Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

04 julho 2008

Olhares (2)

Já devem ter reparado que, nos últimos quatro meses, tenho sentido alguma dificuldade em exprimir-me por palavras. Quem visita habitualmente a Biblioteca de Jacinto sabe o que aconteceu há quatro meses e compreende. As palavras não têm sido generosas para mim, têm-me faltado, falhado, fugido.
Ultimamente, sinto-me mais confortável sem as palavras. Prefiro as imagens. E os meus amigos, que não me têm abandonado e têm batido à porta desta biblioteca com uma perseverança discreta e confiante, merecem um sinal de que vou estando viva... mais ou menos.
Por isso, aqui vos deixo algumas das minhas inclusões em Olhares.com





4 comentários:

manuel cardoso disse...

Num comment a um artigo do Paulo Portas sobre Hannah Arendt, um dia repesquei umas palavras que tinha escrito algures:
Apesar de eu estar de acordo com o meu amigo Paulo Portas que, há dias, escrevia n’O Sol que não estima a astrologia das datas que faz com que uma sujeita só seja importante quando faz 100 anos que nasceu ou 50 que morreu e que tal é uma crendice nos números redondos que transforma a memória em fetiche – e devo dizer ainda que não só nisto como no resto desse artigo Hanna e os Demónios (pode ler-se nos blogues d’O Sol) eu subscreveria cada linha por si pensada e redigida – , não resisto, nesta semana, vir aqui evocar um centenário. O do nascimento de um homem, ocorrido em 9 de Novembro de 1906 em Macedo de Cavaleiros.
Trata-se de um homem cuja existência começou por decorrer meio século antes da minha mas que me acompanhou passo a passo, fazendo com que esse aparente desfasamento, de cinco décadas, mais não fosse do que a distância necessária para ter uma boa perspectiva da vida. A da perspectiva humana, a de quem vê o drama humano desenrolar-se e só fazer sentido quando, lá no fundo, se percebe um ponto de fuga, um ponto de convergência.
Aprendi com ele a ter sempre na mira esse ponto de fuga, brilhante, seguro. Constante mesmo na maior das adversidades. Permanente mesmo na maior das euforias. Sempre presente, mesmo na maior das desorientações.
Esse ponto de fuga, verdadeira referência para todos os passos da vida, é um ponto de fuga sobrenatural. Que está lá, que nos espera, para o qual se orienta tudo na vida quando se vive mais do que a própria vida.
No fundo, o que esse homem me ensinou de mais valioso, foi precisamente o de se viver mais do que a nossa própria vida. Com todas as nossas incapacidades humanas, os nossos fracassos, os nossos medos, as nossas infelicidades do dia a dia, todas estas coisas negativas mas finitas, à medida da escala da nossa vida. Com todas as nossas boas acções, a nossa atenção para com quem está à nossa volta, o nosso sucesso na ajuda aos outros, a alegria de cada passo na direcção do sobrenatural, todas estas coisas positivas e infinitas, à medida da eternidade.
A vida desse homem, sete dezenas de anos, decorreu toda no século XX. Informado e atento, não era um filósofo nem um intelectual mas, como a Hannah Arendt, aprendeu e ficou a saber que todos os excessos desse século tinham a ver com o facto do socialismo científico, do nacional-socialismo e do comunismo pretenderem um sistema em que os homens sejam supérfluos. Precisamente o contrário do dia a dia da sua vida, em que as mulheres e os homens eram e são, no essencial e profundamente, seres dignos de respeito, pessoas preciosas na sua irrepetibilidade. Dignos de serem ajudados em qualquer das suas dificuldades, dignos de serem compreendidos em qualquer dos seus insucessos, dignos de serem cumprimentados por qualquer dos seus êxitos.
Pensando um pouco nele – e recordo-o muitas vezes – não o faço sem uma pontinha de emoção. Vejo-o ainda a abrir o jornal, a dobrar e a guardar o lenço, a distribuir-nos as cartas de jogar, a tomar café com um prazer de apreciador, a cumprimentar e a falar com alguém com o empenho de quem quer demonstrar atenção e afecto pelos assuntos e preocupações dos outros.
Reverente com cada momento que a vida lhe trouxe, soube-nos ensinar que a morte um dia viria ao nosso encontro como uma janela aberta para a eternidade. Nessa janela aprendemos que estava, sempre a brilhar, o tal ponto de fuga convergente para o sobrenatural. Uma janela que se abre com amor. O amor pelos outros. O amor que dele tivemos e que numa noite, numa marquesa do hospital de Macedo, escancarou para ele as suas portas brilhantes.
No dia 9 de Novembro, o meu Pai teria cem anos.

manuel cardoso disse...

o comment anterior é muito longo. Pode apagá-lo sem qualquer ofensa!...

MCA disse...

Pelo contrário. Se me autorizar, gostaria de o publicar. Muito obrigada.

T disse...

As imagens também falam:)
Um beijinho