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30 janeiro 2007

As razões da escolha XXI (cont.)

O Pedro Sá teve a gentileza de responder às minhas "Razões da escolha XXI" da seguinte forma que aqui transcrevo (PS), com as minhas respostas (ABJ):

[ABJ. Os problemas das mulheres que abortam clandestinamente devem ser um assunto de relevância para o Estado (eu acho que sim, que devem) mas os traumas causados pelo aborto já são só um problema da mulher que o pratica?!? ...]
PS. Como é óbvio, problemas físicos são assuntos de relevância para o Estado, e problemas psíquicos não.

ABJ. Não, não é óbvio. Problemas psíquicos são um problema de saúde como qualquer outro. Se os problemas psíquicos não fossem de relevância para o Estado, então também não se justificaria a permissão que a actual lei contempla (e com a qual concordo) de grave lesão para a saúde psíquica da mulher
.

[ABJ. (...) Quem pode sustentar os filhos, tem filhos. Quem não pode, aborta. Isto não é uma forma de desigualdade? (...) Quanto a não ter efeitos sobre terceiros... (...) Read my lips: um feto é um ser humano. (...)]
PS. Pois fico a saber que há pessoas que acham que ter ou não ter filhos é uma desigualdade social...E não, não tem efeitos sobre terceiras pessoas. Basta ir ver ao Código Civil quando é que é atribuída a personalidade jurídica.

ABJ. Ter ou não ter meios económicos para ter filhos é uma desigualdade social.
Quanto à personalidade jurídica, não tem nada a ver com o caso. Felizmente, não é o Código Civil que decide se uma pessoa é uma pessoa. Se assim fosse, não se justificava a luta de tanta gente pela defesa dos direitos humanos em países onde personalidade jurídica nem sequer existe. E o que está em causa não é se há personalidade jurídica mas se há tutela jurídica. O nosso quadro legal protege a vida intra-uterina. Deve ou não continuar a protegê-la? Em meu entender, deve.


[ABJ. Quanto ao consumo de droga, está de tal forma ligado à toxicodependência que não consigo perceber a diferença. (...) A toxicodependência tem causas muito complexas e a maioria dos toxicodependentes são, de algum modo, arrastados para essa situação por diversas circunstâncias. (...).]
PS. Era o que mais faltava cada pessoa não ser responsável pelos seus actos e a culpa ser sempre de terceiros ou "da sociedade".

ABJ. Eu não disse isso. Todos os nossos actos são, em primeiro lugar, da nossa responsabilidade enquanto indivíduos. Mas muitos toxicodependentes iniciaram-se na droga aos 10, aos 12 aos 14 anos. Podem ser responsabilizados? Não creio. Além disso, o discurso da responsabilidade é muito bonito mas parece que só funciona para um lado. Para muitos defensores do Sim, as mulheres são todas umas desgraçadinhas. «Ir para a cama com os copos» (palavras de um defensor do Sim) não é lá muito responsável...


[ABJ. Pelo contrário, é só isso que está em causa. (...) Pode-se ser contra ou a favor do aborto às 5, às 10, às 20 ou às 40 semanas. Mas não se pode escamotear a verdade: um embrião é vida humana, é um ser humano. (...)]
PS. Errado. Esta é pura e simplesmente uma questão de Direito Penal. Querer levar a conversa para o que é vida ou não é não passa de querer tapar o sol com a peneira.

ABJ. As tábuas da lei não são fonte de Direito. O Código Penal não cai do céu. A ordem jurídica não é dissociável do contexto social e ético de cada sociedade. Pelo contrário, reflecte-a. Por isso tenho defendido que esta questão é, acima de tudo, uma questão civilizacional. Mas fazer tábua rasa dos últimos 30 anos de progresso científico e ignorar o que se sabe hoje sobre vida intra-uterina está ao nível daqueles "sábios" que se recusavam a olhar pelo telescópio de Galileu.


[ABJ. (...) Um ilícito pode não ser punido e continuar a ser ilícito. Uma coisa não implica a outra.]
PS. Um ilícito sê-lo e não dar lugar a punição é pura e simplesmente ridículo. Para além disso manteria tudo na mesma porque quem procedesse à operação técnica continuaria a ser penalizado. Ou custa assim tanto a perceber?

ABJ. Confesso que tenho vacilado muito nessa questão. Despenalizar as mulheres presumindo o estado de necessidade desculpante é uma forma de desresponsabilização e de menorização. Por outro lado, essa presunção (tal como a presunção de inocência) poderia minimizar muitas injustiças. Digamos que é um mal menor. De resto, eu defendo o alargamento das actuais excepções a situações de debilidade socio-económica verificáveis (o que já está previsto do Projecto de Lei do PS, aliás, com um prazo bastante alargado) e isso não está em discussão neste referendo.


[ABJ. Jogar com palavras é confundir despenalização, legalização e liberalização. (...) Como bibliotecária, (...) nunca poderia considerar estes termos equivalentes. (...).]
PS. Pode perceber de bibliotecas, mas de Direito já vi que não sabe.

ABJ. Nem tenho essa pretensão. Tenho dito aqui repetidas vezes que não sou jurista e tenho tido o cuidado de ler a opinião de juristas para me documentar. Bem como a de médicos. Mas percebo de terminologia e posso assegurar que os termos "despenalização", "legalização" e "liberalização" não são equivalentes.


[ABJ. (...) Despenalização sem liberalização significa introduzir na lei uma cláusula que despenalize a grávida mantendo a punição para os restantes agentes do aborto. (...)]
PS. Uma cláusula que despenalize a grávida mantendo a punição para os restantes agentes do aborto significa continuar a manter o flagelo social do aborto clandestino.

ABJ. A única maneira de eliminar totalmente o aborto clandestino é liberalizá-lo até às 40 semanas. Paciência. Não se pode ter tudo. Adultos na plena posse das suas faculdades mentais têm de ser responsáveis pelos seus actos e assumir as consequências.


[ABJ. (...) O que não há é o direito de o Estado impor, por via da lei, uma munidivisão de base religiosa.]
PS. Mais uma razão para votar sim.

ABJ. Eu sou agnóstica. A minha opinião não tem nada a ver com religião.


[ABJ. (...) A questão é se o aborto é uma forma de planeamento familiar.]
PS. Certamente que não é.

ABJ. Pois não é. Planeamento familiar faz-se com contracepção.


[ABJ. (...) Pode haver (e há) constitucionalistas que considerem que o TC decidiu mal, inclusive juízes do próprio TC. (...)]
PS. Seja lá como for, quem de direito decidiu.

ABJ. Nem eu ponho em causa essa decisão. Aceitar as decisões das instâncias democráticas faz parte da democracia.


[ABJ. Claro. É isso que a maioria do "Não" defende. Não punir a grávida que pratica o aborto. Despenalizar a grávida. Só a grávida.]
PS. Todos os argumentos do "não" são falsos e fracos, porque a verdade é só uma. "Tenho de votar não porque é o que a igreja diz".

ABJ. Isso não é resposta. Há argumentos bons dos dois lados e não reconhecer isso denota, no mínimo, falta de atenção ao debate, no máximo, desonestidade intelectual.


[ABJ. Voltamos à mesma questão. Não está em causa a conduta individual. Não estão em causa «opções as quais dizem apenas respeito a si próprio na sua esfera privada». Está em causa a vida de um ser humano. Outro. Não o próprio.]
PS. O que escrevi não tem a ver com a IVG em particular, mas com um comentário mais genérico que Jorge Miranda faz e que refere essas coisas.

ABJ. Muito bem. Não invalida o que eu digo.


As razões da escolha XXI. XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

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