Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

31 dezembro 2006

Até pró ano

Como sempre, desde há uns anos, fui com o meu mais-que-tudo ver o último pôr-do-sol do ano, ao Cabo da Roca. O último pôr-do-sol do ano e o último do Continente Europeu. Normalmente não há ninguém mas hoje, como é Domingo, estava cheio de italianos, espanhóis, japoneses e russos (ou seriam ucranianos?...).
Aqui ficam as imagens que recolhi com o meu télélé.

Às 17:20...

...às 17:21...

... e às 17:23.

Para todos os leitores e visitantes, habituais e ocasionais, da Biblioteca de Jacinto, um ano de 2007 muito feliz e cheio de realizações. Continuem a visitar, a acomodar-se e a reconfortar-se nas suas fofas poltronas. A casa é vossa.
Até pró ano.

29 dezembro 2006

Aos 95 anos

Não resisto a divulgar este blogue com honras de post.
A mis 95 años é o blogue de María Amelia, uma senhora galega de 95 anos que, com a ajuda do neto, começou a escrevê-lo na data em que completou 95 anos de idade: nasceu em Muxía (A Coruña) a 23 de Dezembro de 1911. Só espero que viva ainda uns bons anos e continue a escrevê-lo para podermos enriquecer todos com as suas memórias e as suas experiências. 95 anos é mais do dobro do que eu já vivi. Que maravilha! Só espero chegar àquela idade com a mesma lucidez.
E ainda há quem chame velhos às pessoas de idade!!!

É Natal até aos Reis


GHIRLANDAIO, Domenico, 1449-1494 - Adoração dos pastores (1482-1485)

27 dezembro 2006

Conto de Natal à minha maneira

Com um agradecimento à Paula Azevedo Macedo, futura bibliotecária, que divulgou este pequeno conto na lista "Bibliotecários". Um grande futuro para ela!

Conto de Natal à minha maneira / Ignácio de Loyola Brandão. In: O Estado de São Paulo (22/12/2006)

«Liliani viu quando ele entrou, foi até os fundos, fingiu olhar os livros, virou-se para ela, desviou o olhar, apanhou uma revista e folheou, a contemplá-la com o rabo dos olhos. Disfarça mal, ela pensou. Era a quarta vez na semana que ele surgia na hora do almoço, momento silencioso na biblioteca, os alunos saíam das classes e no restaurante encontravam pais, amigos, professores ou iam jogar alguma coisa, namorar. Ela se aproximou sorrateiramente, gostava dessa palavra sorrateira.
«- Então?
«Ele se assustou, como se tivesse sido pego em uma transgressão. Devia ter 18 anos, conservava o desajeitamento da adolescência.
«- Quer ajuda?
«- Nem sei o que quero.
«- Quer um livro, imagino. Por isso está na biblioteca. Ou não?
«Quando tinha fome, como agora, tornava-se irônica.
«- Quero uns livros para ler nos feriados de Natal.
«- Feriados? No Natal estaremos todos em férias.
«- Posso levar alguns livros para ler durante as férias?
«- Gosta de ler?
«- Gosto. E você, gosta de quem lê?
«- Sou bibliotecária, livros são minha paixão. Um dia ainda abro uma livraria.
«- Você admira quem lê?
«Liliani não entendeu bem o porquê da pergunta. Deixou passar batido. Seria aluno do colégio? Por que vinha com tanta freqüência, fingia que olhava os livros e ia embora?
«- O que gostaria que eu lesse?
«- Ler é uma decisão pessoal.
«- É...
«Ele parecia sem assunto e, ao mesmo tempo, dava a sensação de que estava ansioso para falar, a boca tremia, os lábios secos. Nesse momento um garotão colocou a cabeça na porta, gritou:
«- Pronta, Liliani? Vamos almoçar?
«- Num minuto, Bruno! Estou atendendo uma pessoa! Vai na frente!
«Ela podia jurar que uma expressão de desapontamento ensombreou o rosto do garoto, suas mãos tremeram, ele umedeceu os lábios com a língua.
«- Teu namorado?
«Em um segundo, Liliani compreendeu, as mulheres são intuitivas, rápidas. Comoveu-se. Riu, mesmo considerando que a pergunta invadia seu espaço. Quando ela ria, seu corpo inteiro acompanhava, como se fosse uma explosão, seus olhos ficavam generosos.
«- Não tenho namorado!
«- É casada?
«- Não, sou solteira!
«A resposta estilhaçou toda a tensão que sufocava o corpo dele, o jovem respirou, o ar veio de dentro com força, como se mil mãos tivessem feito uma massagem com pedras quentes.
«- Não quer voltar depois do almoço? Preciso comer e reabrir a biblioteca à tarde. Ou, melhor, quer almoçar comigo?
«Surpreendido, ele emudeceu de alegria e de temor. Liliani estava achando divertido, queria estender a situação, ver aonde chegava. Percebia que ele estava travado, é sempre assim quando se quer alguém. As mulheres conhecem os mecanismos do coração, os meandros misteriosos da alma, dizia o professor de lógica. Outro amigo, por quem ela tinha sido apaixonada, costumava definir: 'Teus olhos têm uma dose enorme de loucura, deixam as pessoas inquietas, são uma aventura.' O último namorado vivia dizendo: 'Quando você ri, o mundo vira de ponta cabeça.' E ela, com a ironia que a marcava, e às vezes prejudicava, porque os homens são crianças que não sabem brincar com a vida, se leva muito a sério: 'O mundo vira de ponta cabeça? Conte a verdade? Quem vira de ponta cabeça é você.' Lembrou-se também do namorado que perdera porque tinha deixado de usar sandálias de salto agulha, ele a queria o dia inteiro com aquele salto que quase quebrava a espinha, ainda que torneassem sensualmente suas pernas. Liliani se sabia bonita, insinuante, conhecia o fascínio que despertava a cor de sua pele, de um moreno que dava a sensação de ela estar saindo da praia.
«- Não posso almoçar, agora. Não posso, me desculpe, disse ele.
«- Almoçamos outro dia.
«- Como você se chama? Liliana?
«- Liliani. O i no lugar do a. Meu pai quis assim, para ficar um nome único, diferente.
«- Liliani é bonito, tem um ritmo. Meu professor de português diz que cada pessoa faz o seu próprio nome. O que significa Liliani?
«- O mesmo que Liliana. Ou Liliam. Meu pai disse que significa lírio, e lírio é pureza, inocência... O lírio está em algumas das pinturas mais famosas da Antiguidade. Nas Anunciações de Leonardo da Vinci, de Rafael e de Guido Reni. Anjos trazem lírios a Maria, mãe de Deus.
«Ele se espantou, admirou-a mais. Gostou. Como ela sabe coisas, pensou. Não percebeu que ela mudava o tom do sério ao gaiato, ainda que fosse verdade.
«- Lindo... lírio... inocência...
«- Mas não sou tão inocente assim, olhe lá!... Mas, decidiu o livro? Hoje é o último dia antes das férias, antes do Natal. Acho que você pode levar dois ou três, faço um cadastro, vou confiar em você. Estou boazinha esta semana.
«- Me diz uma coisa. Quem leu mais livros aqui?
«- Quem leu mais?
«- O campeão, o recordista.
«Tudo hoje são recordes, números, ela pensou.
«- Tem uma menina, a Mônica, que lê um livro por dia. Uma vez desconfiamos, fizemos testes, ela lê de verdade. Cabeça incrível.
«- Você admira essa mulher?
«- Claro. Uma pessoa assim tem outra cabeça.
«- Admira muito?
«- Vou dizer que sim. É alguém que tem onde se refugiar para fugir da mesmice, desta vida chata, rotineira, às vezes...
«- Puxa! Admira essa pessoa.
«- Tem gente que desde cedo mostra que ser vai diferenciada.
«- Se eu lesse muitos livros? Você me admiraria?
«- Claro que sim.
«- Quantos livros eu teria de ler?
«- Nunca pensei nisso.
«- Pois vou ler esta biblioteca inteira. Depois vou passar por todas as outras bibliotecas de São Paulo, do Brasil. Onde tiver livro, estarei lendo...
«Ele se encaminhou para a porta, voltou-se.
«- Por você vou ler 1 milhão de livros. Um bilhão. E aí você vai me admirar.
«Quase disse 'gostar de mim', se conteve, apenas pensou que ela veria quanto uma paixão move um homem.
«- Vou ler 1 trilhão de livros, vou ler todos os livros do mundo.
«Liliani fez um aceno de cabeça e pensou: tomando-se a média de 120 páginas por livro e imaginando que ele demore três minutos para ler uma página, lerá um livro a cada 360 minutos, ou seja seis horas. Seis trilhões de horas, calculando por baixo, significam 250 bilhões de dias. Mais ou menos uns 70 bilhões de anos. Acho que não vou esperar, concluiu. Estou com fome. E saiu para o almoço.»

Até aos Reis é Natal


BASSANO, Jacopo, 1510-1592 - Anunciação aos pastores (1533)

22 dezembro 2006

O significado do presépio para os ateus explicarem aos filhos

O presépio representa a pobreza e simplicidade em que nasceu um menino que, quando cresceu, conseguiu influenciar os que o rodeavam apenas pela força das suas palavras e o mundo pela força da sua mensagem.
Convém também explicar que os seguidores dele disseram e dizem, fizeram e fazem, em seu nome, muitas coisas que são o contrário do que ele andou a dizer. E que esses também influenciam o mundo, usando outras forças como a guerra, a opressão, a ignorância, a manipulação, etc. Mas que ele não tem culpa.

Vem aí o Natal!


MERSON, Luc-Olivier, 1846-1920 - A chegada a Belém (1897)

18 dezembro 2006

Quarenta, pois...


A minha primeira foto depois dos quarenta. Bom, devo ter outras (alguém me deve ter tirado no dia dos anos...) mas não as tenho comigo, não as vi, nem sei se existem, por isso não contam. Esta conta.

As razões da escolha

Existem duas posições radicais em relação à interrupção voluntária da gravidez (vulgo aborto): uma, que encara o feto como um dom divino, comum entre católicos, e que, por essa razão, não admite o aborto, sejam quais forem os motivos; outra, que encara o feto como uma parte do corpo da mulher, comum entre a extrema-esquerda, e que aceita o aborto, sejam quais forem os motivos.

Na minha modesta opinião, ambas as posições estão erradas: a primeira, porque pretende tornar verdade universalmente aceite uma ideia religiosa que, naturalmente, só é válida para os crentes; a segunda, porque faz tábua rasa de toda a investigação médica realizada durante as últimas três décadas sobre a vida intra-uterina e rejeita, sem qualquer fundamento científico, a existência de um ser humano (ainda que "incompleto" ou em desenvolvimento), logo "outro" em relação à mulher que o gerou.

Estas duas posições radicais geram, normalmente, atitudes radicais. Vemos os primeiros as chamarem assassinos aos segundos e estes a chamarem fanáticos àqueles. No contexto actual, este tipo de discussão não só não leva a lado nenhum como é contraproducente, numa altura em que o mais importante é esclarecer as pessoas para que, no momento do referendo, cada um tenha a consciência exacta do que está a fazer e das consequências do seu voto.

Existem, depois, as várias posições intermédias: os que defendem apenas o aborto terapêutico, ou seja, os casos em que a saúde ou até a vida da mulher grávida está em risco; os que defendem também o aborto eugénico, ou seja, os casos de mal-formação do feto; existem, ainda, os que, para além dos casos anteriores, defendem o aborto no caso de violação; e, finalmente, os que defendem também o aborto por razões socio-económicas, ou seja, os casos em que o prosseguimento da gravidez conduziria a consequências muito graves na estabilidade económica e social da mulher grávida.
Todas estas posições intermédias se baseiam no princípio do mal menor, mas todas exigem um motivo para realizar a interrupção da gravidez. Temos uma coisa indesejável - o aborto - que é colocada em confronto com outras coisas indesejáveis. Colocadas no prato da balança, o que varia nestas posições é o peso que cada uma atribui a cada um destes "males".

Enquanto entre posições radicais não há discussão possível, entre estas posições intermédias (a da maioria da população, reconheça-se) há todo um debate que urge fazer, sem proselitismo, sem radicalizar posições e nunca, nunca rotulando as pessoas que tomam uma ou outra posição.

Gostava de ver mais serenidade na campanha para o próximo referendo.

Actualização: nem de propósito, acabo de ler uma das exposições mais inteligentes e honestas a favor do Sim que encontrei até hoje. Não estou a dizer que concordo. Estou a dizer que assim vale a pena discutir.
Já agora, por uma questão de imparcialidade, remeto-vos também para um bom post argumentando pelo Não. E a entrevista de um agnóstico assumido, contra o aborto.

13 dezembro 2006

Canção dos Quarenta Anos

O meu leitor Gaspar deixou nos comentários este poema que eu adorei e decidi passar para um post.
Obrigada Gaspar.
Volta sempre!

Canção dos Quarenta Anos

Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corrí.

Quarenta anos, quarenta !
(Quantos mais ainda virão ?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão ?
Serei pasto da malária ?
Serei presa do avião ?

A morte engendra a esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.

Quem pode medir um homem ?
Quem pode um homem julgar ?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar,
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.

Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã, de quem serei ?
Um homem é sempre segredos.
(Por qual deles purgarei ?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei ?

Que virtudes foram minhas ?
Que pecados confessar ?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar ?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar !

Ah! como a vida é ligeira !
Ah! como o tempo deflui !
Este espelho não mais fala
da criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui

Quedê rede balançando ?
Quedê peixinhos do mar ?
Quedê figo da figueira
pru passarinho bicar ?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar ?

Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar ?)
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.

Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos ? Onde Porthos ?
Onde o tímido Aramis ?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.

Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida,
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.

E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.

Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.

E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.

Quarenta anos, quarenta !
( E nem sequer percebi ! )
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.


Ruy Paranatinga Barata

Violão de Rua - 1962
(Cadernos de Povo Brasileiro)

Vem aí o Natal


CAMPIN, Robert, 1375-1444 - Anunciação (1420)

11 dezembro 2006

Quarenta

Não tenho escrito nada nos últimos dias porque andei muito ocupada a preparar a minha festa de anos e, depois, a descansar da minha festa de anos.
Por isso, só hoje posso vir anunciar solenemente que passei a barreira mais temida das mulheres de todo o mundo e arredores. Os QUARENTA!
Quarenta é uma palavra tremenda.
Quarenta anos passou o povo eleito no deserto.
Quarenta dias jejuou Jesus Cristo.
Quarenta dias, também, tem a quaresma.
Quando se tem uma doença contagiosa fica-se de quarentena.
Também me lembro de um filme (provavelmente pouco recomendável) que esteve em cartaz quando eu tinha uns oito anos e que se chamava "Quarenta, idade perigosa".
Aos quarenta é-se quarentona, o que rima com matrona e maratona (que tem... quarenta quilómetros).
Decididamente, queira-se ou não, quarenta tem um peso muito grande.
E há duas atitudes possíveis perante tal bicho-papão. Fingir que não se vê ou pegá-lo de frente.
Optei pela segunda atitude.
Pronto. Havia de chegar o dia. Já chegou. Já passou. Já tenho quarenta anos e três dias.
Entrei na ternura dos quarenta...

05 dezembro 2006

Entrevista no KØNTRÅSTËS

O blogue KØNTRÅSTËS, do João Ferreira Dias, está a publicar um conjunto de conversas informais mantidas via e-mail com os mais diversos bloggers. O objectivo é, nas palavras do seu autor, «conhecer um pouco mais do blogger que dá vida ao blogue e abrir uma cortina para o que move cada autor de blogue». No dia 2 foi publicada a entrevista com a minha humilde pessoa.

A ideia das entrevistas foi importada, pelo KØNTRÅSTËS, do Miniscente , do Luís Carmelo - que eu já aqui tinha referido e que vale sempre a pena continuar a acompanhar.
Quanto à minha entrevista, não a transcrevo, porque acho que devem mesmo visitar o KØNTRÅSTËS.