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09 janeiro 2007

As razões da escolha III

Os defensores do Sim no referendo ao aborto têm usado muitas vezes, como analogia, a luta de algumas décadas atrás pelo uso da pílula, ou seja, uma luta contra a prepotência masculina sobre a vida sexual e reprodutiva da mulher e pelo direito da mulher ao seu próprio corpo. Esta comparação não resiste a uma primeira análise. Por duas razões: primeira, porque o que está em causa não é o próprio corpo da mulher mas um outro corpo de um outro ser cujos direitos, se são discutíveis, não são ignoráveis; a segunda razão, ligada à anterior, é que os direitos sexuais e reprodutivos se exercem a montante, ao nível da contracepção. Isto não contradiz o que eu já disse num post anterior - que a contracepção tem problemas de eficácia, por razões de ordem social - na medida em que é certo que a mensagem dos "direitos reprodutivos" não colhe nestes casos: se uma mulher não usa um método contraceptivo porque não sabe ou não tem meios ou o companheiro não quer, ela não está, à partida, a exercer os seus direitos sexuais e reprodutivos, no momento em que estes devem ser exercidos.

As razões da escolha II
As razões da escolha I

4 comentários:

Orlando Braga disse...

Passamos já a uma sociedade post-feminista. O problema de alguma mulher portuguesa é que se atém ainda ao feminismo que noutros países está já desacreditado. Não precisamos de passar pela experiência social traumatizante do aborto como contraceptivo para entender o que os outros países hoje já perceberam.

Se eu for ter com um médico e disser: “O corpo é meu. Corte-me um braço.” Será legal o médico cortar-me o braço partindo do pressuposto que o corpo é meu? Já nem falo em princípios éticos. Será legal? No caso do aborto, é ainda pior, porque o corpo a “cortar” nem é o da mulher…

Sinceramente, gostaria que me explicassem porque se fecham maternidades, se reduzem os subsídios do Estado aos anti-concepcionais e querem simultaneamente abrir clínicas privadas de aborto, pagas com o dinheiro dos contribuintes. Não existe dinheiro para anticoncepcionais tendencialmente gratuitos e existe dinheiro do Estado para comparticipar abortos em clínicas privadas? Será que eu estou a ver mal, ou existe aqui qualquer coisa de estranho? Podiam, ao menos, disfarçar a coisa…

Na minha opinião, o caminho a seguir é só um: o apoio do Estado a quem tem filhos (mulher solteira ou casal); é o que estão a fazer os países que compreenderam o erro do aborto liberalizado.

Mesmo com a panóplia dos anticonceptivos que temos hoje, eles podem falhar. Raramente, mas falham. Cabe à sociedade apoiar claramente a mulher. Sendo a mulher jovem, a sociedade tem que criar alternativas funcionais de adopção, caso ela ache que ainda é muito jovem para assumir a responsabilidade de sustentar uma criança.

E não esquecer uma coisa muito importante: o homem machista (e marialva) é quem mais defende o aborto da mulher. Não tenham a mais pequena dúvida disso.

MCA disse...

Não deixa de ser uma observação interessante essa de o machismo ser, tendencialmente pró legalização. Da minha observação não posso tirar essa conclusão mas a atitude de «toma lá dinheiro para o aborto, livra-te do puto e não me chateies mais» é bem machista.

MCA disse...

Eu não diria que estamos numa fase pós-feminista. Apesar de eu não conhecer profundamente a história do feminismo (algum entendido poderá corrigir-me) penso que o feminismo atravessou duas fases e encontra-se neste momento na transição para uma terceira fase.
A primeira fase teria a ver com os direitos fundamentais de cidadania: o voto, a propriedade, etc. Foi importante e muito benéfico. A segunda foi um efeito perverso da primeira: foi o feminismo anti-feminino. A ridícula queima dos soutiens (que havia de provocar uma corrida aos wonderbra, décadas mais tarde...), a masculinização dos hábitos e dos comportamentos, a rejeição da natureza. Como se a natureza estivesse "errada" e fosse preciso corrigir esses erros. E também como se as diferenças entre homens e mulheres fossem exclusivamente culturais. Em Portugal, onde tudo acontece com atraso, ainda não se saíu completamente dessa fase.
Penso que, em países onde estes processos se deram mais cedo, se está a entrar numa nova fase de feminismo, um feminismo feminino, que também está associado aos avanços científicos designadamente estudos sobre a importância da amamentação, sobre as diferenças neurológicas e psíquicas entre homens e mulheres, etc. Um feminismo moderno será um feminismo em que as diferenças sejam um valor, não um estigma.

Moinante disse...

Pela vida , com segurança ...