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24 janeiro 2007

As razões da escolha XVIII

Li aqui que «na situação actual, o estado português protege os valores específicos dos defensores do Não e não garante a liberdade de escolha aos e às restantes portugueses e portuguesas. O Sim é um voto pela liberdade de escolha de toda a gente - incluindo os defensores do Não. O voto no Não é, pelo contrário, um voto que pretende tomar decisões pelas outras pessoas, impondo uma visão específica (e não apenas defendendo a sua, já que essa continuará salvaguardada).»

Este é um tipo de argumento que, sob um ponto de vista retórico, faz todo o sentido. Mas é, realmente, pura retórica.
Tomemos como exemplo uma situação bastante polémica como é o suicídio assistido. O suicídio assistido, em Portugal, é crime. No entanto, há que reconhecer que, quando realizado a pedido do próprio, só razões de ordem moral religiosa podem estar na base dessa criminalização. Entendo que a nossa sociedade pode ainda não estar preparada para lidar com o suicídio assistido mas também entendo que esse é um direito que, mais tarde ou mais cedo, acabará por ser reconhecido. Neste caso, está em causa a vida do próprio, o corpo do próprio e uma decisão do próprio sobre si próprio. O argumento apresentado acima é totalmente válido neste caso. Por maioria de razão, este argumento é válido para qualquer outra situação que implique o corpo e os direitos que cada indivíduo tem sobre o próprio corpo, como as cirurgias estéticas de todo o tipo (mesmo que mutilantes) e as cirurgias para mudança de sexo.

No caso do aborto, o argumento não se aplica pela simples razão de que os defensores da legalização não estão a dispor do seu próprio corpo e da sua própria vida (ao que têm, sem dúvida, direito) mas do corpo e da vida de terceiros (os nascituros). E os opositores da legalização não estão a defender os seus próprios direitos (não é a sua vida que está em causa) mas os direitos de terceiros (os nascituros).
Afirmar que «o Sim é um voto pela liberdade de escolha de toda a gente - incluindo os defensores do Não» - é uma tolice porque essa escolha interfere com os direitos de terceiros.
Quem está a pôr em causa os direitos dos outros é o Sim, não é o Não.
Quem pretende tomar decisões pelas outras pessoas - ou melhor dizendo contra outras pessoas - é o Sim, não é o Não.


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