As Razões XII sobre a escolha no referendo ao aborto, evidenciaram a minha opção neste referendo.
Não a revelei antes porque quiz ser lida sem preconceitos. Quiz que, quem me lesse, pensasse naquilo que eu dizia e não naquilo que eu, hipotéticamente, poderia querer dizer. Eu tenho por hábito dizer o que quero dizer e não outra coisa. Não tenho segundos sentidos nem segundas intenções. Não sou lá muito subtil. Mas, infelizmente, como já disse aqui, é comum nestas discussões procurar sentidos ocultos, intenções obscuras naquilo que é, afinal, a opinião de cada um.
Tenho plena consciência de que não fui tendenciosa. Analisei friamente razões de um e de outro lado, destaquei a coerência e a fragilidade de cada argumento, em momento algum fiz juízos de intenções. Intenções ocultas, se as houver, ficam com cada um. Eu não as tentei nem tentarei desvendar.
É possível que, alguém que se tenha dado ao trabalho de ler todas as "razões" (haverá alguém?!?...), tenha ficado com uma ideia mais ou menos acertada da minha escolha. Mas isso quer apenas dizer que aquelas razões conduzem, logicamente, a uma determinhada escolha. Se isso aconteceu, é bom sinal. É sinal de que o que escrevi faz sentido. Tem um sentido. E esse sentido aponta para uma escolha.
Gostaria que tivessem rebatido os meus argumentos, que me tivessem dito «está errada neste e naquele ponto, por isto e por isto». Não aconteceu. Salvo algumas excepções, que é justo ressalvar, os comentários a favor ou contra a legalização recorreram a argumentos que não eram objecto de discussão e, muitas vezes, repetindo frases e ideias feitas que eu própria tinha já desmontado. Isto só confirma a minha suspeita inicial: a maioria das pessoas já decidiu o sentido do seu voto mas não tem bases sólidas para esse voto. Não quero com isto dizer que, com uma reflexão profunda, só se possa chegar a uma posição. Apresentei, ao longo destes dias, várias ligações para textos bem fundamentados que apontam para um e outro sentido de voto. É possível raciocinar bem e chegar ao Sim tal como é possível raciocinar bem e chegar ao Não. É possível defender o Sim por más razões e é possível defender o Não por más razões.
Dos dois lados tem sido dito que estamos, acima de tudo, perante um problema de civilização. Confesso que, quando comecei a escrever sobre este tema, ainda não tinha percebido que era isso que estava em causa. Escrever ajudou-me a organizar ideias e agora tenho a certeza. Tenho a certeza de que, mais do que o problema das mulheres ou dos bébés, está em causa a sociedade que queremos construir, a sociedade em que queremos viver.
Nas minhas Razões da escolha VIII foquei a questão civilizacional. Quem defende a legalização do aborto pode dizer-me que sim, que é uma questão civilizacional e que por isso vota Sim. Aceito. É essa a sociedade que quer: uma sociedade pragmática, individualista, virada para o próprio umbigo (sem ironia...), descartável, utilitarista, facilitista e desistente. É, de facto, uma questão civilizacional.
Nesse sentido, reconheço razão àqueles que defendem o novo referendo porque as opiniões mudaram. Mudaram, realmente. Estão a mudar desde os anos 80, desde a Perestroika, desde a queda do muro, desde o fim da guerra fria. E estão a mudar cada vez mais, com o 11 de Setembro, com o espírito apocalíptico, com a crise da tanga, com a crise do petróleo, com a guerra preventiva, com o medo.
O medo. O medo instalado nas conversas, nas empresas, nos serviços públicos, nas escolas, nos telejornais. Não há esperança, não há futuro, não há alternativas, não há volta a dar. Não vamos ter reforma. Vem aí a gripe das aves. Vem aí o Irão nuclear. Vêm aí os mouros. Matar para não morrer. Atacar antes que nos ataquem, mesmo que esse ataque seja hipotético, mesmo que as armas de destruição maciça só existam em relatórios fraudulentos, mesmo que a crise que aí vem seja o resultado de andarem a repetir-nos que há crise.
O medo. Entrámos numa sociedade de medo, numa civilização de medo. A resposta ao medo é o salve-se quem puder. O analgésico do medo é o consumo. A sociedade de consumo em que vivemos, intrínsecamente individualista e egoísta, cultiva o descartável. Desde o papel higiénico às pessoas, tudo é descartável, hoje em dia. Os empregos são descartáveis, as amizades são descartáveis, as relações afectivas são descartáveis. Os velhos são descartáveis. Os filhos são descartáveis. As responsabilidades são descartáveis. A ética não está na moda, não é pragmática, não é realista. Gastar tempo e recursos a procurar soluções não é pragmático nem realista. É muito mais fácil legalizar o que daria muito trabalho a prevenir. Prevenir implica lutar contra as causas do mal. A legalização é o tratamento sintomático.
É, realmente, uma questão civilizacional. E é por isso que vou votar Não.
As razões da escolha XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.
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4 comentários:
Respeito, mas não concordo. A questão não é legalizar para promover, a questão é legalizar para precaver. Precaver mortes de mulheres, precaver crianças não desejadas que são mortas mais tarde às mãos de mães que não o quiseram ser, de mães que o não conseguem ser, de mães que não podem ser mães.
E o que é preferível? abortar um feto que acabou de ganhar vida ou tirar a pouca vida de uma criança que no fundo no fundo não chega a viver?
A escolha é horrível, sobretudo para quem tem de a fazer. O processo é horrível, sobretudo para aquelas que têm de passar por ele. Escolho o sim porque me parece que assim é pelo menos mais higiénico, mais seguro, mais acompanhado mais honesto.
Razõs pelo sim e pelo não vai haver sempre, o que não podem haver é falta de opção. E aqui a falta de opção é optar por um aborto feito num vão de escada às escondidas de uma lei que ninguém leva a sério.
Voto sim porque tenho duas filhas muito amadas, muito desejadas, muito planeadas, com a certeza plena de que se não o fossem não estariam aqui hoje.
Lena, sabes bem (porque me conheces) que eu respeito profundamente as opções dramáticas que muitas mulheres fazem quando se vêm forçadas a abortar. Mas, se leres os meus textos anteriores (em que aponto muitas das incoerências de ambas as posições) perceberás que a minha opção de voto é a minha maneira de rejeitar uma sociedade cada vez mais egoista. E repara, quando menciono o egoísmo, náo estou a mencionar o egoismo de quem aborta porque em 99% dos casos não é de egoismo que se trata. Estou a referir-me ao egoismo de uma sociedade que não dá sequer a hipótese de uma alternativa. Estou a referir-me ao egoismo de uma sociedade que vira as costas a milhares de mulheres que não abortariam se tivessem alternativa. E ao egoismo de quem nem se dá ao trabalho de esclarecer as muitas situações em que o aborto é legal em Portugal. Pensa só nisto: a maioria das instituições que em Portugal se dedicam, com grande generosidade, a ajudar mulheres grávidas em diiculdades estão do lado do Não. Porque vêm todos os dias mulheres a desistirem de abortar quando, depois de todas as portas se terem fechado, alguém lhes abre uma janela.
Um beijo e vota em consciência. Nisto não há certos nem errados: a História julgará as nossas opções.
O problema é que recusar alterar a lei não vai alterar esta sociedade egoísta, fechada sobre valores partilhados apenas por alguns. O que a alteração prevê é que uma situação que remonta ao início dos tempos (sim sim pelo menos até à época romana)venha a ser regulamentada de uma forma eficaz. Isto porque independentemente de religiões, ou sentimentos que possamos ter em relação à questão, abortar vai ser sempre uma solução para muitas mulheres. Portanto mais vale ter esta questão devidamente enquadrada e regulamentada por forma a evitar as "parteiras de vão de escada", processos jurídicos que se enquadram na "anedota" e falsos moralismos. Quanto aos "milhares de mulheres que não abortariam se tivessem alternativa" e "a maioria das instituições que em Portugal se dedicam, com grande generosidade, a ajudar mulheres grávidas em diiculdades estão do lado do Não. Porque vêm todos os dias mulheres a desistirem de abortar quando, depois de todas as portas se terem fechado, alguém lhes abre uma janela" já não me pronuncio. Sou muito céptica nestas questões. Interrogo-me sempre sobre a ética de deixar nascer uma criança que vai ser abandonada e engrossar a lista de crianças que esperam ser adoptadas, ou deixar nascer uma criança que vai ser brutalizada e acabará, eventualmente, por se transformar num ser humano igual aquele que lhe deu vida. São questões filosóficos e éticas, é bem verdade. Qual é a resposta? Não sei. Sei que quero que as minhas filhas tenham o direito que eu não tive: o direito de escolher em consciência.
Querida Clara
Que análise! Achei especialmente brilhante o parágrafo sobre o medo.
Esse é um mal que invadiu a sociedade actual e que a irá destruir se a moral e os princípios,que deveriam ser inerentes ao ser humano, não o conseguirem vencer.
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