Quem me conhece, mesmo que só aqui deste vosso espaço, sabe que eu sou uma rapariga imparcial. Demonstrei-o suficientemente, na altura do referendo ao aborto, apresentando argumentos de um e outro lado, apesar de eu própria ter uma posição sobre o assunto.
Faço o mesmo em relação à questão do empréstimo pago nas bibliotecas. Por essa razão transcrevo aqui, integralmente, sem correcções à pontuação e sem qualquer censura, o artigo publicado no site da Sociedade Portuguesa de Autores. Os destaques são os originais.
Espero que a SPA não me venha cobrar direitos...
«Transposição Incorrecta de Directiva Comunitária
«O Tribunal de Justiça Europeu (TJE), por acórdão de 6 de Julho último, decidiu que a República Portuguesa transpôs incorrectamente para a ordem jurídica nacional a directiva comunitária relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor. Isto é: o TJE considerou que o Estado português, ao isentar, do pagamento da remuneração devida aos autores, a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de tal directiva.
«"Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente" - diz, numa conversa com a "Autores", o colaborador da SPA na área jurídica Dr. João Laborinho Lúcio, que tem vindo a acompanhar o desenvolvimento desta questão.
«As consequências reais da decisão do TJE em breve serão conhecidas - mas a SPA sublinha que atempada e repetidamente tomou posição sobre esta questão, protestando contra a forma, canhestra e com anos de atraso, como o Estado português transpôs tal directiva, prejudicando gravemente os autores nacionais. E tinha razão, como agora se vê. Falta ver como serão os autores portugueses ressarcidos.
«Legisladores autistas. "A transposição da directiva em causa foi feita através do decreto-lei 332/97, de 27 de Novembro e importava, portanto, que o legislador nacional tivesse seguido as directrizes emanadas do dispositivo legal comunitário, sem prejuízo da liberdade que a mesma lhe confere, mas dentro dos seus limites" - começou por destacar João Laborinho Lúcio.
«Contudo, não foi isso o que aconteceu: "A forma como o legislador nacional ampliou a exclusão de não remunerar o direito exclusivo de comodato não a determinadas categorias de estabelecimentos, como impunha a directriz, mas a todos os estabelecimentos que promovem o comodato público é, em nosso entender, claramente violadora dos direitos dos autores porquanto estes, em circunstância alguma, vêem a utilização pelo comodato do seu trabalho criativo remunerada" - acrescentou JLL.
«Mais grave ainda: o legislador nacional, apesar de insistentemente alertado pela SPA, fez ouvidos de mercador. João Laborinho Lúcio explica como: "O governo defendeu a abrangência do conjunto de estabelecimentos beneficiários da isenção com o fundamento de que o estado de desenvolvimento cultural do país e a necessidade de incentivar a leitura aconselhavam a usar, de uma forma extensiva, a possibilidade de aplicação da isenção. E aí o governo viu a sua posição fortemente apoiada quer pelo Instituto Português do Livro e da Biblioteca quer pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas".
«Ora - diz JLL - "a SPA sempre entendeu que o governo tinha feito um uso excessivo da faculdade constante do artigo 5º, nº 3 da Directiva, ao estender o benefício da isenção a um número tão alargado de estabelecimentos. Dificilmente se encontra em Portugal uma entidade que proceda ao comodato de originais ou cópias de obras intelectuais protegidas que não se reconduza às categorias contempladas na lei".
«A SPA sempre assim entendeu e alertou em tempo útil, repetidas vezes, quem de direito. Mas em vão: o pior surdo é o que não quer ouvir.
«Argumento ultrapassado. Recorda o jurista: "Não deixando de ser sensível aos argumentos adiantados pelo governo, a SPA defende, como sempre defendeu, que a promoção da cultura e do acesso à mesma não poderão nunca ser prosseguidas desprotegendo o autor e o Direito de Autor, sob pena de não serem alcançados os objectivos pretendidos mas o seu inverso. "Aliás" - destaca - "velha é já a discussão entre a alegada bifurcação entre o direito de acesso à cultura e o direito à criação intelectual e respectiva protecção dos autores e dos seus direitos, dois direitos estribados na lei fundamental. Parece-nos, contudo, que esta bifurcação é aparente, pois que ambos os direitos só podem conduzir a um mesmo fim".
«Em abono desta tese, João Laborinho Lúcio diz depois: "Nunca é demais ressaltar um dos pensamentos saídos do II Congresso Ibero-Americano de Direito de Autor e Direitos Conexos de Lisboa (1994), a ele trazido por Carlos Alberto Villalba, um perito da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) segundo o qual a participação significativa na vida cultural e a utilização dos benefícios do progresso científico só são possíveis se existir uma protecção efectiva dos direitos de autor e uma conservação adequada da herança cultural. Na realidade, os primeiros necessitados de aceder às obras intelectuais são os criadores já que toda a criação procede de uma ordem cultural onde existe intercomunicação. A criação não procede do nada, o criador, em especial o criador de obras literárias e artísticas, tem pelo mesmo acto da criação uma incoercível necessidade de que a sua obra seja difundida e conhecida.
«Trata-se, portanto, de um argumento ultrapassado e desprovido de sentido, o da alegada dicotomia entre o direito de acesso à cultura e o direito de autor".
«Um pouco de história... Em resultado necessário e directo da forma como o Estado português transpôs a directiva comunitária n.º 92/100/CEE, a Comissão das Comunidades Europeias intentou contra a República Portuguesa o processo a que veio a ser dado o número C-53/05.
«Em síntese, a Comissão alegou que o artigo 5.°, n.°3 da directiva permite que os Estados-membros isentem "determinadas categorias" de estabelecimentos do pagamento da remuneração normalmente garantida pelo artigo 5.°, n.°1, em derrogação dos direitos exclusivos de comodato conferidos pelo artigo 1.°.
«No entanto, o artigo 6.°, n.°3, do Decreto-Lei 332/97 isenta todas as bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos. Por conseguinte, a derrogação abrange todos os serviços administrativos centrais do Estado, os organismos da Administração indirecta do Estado, como os institutos públicos e as associações públicas, todos os serviços e organismos da Administração Local, todas as pessoas colectivas de direito privado que desempenhem funções de natureza pública e até mesmo escolas e universidades privadas e instituições privadas sem fins lucrativos.
«Diz João Laborinho Lúcio: "Esta lista inclui todos os estabelecimentos que emprestam a título gratuito, portanto, todos os organismos que praticam o "comodato" nos termos do artigo 1.°, n.°3. Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente. Da transposição do artigo 5.° da directiva efectuada pela República Portuguesa resulta que nenhum estabelecimento que pratique o comodato público está obrigado ao pagamento da remuneração prevista no artigo 5.°, n.°1. Isto viola o direito de comodato exclusivo e a protecção que lhe confere a directiva".
«No âmbito deste processo, e depois das Conclusões da Advogada Geral Eleonor Sharpston apresentadas em 4 de Abril de 2006 que foi de opinião de que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.º, conjugado com o artigo 1.º, da directiva, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção), por acórdão de 6 de Julho de 2006, decidiu que a República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título de comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.º e 5.º da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.
«... e várias perguntas. Neste contexto, no ar ficam várias e pertinentes interrogações, como aponta João Laborinho Lúcio: "Sabendo-se de antemão, e não obstante a decisão ora proferida pelo Tribunal de Justiça, que o art. 5.°, n.°3 da directiva foi incluído para responder ao desejo de Estados-membros que pretendiam conservar a faculdade de isentar apenas as bibliotecas dos estabelecimentos de ensino e as bibliotecas públicas da obrigação de pagamento do direito de comodato público, pergunta-se se a opção legislativa nacional que não permite efectuar uma distinção válida entre as categorias de estabelecimentos não conduz, ao contrário do que se pretendia, à obrigação de impor a todos os estabelecimentos em causa o pagamento da remuneração em questão.
«Seja de que forma for, e responda-se como se responder à questão anterior, permitimo-nos levantar a questão de saber em que medida é que os autores ficaram lesados por não terem visto ao longo de anos o seu trabalho criativo devidamente remunerado por força da publicação de uma norma legal em clara violação de outra norma comunitária, e de que forma poderão ver esses seus eventuais danos devidamente ressarcidos".»
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8 comentários:
Tens alguma coisa contra quem rouba livros nas grandes lojas, tipo FNAC e assim? :)
Dark kiss.
Mientras no lo hagas en O "El Corte Inglés", no........
Menos do que tenho contra quem rouba velhinhas mas mais do que contra quem não rouba nada.
As bibliotecas públicas, ou as bibliotecas dos centros de ensino,como a nosa, fan un labor moi importante, que é fomentar a lectura, único xeito de ampliar cultura, que fai moita falla. Nós tamén falamos disto, o 21/04/07, se queres velo. Creo que todas as bibliotecas dos centros de ensino público galego estamos en contra do canon bibliotecario.
começando pelo princípio, fazes mal em ser imparcial.
devemos ser parciais e cascar a eito no que não concordamos.
(mas conhecendo-te, não te estou a ver de teclado em punho a brandir contra os infiéis)
a minha questão quanto á taxa de empréstimo nas bibliotecas públicas é muito simples:
se os autores querem uma taxa sobre os livros emprestados, as bibliotecas devem cobrar aos autores uma taxa sobre o serviço prestado de exposição e divulgação das obras desses autores.
de igual modo, as biliotecas e os centros culturais só fariam colóquios ou estudos sobre autores que pagassem a taxa devida ao serviço prestado.
e os jornais pelas entrevistas publicadas a cada livro que sai e a cada crítica feita.
o mesmo se passaria sobre teses de mestrado e doutoramentos feitos com base no estudo da obra de qualquer autor.
ou dito de outro modo mais ao meu jeito, mandava os autores que reclamam essa taxa...
ok, não digo que não se dizem coisas feias em frente de senhoras bem comportadas.
Há alguém que não rouba nada? Se tiveres dúvidas quanto ao domínio proprietário... transita para o domínio moral, político, sexual, etc, etc.
Somos todos ladrões.
Dark kiss.
Carlos, eu não sou é tendenciosa. Tenho a minha opinião, vou expô-la claramente, quando tiver tempo mas, entretanto, apresento os diversos pontos de vista. Uma questão de honestidade intelectual. E vício profissional, também.
Acho a tua ideia excelente! Afinal, as bibliotecas fazem publicidade gratuita aos autores (e gastam imenso dinheiro nisso, dinheiro dos seus orçamentos, logo, dos contribuintes). Não tinha visto as coisas desse ponto de vista. O meu ponto de vista é de bibliotecária, não de consumidora; o que me interessa é a promoção da leitura. Só que, de arrasto com a promoção da leitura, vai a promoção dos escritores. É como as campanhas para beber leite... patrocinadas por uma marca de leite!
Klatuu,
Às vezes roubar até pode ter um bom sentido...
«Nesta rua,
«nesta rua tem um bosque
«que se chama,
«que se chama solidão
«dentro dele,
«dentro dele mora um anjo
«que roubou,
«que roubou meu coração»
(Canção de roda brasileira)
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