Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

13 dezembro 2006

Canção dos Quarenta Anos

O meu leitor Gaspar deixou nos comentários este poema que eu adorei e decidi passar para um post.
Obrigada Gaspar.
Volta sempre!

Canção dos Quarenta Anos

Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corrí.

Quarenta anos, quarenta !
(Quantos mais ainda virão ?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão ?
Serei pasto da malária ?
Serei presa do avião ?

A morte engendra a esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.

Quem pode medir um homem ?
Quem pode um homem julgar ?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar,
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.

Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã, de quem serei ?
Um homem é sempre segredos.
(Por qual deles purgarei ?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei ?

Que virtudes foram minhas ?
Que pecados confessar ?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar ?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar !

Ah! como a vida é ligeira !
Ah! como o tempo deflui !
Este espelho não mais fala
da criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui

Quedê rede balançando ?
Quedê peixinhos do mar ?
Quedê figo da figueira
pru passarinho bicar ?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar ?

Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar ?)
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.

Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos ? Onde Porthos ?
Onde o tímido Aramis ?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.

Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida,
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.

E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.

Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.

E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.

Quarenta anos, quarenta !
( E nem sequer percebi ! )
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.


Ruy Paranatinga Barata

Violão de Rua - 1962
(Cadernos de Povo Brasileiro)

3 comentários:

Anónimo disse...

www.kontraste.wordpress.com

Parabéns pelo aniversário e que conte muitos, aliás parece bem mais nova do que é.

bjs

Paulo disse...

Aos 40 anos, por norma, há uma certa ternura.
Os meus parabéns.
Beijos
Paulo

PS: Sou, talvez, demasiado humilde. Ainda gosto das pessoas desde que não pratiquem, é claro..., crimes hediondos..
https://filhosdeumdeusmenor.blogspot

MCA disse...

Paulo
A humildade é como um bom perfume. Quem o tem, não o sente. Sente-o quem se aproxima.
Quem é realmente humilde não diz que o é. E não anda a plagiar o trabalho de outros para receber elogios.