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20 fevereiro 2009

Fados

Quando olho para trás (e já tenho vinte anos de vida activa), nunca, durante os meus estudos universitários, eu pensei em ser bibliotecária.
Pensei em ser uma espécie de Indiana Jones, viajando pelo mundo a encontrar tesouros incalculáveis; pensei em ser fotógrafa da National Geographic; pensei em ser adida cultural e organizar actividades sobre cultura portuguesa em países exóticos; pensei (mais realisticamente) em trabalhar no pelouro cultural de uma câmara municipal e organizar eventos culturais.
Entrei para a Biblioteca Nacional no projecto de Inventário do Património Cultural Móvel em que tinha três opções: bibliotecas, arquivos e museus. Museus foi a minha primeira opção e bibliotecas a última mas foi aquela em que acabei por ser admitida.

Agora, o que é curioso é que, afinal, descobri que este mundo (que eu não escolhi verdadeiramente) acabou por me dar muito do que eu procurei noutras actividades: não ando pelo mundo a encontrar tesouros incalculáveis mas descobri o valor extraordinário de trazer ao conhecimento dos investigadores os tesouros desconhecidos que se encontram nas bibliotecas; não sou adida cultural mas posso contribuir, com o meu trabalho de bastidores, para a divulgação da nossa cultura; não organizo eventos culturais mas ajudo à sua realização.

Já me tenho queixado da falta de vantagens laborais (carreira, vencimento, etc.) mas da grande compensação em termos de realizações. Descobri que realmente o mais importante é sermos bons naquilo que fazemos, trabalharmos com perfeccionismo e desfrutar o prazer de ver o nosso trabalho reconhecido por quem é, realmente, importante: os nossos colegas e os nossos leitores.

Hoje, digo-o sem qualquer desdém, não trocaria esta profissão por nenhuma outra.

Se ganhasse o euromilhões, talvez deixasse este emprego pelas desvantagens que apresenta em termos de horários e carreira. Mas abriria uma livraria especializada, daquelas que têm obras que mais ninguém tem porque não são rentáveis mas que são procuradas pelos leitores mais atentos que vão lá, de propósito, procurar um determinado livro, fazer uma encomenda ou pedir ajuda para obter uma edição esgotada.
Tal como faço agora, faria um atendimento personalizado, conversaria com os clientes e faria amigos entre eles; sairia todos os dias tarde abrindo ainda a porta se algum aparecesse depois da hora de fecho e atendendo-o com a mesma atenção com que os atendo aqui.

Com a idade, percebemos que a nossa vida nunca é como imaginámos aos 10, aos 15 ou aos 20 anos. Nunca. Para o melhor e para o pior.

O nosso destino não depende de nós. Mas aquilo que fazemos com o que o destino nos reserva, isso sim, só nós podemos decidir.

4 comentários:

Anónimo disse...

ser feliz é mesmo isso !
adida cultural em países exóticos;;;; muito imaginativa !

Anónimo disse...

"... a vida, às vezes, pode ser muito, muito estranha" (Roger Scruchton, in 'Guilherme e o Gui dos Parsons').
Lembras-te? :)

Anónimo disse...

Peço desculpa. O Roger Scruton (e não "Scruchton", como, por duplo lapso, escrevi) é outro autor. Eu referia-me ao Richmal Crompton. Não tem nada a ver, eu sei, mas,
a memória, às vezes, pode ser muito, muito estranha...

MCA disse...

Pois, eu bem andei à procura do Scruchton na Porbase!...