliotecários, dois blogues generalistas e um blogue especializado.

Aqui vai, sem ordem de preferência:

O Bibliotecário Anarquista, de Adalberto Barreto.
O Papalagui, de Nuno Marçal.
Dias que Voam, de vários autores.
KØNTRÅSTËS, de João Ferreira Dias.
Indústrias Culturais, de Rogério Santos.

E pronto, agora, caros nomeados, passem a outro e não ao mesmo.

22 janeiro 2008

Ilustração Portuguesa

Acabo de descobrir, por mero acaso, este blogue absolutamente delicioso. Não tenho feito muitos posts sobre outros blogues mas fiquei tão contente de encontrar este que não podia mesmo deixar de o destacar.

A primeira lua cheia do ano

Fonte: California State University, Fresno

Sim, gosto mesmo muito da Lua...

11 janeiro 2008

Modernices de linguagem: Evidência

Evidência (do inglês evidence) em vez de prova ou indício. Desde quando é que todas as provas são evidentes e o que é evidente prova alguma coisa?

08 janeiro 2008

O milagre da Terra Santa

Já foi há bastantes anos que tive nas mãos um precioso exemplar do incunábulo Peregrinatio in Terram Sanctam de Bernardus de Breidenbach (Mainz: Erhard Reuwich, 1486). Na ocasião, uma certa gravura me chamou a atenção: uma mulher vestida de forma exótica cujo rosto me lembrava alguém.

Fonte: http://webdoc.sub.gwdg.de/ebook/q/2003/Karten/html/kat38_zoom.htm

Tratando-se de uma xilogravura, a qualidade do retrato não seria a melhor mas é quase certo que a senhora que serviu de modelo ao artista não seria muito diferente desta sua sósia do nosso tempo:






Uma dúvida permanece: seria uma sósia do Séc. 15 ou seria a própria Cher, nos seus tempos de juventude? É que uma peregrinação à Terra Santa faz milagres mas a cirurgia plástica também...