O meu leitor Gaspar deixou nos comentários este poema que eu adorei e decidi passar para um post.
Obrigada Gaspar.
Volta sempre!
Canção dos Quarenta Anos
Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corrí.
Quarenta anos, quarenta !
(Quantos mais ainda virão ?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão ?
Serei pasto da malária ?
Serei presa do avião ?
A morte engendra a esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem ?
Quem pode um homem julgar ?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar,
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã, de quem serei ?
Um homem é sempre segredos.
(Por qual deles purgarei ?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei ?
Que virtudes foram minhas ?
Que pecados confessar ?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar ?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar !
Ah! como a vida é ligeira !
Ah! como o tempo deflui !
Este espelho não mais fala
da criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui
Quedê rede balançando ?
Quedê peixinhos do mar ?
Quedê figo da figueira
pru passarinho bicar ?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar ?
Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar ?)
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos ? Onde Porthos ?
Onde o tímido Aramis ?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida,
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.
Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.
E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.
Quarenta anos, quarenta !
( E nem sequer percebi ! )
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.
Ruy Paranatinga Barata
Violão de Rua - 1962
(Cadernos de Povo Brasileiro)
13 dezembro 2006
Canção dos Quarenta Anos
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3 comentários:
www.kontraste.wordpress.com
Parabéns pelo aniversário e que conte muitos, aliás parece bem mais nova do que é.
bjs
Aos 40 anos, por norma, há uma certa ternura.
Os meus parabéns.
Beijos
Paulo
PS: Sou, talvez, demasiado humilde. Ainda gosto das pessoas desde que não pratiquem, é claro..., crimes hediondos..
https://filhosdeumdeusmenor.blogspot
Paulo
A humildade é como um bom perfume. Quem o tem, não o sente. Sente-o quem se aproxima.
Quem é realmente humilde não diz que o é. E não anda a plagiar o trabalho de outros para receber elogios.
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