17 agosto 2007
Toledo
Acabei de ler o livro "Lisboa: razão de amar" escrita pelo toledano Juan José Fernández Delgado. Percebo como é fácil um toledano gostar de Lisboa tal como sempre achei fácil um lisboeta gostar de Toledo.
Toledo é a única cidade espanhola onde, desde o primeiro instante, me senti em casa. Não sei explicar isso cabalmente, acho que há um conjunto de razões e não apenas uma razão. Não será apenas pelo Tejo que nos liga. O Tejo que, em Toledo, num caudal castanho, passa lá em baixo, rodeando o maciço rochoso que forma a velha cidade árabe, como um braço forte abraçando uma cintura estreita, é muito diferente em Lisboa, onde se espraia luminoso num espelho de água que dá à cidade esta luz branca e brilhante que parece vinda de todo o lado ao mesmo tempo.
Sob o sol escaldante da Mancha, Toledo é, contraditoriamente, luminosa e sombria. Fascina-me desde que descobri El Greco, também estrangeiro e também apaixonado por aquela luz escura, ora intrusiva, ora furtiva, caindo de chapa sobre as pedras roladas das calçadas íngremes ou esgueirando-se por detrás dos prédios seculares, altos e próximos como em Alfama.
Pintor de sensações visuais - que só 400 anos depois os impressionismo iria recuperar - Greco retratou Toledo como a guardamos na memória. Vista da margem esquerda do Tejo, com nuvens arroxeadas desabando verticalmente sobre a encosta, a Toledo de El Greco não é a Toledo fotográfica; é uma impressão da vista e da alma. Do mesmo ângulo, ao final da tarde, vinda não se percebe bem de onde, uma luz dourada ilumina horizontalmente as paredes cor-de-tijolo dos edifícios em cascata, produzindo uma coloração completamente estranha para uns olhos habituados a esta luz franca de Lisboa, a esta luz branca e azul do Atlântico.
A primeira vez que fui a Toledo, ia cheia de expectativas e com um íntimo receio de me desiludir. Seria apenas mais uma cidade espanhola como as outras? Mais prédios de tijolo com os rés-do-chão entaipados? Mais rectângulos sem cantaria em lugar de janelas? Mais passeios de cimento? Se calhar seria uma desilusão como já tinha sido Madrid. Ou talvez tivesse aquela monumentalidade grandiosa de Salamanca, de Sevilha ou de Córdova, belíssimas para visitar mas onde nunca senti vontade de permanecer.
Mas não. Toledo não me desiludiu. Pelo contrário, em Toledo, apetecia-me ter um cantinho para poder ir lá sempre que quisesse, pôr-me à janela e olhar para a rua a ver a vida passar. Apetecia-me estar lá o tempo suficiente para ir às compras de manhã, passear nas ruas desabitadas à hora da siesta, tomar um chá no largo ao final da tarde e recolher a casa ao escurecer porque, à noite, Toledo é sossegada, não tem movida nem as sofisticações nocturnas de outras cidades espanholas e que a minha alma lusitana dispensa.
Não sei se Toledo é a cidade mais bonita de Espanha porque não as conheço todas e porque a beleza de uma cidade não se mede pelos monumentos. Mas é, seguramente, de todas as cidades espanholas que conheço, a mais doce, a mais poética e a mais amável.
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22 comentários:
Gostei mesmo da tua evocação literária e de Toledo. Escreves muito bem. Parabéns:)
Sem arte a vida não mereceria ser vivida nem ser lembrada. A arte é a criação,o registo de memórias, um propagar de sentimentos e emoções. Quem gosta de arte nunca está sozinho porque traz o mundo inteiro consigo.
A tua escrita é tudo isto. Parabéns
Há poesia na forma como descreveste Toledo; a aguçar o apetite para uma visita mais atenta. Farei minhas as palavras dos anteriores comentadores. Escreves de forma divina.
Parabéns.
Bj
Tenho q te dar os parabéns, de facto escreves mt bem...
Escreve de uma forma poetica, e olha que eu sei o que é isso, pois escrevo poemas nos meus tempos livres...
Adoro Toledo, param mim tb das cidades mais belas de Espanha...
Muito bom o teu gosto!!!
bjs
José Pedro
Acepto tu invitación y muchas gracias. También te seguiré en Paper Music, enhorabuena por los blogs.
Toledo já foi vista pelo Domenikos. Agora está a ser vista por nós. Mesmo que não percebamos nada de pintura, temos sempre algo a dizer dos sítios por onde passamos. Gostei.
Beijinhos
Em relação ao post da petição em relação às bibliotecas não consigo aceder à página, mesmo seguindo o endereço no cartaz. É possível disponibilizar o link?
acabei de ler um livro agora também, mas ainda não postei sobre ele porque tinha um outro post na fila. adorei a indicação do livro. beijos, pedrita
queria agradecer-lhe a visita ao meu extinto blog (ou posto de molho, não sei..)
vi no seu perfil que se interessa por fotografia... gostaria de lhe perguntar se tem algum site de fotos, isto se o quiser divulgar, note-se, e aproveito para lhe dar a conhecer este de que eu gostei muito.
http://www.switchimage.com/phlog/phlog.html
Cãorafeiro,
Obrigada pela indicação.
Não tenho um site de fotografia. Durante anos fiz fotografias a p&b numa Praktica (ainda fabricada na RDA) que morreu afogada em Porto Covo. Depois comprei uma Nikormat em segunda mão. Mas os custos tornaram-se incomportáveis quando o meu dinheiro deixou de ser só para essas coisas e passou a ser necessário para coisas mais prosaicas como a hipoteca da casa. Deixei de fotografar porque não me dava gozo andar a racionar as fotografias que tirava. Há meses comprei uma reflex digital e ainda estou a aprender a usá-la. Não dá o mesmo gozo da máquina manual mas permite o luxo de fazer 1000 fotografias para aproveitar 100...
eu sou fã do digital, porque descobri tarde o meu interesse pela fotografia, quer dizer, descobri só há pouco tempo que tinha jeito, ou seja, que consigo olhar e escolher os melhores planos.
agora, olhando para trás, constato que aquelas fotos de férias que eu tirava quando alguém me emprestava uma aparelho até eram muito boas, para quem não tinha conhecimenos nenhuns...
mas, antes do digital nunca teria tido dinheiro para sustentar o vício.
caso queira espreitar...
http://www.flickr.com/photos/sarahfranco/
Sem qualquer despeito, pois aprecio muito o trabalho dos grandes fotógrafos, sem despeito, repito, eu sempre quiz saber o que é que o comum dos mortais conseguiria fazer se tivesse o acesso aos equipamentos que os fotógrafos das grandes agências têm. Pensar que um Sebastião Salgado trabalha com uma Leika e tem ao seu dispor uma fortuna em filme, em filtros e em laboratório, o que lhe permite desperdiçar 2000 fotos por cada uma que expõe, a qual, entretanto, foi manipulada no laboratório para melhorar o contraste, a luz, etc...
O digital dá-nos uma pequena possibilidade de experimentar essa sensação de fotografar sem constrangimentos financeiros. O resto está no olhar de cada um.
Concordo plenamente. Desde que tenho a digital, o rolo já não se gasta... mas, quando é para tirar, o cartão SD até chia! E graças a Deus pelas pilhas recarregáveis!
Toledo conheço... mas não o autor.
Eu também não conhecia Juan José Fernández Delgado. Foi uma compra daquelas que se fazem na feira do livro, olha que giro, um espanhol a escrever sobre Lisboa, deixa cá ver o que é que ele diz. Gostei do livro, o estilo não faz o meu género mas a tradução é muito má e talvez isso prejudique.
Toledo, antes da ocupação árabe, foi a capital do Reino Visigótico. Situando-nos no plano do que se sente e não explica, talvez faça sentido que desperte esse inevitável afecto.
PJA
É possível que também tenha a ver com isso. É um conjunto de coisas. Coisas mais terra a terra como o próprio relevo da cidade também terão influência. Apesar de não ser sequer parecida com Lisboa, é impossível um lisboeta chegar a Toledo e não sentir ali qualquer coisa de familiar. Daí talvez também o encanto que Lisboa causa ao toledano que escreveu o livro de que eu falei. Embora ele não faça comparações e nunca mencione Toledo.
« olha que giro, um espanhol a escrever sobre Lisboa»
Lê Enrique Vila-Matas.
Klatuu
Obrigada, vou mesmo ler.
OFF TOPIC:
Estou muito desiludido.
Para quando o sexto post sobre bibliotecas?
Necessito de continuar a aperfeiçoar a nobre arte do assédio sexual por post que pratico tão mal e vossa excelência é a vitima ideal.
Sangue e o sexto post!
Dêem-me sangue e o sexto post!
O meu reino pelo sexto post!
«Vale mais a paciência que o heroísmo, vale mais quem domina o coração do que aquele que conquista uma cidade.»
(Provérbios 16,32)
MCA:como já respondi noutro lado pouco recomendável; estou destroçado...
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