Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

30 dezembro 2018

Ano Novo

Há seis meses que não actualizo o meu blogue. O Facebook é o maior inimigo dos blogues. Antes, tudo o que me apetecia escrever ou mostrar vinha para o blogue. Desde que estou no Facebook, nunca acho que tenho algo de suficientemente bom ou interessante para ser digno de "ir para o blogue". É um disparate, eu sei, mas é difícil de combater esta impressão. Contudo, hoje, a pouco mais de vinte e quatro horas do fim do ano, acho que tenho mesmo de deixar aqui o balanço deste ano que acaba.
2018 foi, certamente para mim, o melhor ano em uma década perdida. Partilho convosco um texto que escrevi no Facebook, em Outubro de 2017, e que permite compreender bem porquê.

Comecei a trabalhar na Área de Música da Biblioteca Nacional em Fevereiro de 1992. A Área tinha sido inaugurada quatro meses antes, simbolicamente no Dia Mundial da Música, 1 de Outubro de 1991. Eu dependia organicamente da Secretaria de Estado da Cultura e trabalhava no âmbito do Programa de Inventário do Património Cultural Móvel. Quando concorri, "Bibliotecas" fora a minha última escolha: "Museus", a primeira, e "Arquivos", a segunda; mas entrei para Bibliotecas e fiquei colocada na Biblioteca Nacional. Perante a possibilidade de escolher com que colecções desejava trabalhar, não hesitei: Música, a maior paixão da minha vida. Embora não tivesse formação académica em música, tinha aprendido solfejo com o meu Pai, estava habituada a cantar em coro, tinha estudado História da Música na licenciatura em História e tinha alguma cultura musical. Com apenas 25 anos, a simples perspectiva de mexer em partituras, de estar ao pé de papéis de música antigos, de compositores conhecidos e desconhecidos, era um deslumbre. Havia tanto para aprender e a "terceira escolha" parecia-me agora a melhor das escolhas possíveis.
Lembro-me bem do primeiro dia, quando subi ao segundo andar da Biblioteca Nacional e fui apresentada a alguém que, na verdade, conhecia desde os dez anos, o impulsionador da recentemente criada Área de Música e amigo de antigas "cantorias" corais, o (hoje Prof. Doutor) João Pedro d'Alvarenga. A minha tarefa seria catalogar, da colecção de Livros de Coro, aqueles que fossem manuscritos e iluminados. Na ocasião, fiquei muito ofendida por uma bibliotecária muito respeitada nesta casa ter deitado as mãos à cabeça e comentado, como se eu não estivesse presente, «mandaram para cá uns meninos que não sabem ler uma letra do tamanho de um boi, para mexerem nos nossos iluminados!». Sim, havia por cá muita sobranceria, comecei a aperceber-me disso cedo, mas a senhora (conhecida por não ter papas na língua) era uma das bibliotecárias mais competentes, rigorosas e profissionais que já conheci... e sim, ela tinha uma certa razão: nós não sabíamos ler uma letra do tamanho de um boi, se fosse uma letra gótica... Mas éramos jovens, não éramos tontos e aprenderíamos depressa.
Nesse mesmo ano, concorri à variante "Arquivo" do Curso de Especialização em Ciências Documentais da Universidade de Lisboa e entrei. Continuava a trabalhar para o "Inventário" e escolhi Arquivo porque tinha cadeiras de Codicologia, Paleografia e Diplomática, que me seriam mais úteis para o trabalho com códices iluminados do que as cadeiras da variante "Biblioteca".
Quando, ao fim de sete anos de "recibos verdes", entrei para o quadro da Biblioteca Nacional, voltei para a Universidade, para fazer a variante "Biblioteca" que me permitiria aceder à carreira Técnica Superior de Biblioteca e Documentação (anos mais tarde extinta) e passei a integrar, em pleno, a equipa da Área de Música.
Quer na variante "Arquivo" (em 1992-1994) quer na variante "Biblioteca" (em 1997-1998), escolhi sempre, para os trabalhos, temas úteis para a minha actividade na Área de Música: a Descrição Codicológica de um Livro de Coro, um Estudo do Utilizador da Área de Música, um estudo sobre Música nas Biblioteca Públicas...
Em 2002, inscrevi-me no Mestrado em Ciências da Documentação e da Informação, na Universidade de Évora. Na altura, tive a ilusão de achar que também teria tempo para estudar música, inscrevi-me numa escola, em horário pós-laboral, mas não consegui acumular formação musical, mestrado e emprego a tempo inteiro pelo que, apesar das excelentes notas, acabei por desistir da formação musical em benefício do mestrado. Mais uma vez, para a dissertação, escolhi um tema que me permitiria aprofundar conhecimentos que poderia aplicar utilmente na Área de Música: catalogação de partituras. Foi a primeira dissertação escrita em Portugal, no âmbito estrito da Biblioteconomia Musical. Concluí o Mestrado e defendi a tese em Novembro de 2005.
No final de 2007, comecei a preparar a candidatura ao Doutoramento, em Coimbra, mas um acontecimento trágico na minha vida particular, logo no início de 2008, deixou-me à beira de uma depressão e eu tive de adiar esse desiderato. 2008 foi um ano terrível na minha vida, por várias razões, marcando para sempre, na minha memória, um antes e um depois. Depois... depois reconheço que há pouco para contar. Passaram-se nove anos que, do ponto de vista profissional, não acrescentaram nada à minha vida. Pelo contrário, durante os últimos anos senti que regredia em vez de evoluir.
No final desta década perdida, decidi que chegou o momento de dar um passo em frente e fazer alguma coisa para mudar essa situação. Voltar aos bancos da faculdade, continuar a evoluir e a aprender e tentar contribuir, dentro das minhas possibilidades, para o desenvolvimento de uma área de conhecimento ainda por sistematizar em Portugal, a Biblioteconomia e Arquivística Musical.
Fui admitida ao Doutoramento em História na área de Arquivística Histórica, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Volto, assim, às origens: à História, com a qual iniciei a minha formação académica, e à Arquivística, com a qual iniciei a minha formação profissional. Mais do que outro grau académico, trata-se de um novo desafio e do estímulo intelectual que estava a fazer-me falta. Sei que não vai ser fácil, que vou ter muitos e muitos momentos (e horas, dias e até semanas) em que vou perguntar a mim própria porque é que me meti nisto. Espero, nesses momentos de dúvida, lembrar-me de que me “meti nisto” porque não consigo viver uma profissão que adoro como um mero emprego aonde se vai buscar o ordenado, porque preciso de muito mais do que isso para me sentir realizada.


E aqui acaba o texto de 2017.


A entrada para o doutoramento foi um risco. Já não sou uma garota, a última década foi de estagnação profissional e intelectual, o mestrado tinha acabado há doze anos e há vinte anos que não estava integrada numa turma, com aulas e trabalhos. Por isso, arriscar-me a um doutoramento foi para mim um desafio e uma incógnita. Do que é que estes neurónios ainda eram capazes?
Os resultados ultrapassaram amplamente as minhas expectativas. As classificações elevadas não teriam uma especial importância caso eu tivesse vinte ou trinta anos. Com essas idades, curiosamente, nunca tive notas muito altas. Mas ter boas notas, muito boas mesmo, aos cinquenta anos e depois de dez anos de inactividade intelectual, confesso que me deixou bastante feliz. O ano de 2018 foi, assim, um ano em que venci o desafio a que me propus em 2017 e em que me sinto uma confiança em mim própria que não sentia há muitos, muitos anos. Entrar para o doutoramento foi a melhor decisão que tomei em mais de dez anos e, sem dúvida, uma das melhores decisões que tomei na vida.
Houve outras coisas que marcaram com coisas boas o ano de 2018 como o nascimento das minhas sobrinhas-netas e o casamento de uma querida amiga. Também arranjei umas maleitas novas, que cinquentona que se preza não pode andar para aí a vender saúde. E partiram algumas pessoas de quem guardarei uma boa lembrança para sempre. Que descansem em paz.
Para 2019 só desejo que seja tão bom como foi 2018. Há muitos, muitos anos que o meu desejo de ano novo não era este. É bom sinal.
Para quem me lê, desejo um 2019 tão bom como o que desejo para mim.