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15 novembro 2006

Livre

Tenho saudades da Universidade Livre. Não sei se era do ambiente intelectual, em pleno Chiado perto das Belas Artes, da Brasileira e do São Carlos. Ou se era da localização, num autêntico miradouro sobre o Tejo. Da sala de aula podíamos avistar o rio e a ponte, os cacilheiros a desenharem na água um trajecto de vai-vem e o sol a pôr-se detrás do Cristo-Rei.

Talvez fosse do edifício do Século XIX, do bar no sótão - onde passei mais tempo do que nas aulas - com os vigamentos à vista e as janelas em água-furtada. Não sei se era dos amigos que aí fiz e que mantenho preciosamente. Ou talvez fosse dos 17 anos e eu tenha saudades dos 17 anos... Era de tudo no conjunto.

Fico lamechas quando me lembro da Livre. Livre. Até o nome é bonito. Ao pé de Livre, nomes como independente, autónoma ou seja lá o que for soam patéticos. Livre! Não pode haver nome mais belo para uma instituição que se dedica ao ensino e à propagação do saber. O saber é uma fonte de liberdade e a liberdade é condição para o saber. Pertenço a uma geração marcada pela palavra Liberdade. Crescemos a ouvir falar de Liberdade. Ouvimo-la da boca de toda a gente. Uns empunhavam-na como um machado de guerra, outros deitavam as mãos à cabeça e gritavam "libertinagem" como se fosse um exorcismo. Foi usada e abusada por todos. E nós, com sete, oito, nove anos, ouvíamos e não percebíamos. Mas a palavra foi entrando por osmose. Para nós não é uma palavra vã. Soa, ecoa, reverbera. Independentemente da cor política, independentemente do que somos hoje, mais ou menos aburguesados, com casas, carros, telemóveis, computadores e "nets", crescemos a ouvir que a Liberdade é o maior dos valores, crescemos a acreditar que a Liberdade é condição para a escolha, logo para a responsabilidade, e que tudo aquilo que formos, de bom, mau ou nem por isso, só faz sentido se o formos em Liberdade.
Talvez por isso esta palavra me diga tanto. E talvez por tudo isto eu sinta tanta nostalgia quando passo hoje na Vítor Cordon e olho para a placa dourada - que ainda lá está - a dizer Universidade Livre.


(Este texto foi escrito por mim, há vários anos, em outro site. Transcrevo-o aqui por causa de um contacto, que recebi, de um velho amigo, colega da Livre, que já não via há anos)

4 comentários:

rps disse...

Andei na Livre, mas no do Porto. Doias anos, até desisitir e mudar de curso, o que implicou, também, mudar de universidade.

Uma ocasião, por motivos ligados à Associação de Estudantes, estive na de Lisboa. Vista fantástica, de facto. E ali no "meu" Chiado...

MCA disse...

Uma das melhores vistas de Lisboa. Mais tarde voltei ao Chiado para fazer um curso no Centro Nacional de Cultura. O Chiado ficará sempre ligado às minhas memórias afectivas.
Eu estive lá nos anos da "agonia": 1983 (ainda no IPU) e, na licenciatura, em 1984 e 1985. Depois, tive de mudar. Fui acabar o curso em outra universidade e é dessa outra que tenho o diploma.
Esteve lá em que ano?

rps disse...

Estive no IPU, na Rua da Alegria, em 81/82.

Depois, parei um anoe e, em 83/84 entrei em Matemámicas Aplicadas, ainda nas instalações que ficavam ao fundo da Constituição, numa rua de que não lembro o nome.

No ano seguinte, Matemáticas passou para um edifício novo, construído no terreno do IPU da Rua da Alegria.

MCA disse...

Se não estou em erro, a Universidade Livre do Porto ainda continuou a existir algum tempo depois da de Lisboa fechar. E o reitor era o mesmo.
Não percebo porque é que tão pouca gente assume ter andado na Livre. Uma simples pesquisa no Google confirma isto: dos milhares de licenciados da Livre apenas se encontram algumas dezenas, se chegar a tanto. Eu gostaria de reencontrar aqueles com quem perdi o contacto mas é difícil exactamente porque não se "denunciam"...