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25 janeiro 2007

As razões da escolha XX

Penalizo-me por só agora ter chegado ao Projecto de Lei que está na base da pergunta do referendo. E penalizo-me porque é essencial e porque eu tinha a obrigação de já o ter lido detalhadamente. E é essencial porquê? Porque a vitória do Sim é que irá permitir a votação daquele projecto de lei portanto, ao votar no referendo estamos - não em teoria mas na prática - a aprovar o próprio projecto de lei. Claro que as leis são votadas na Assembleia da República, isso eu sei, mas o PS tem maioria absoluta e é o resultado do referendo que permitirá, ou não, que o projecto de lei seja votado e passe de projecto a lei.
Mais tarde comentarei. Para já, e porque, acima de tudo, quero proporcionar aos visitantes d'A biblioteca de Jacinto informação isenta para que votem esclarecidamente e em consciência, aqui vai:

PROJECTO DE LEI N.º 19/X
“Sobre a Exclusão da Ilicitude de casos de Interrupção Voluntária de Gravidez”

[...]

Artigo 1.º
(Alterações ao Código Penal)

O artigo 142° do Código Penal, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95, de 15/3 e pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 142°
Interrupção da gravidez não punível
1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, nas seguintes situações:
a) a pedido da mulher e após uma consulta num Centro de Acolhimento Familiar, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente;
b) (actual alínea a);
c) caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica, da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
d) (actual alínea c);
e) (actual alínea d).
2- Nos casos das alíneas b) a e), a verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada através de atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção, por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.

Artigo 2.º
É aditado um artigo 140°-A ao Código Penal, com a seguinte redacção:

Artigo 140°-A
Publicidade ilegal à interrupção voluntária da gravidez

Quem, por qualquer modo, fizer publicidade ilegal de produto, método ou serviço, próprio ou de outrem, como meio de incitar à interrupção voluntária da gravidez, será punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Artigo 3°
(Rede pública de aconselhamento familiar)

1 - Deve ser desenvolvida na rede pública de cuidados de saúde a valência de aconselhamento familiar, a qual deve ser composta por, pelo menos, um Centro de Aconselhamento Familiar (CAF) por distrito.
2 - Os CAF inserem-se na rede de cuidados primários de saúde, devendo a sua constituição e organização interna ser regulamentada pelo Governo.

Artigo 4°
(Funcionamento dos Centros de Aconselhamento Familiar)
1 - Os CAF devem ser de fácil acesso a todas as mulheres grávidas que pretendam realizar uma interrupção voluntária de gravidez ou que já a tenham praticado.
2 - As consultas realizadas nos CAF são gratuitas, confidenciais, realizadas sob anonimato, caso seja essa a vontade da mulher grávida.

Artigo 5°
(Competências)
Compete aos CAF o aconselhamento e apoio necessários à mulher grávida, com objectivo da superação de problemas relacionados com a gravidez, contribuindo para uma decisão responsável e consciente, cabendo-lhes, nomeadamente:
Aconselhar, informar e sensibilizar as mulheres acerca da forma mais adequada de organização do seu planeamento familiar;
a) Suscitar, se necessário, a intervenção dos serviços sociais que operem no sector, analisando-se a possibilidade de essa intervenção resolver os problemas de ordem social decorrentes da maternidade;
b) Informar a mulher grávida dos direitos consagrados na legislação laboral no que respeita à maternidade, bem como quanto aos direitos relativos a prestações médico-sociais;
c) Informar e encaminhar a mulher grávida para os estabelecimentos onde se pratique a interrupção involuntária da gravidez, após o devido aconselhamento.
2- Os CAF podem, no processo de consultas e desde que a mulher grávida não se oponha, ouvir o outro responsável da concepção.

Artigo 6° (Organização dos estabelecimentos de saúde)
1 - Quando se verifiquem as circunstâncias previstas no n° 1 do artigo 142° do Código Penal pode a mulher grávida solicitar a interrupção voluntária da gravidez em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, entregando de imediato o consentimento escrito e, até ao momento da intervenção, os restantes documentos eventualmente exigíveis.
2- Os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos onde seja praticada a interrupção voluntária da gravidez devem organizar-se adequadamente para o efeito.
3- Os estabelecimentos referidos no número anterior devem adoptar os meios e as providências necessárias para que a interrupção voluntária da gravidez se verifique nas condições e prazos legalmente previstos.

Artigo 7°
(Dever de sigilo)

Os médicos e demais profissionais de saúde, bem como o restante pessoal dos estabelecimentos de saúde públicos ou oficialmente reconhecidos em que se pratique a interrupção voluntária da gravidez ficam vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas, relacionados com aquela prática, nos termos e para os efeitos dos artigos 195° e 196° do Código Penal, sem prejuízo das consequências estatutárias e disciplinares de qualquer eventual infracção.

As razões da escolha XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

3 comentários:

pedro almeida disse...

Cuidado, a alteração proposta é mínima. Tudo o resto já está na lei, não é o que se propõe incluir nela. Todos os aspectos positivos que salientou já estão na lei.

Sem complexos nem rodeios, a lei em referendo pergunta o seguinte:

"Concorda que a mulher, em decisão única e exclusiva*, deva ter um prazo adicional de 10 semanas após engravidar, para pensar se quer ter o filho ou se quer um aborto (com ou sem motivo), sem apoio nem acompanhamento?"


* mesmo que seja menor, não precisa informar os pais. O pai da criança nunca tem que ser avisado.
No fundo acaba-se com o "Querido, estou grávida, vais ser pai" e passa-se para o "Querido, estou grávida, daqui a 10 semanas aviso-te se vais ser pai ou não".

Professor disse...

Sempre tive a sensação de haver gato escondido com o rabo de fora na pergunta do referendo. Por preguiça, mea culpa, também ainda não tinha lido o documento legal a que alude no seu texto. É esclarecedor, muito obrigado!
Quanto ao comentário de Pedro Daniel, com o qual concordo absolutamente, só acrescentarei mais uma coisa: parece que se passar o SIM no referendo, as mulheres uma vez que sozinhas decidem se querem o filho ou não, passarão a gerá-lo a sós, por inseminação artificial!

MCA disse...

Eu irei comentar este projecto de lei nos próximos posts. Há algumas subtilezas muito interessantes que, ao contrário de me levarem a vacilar quanto à minha escolha de voto, ainda a reforçam. Mas também considerei importante que os meus visitantes pudessem ler o projecto e reflectir antes de eu o comentar. Só não consigo compreender porque é que os responsáveis pelos diferentes movimentos (pró e contra) nunca mencionam este projecto pois o seu conteúdo é muito relevante para a discussão. Obrigada pelas vossas visitas e pelos vossos comentários.