Tem-se falado muito (nos meios que se interessam por estas coisas, claro) na criação de uma Fonoteca Nacional. Tem-se falado mais disso agora porque a Senhora Ministra da Cultura anunciou a sua criação no final do ano transacto, como cumprimento de um dos pontos do Programa de Governo para a área da Cultura.
Devo dizer que tal instituição só peca por tardia e só me surpreende que tal não tenha sido anunciado há mais tempo: e "há mais tempo" não quer dizer no governo anterior, quer dizer há décadas. Se a fundação da Real Biblioteca Pública da Corte (hoje, Biblioteca Nacional de Portugal), em 1796, pela Rainha D. Maria I, dista mais de três séculos desde a invenção de Gutenberg, já parecia que teríamos de esperar outro tanto, desde a invenção Thomas Edison, para a criação de uma Fonoteca Nacional.
Alvíssaras, parece que, afinal, não temos de esperar tanto.
No entanto, como tem sido habitual nas políticas culturais deste país, pelo menos desde que vivemos em Democracia (outros contextos implicam outras avaliações), as coisas são pensadas para o imediato, mesmo quando vêm embrulhadas numa aparente "visão de futuro".
Esta minha reflexão decorre da entrevista que ouvi hoje, na Antena 2, à Senhora Ministra da Cultura, a pianista Gabriela Canavilhas, onde ela, entre outras coisas, admitia que a Fonoteca Nacional viesse a depender - ou ficar associada, não percebi bem - ao Museu da Música.
Uma Fonoteca Nacional é uma coisa demasiado grande, demasiado séria e demasiado perene para ser criada sem uma grande reflexão prévia porque os erros pagam-se caros e prolongam-se no tempo de forma irreversível.
Em primeiro lugar, é preciso saber o que se pretende que seja a Fonoteca Nacional. Não se pode ficar pela conversa de café, pelo senso comum.
Do que se fala, afinal, quando se fala de uma Fonoteca Nacional?
De um equivalente à Biblioteca Nacional para discos e cassetes, uma instituição que recebe o Depósito Legal dos fonogramas?
De um equivalente ao Arquivo Nacional das Imagens em Movimento mas para registos sonoros de arquivo?
De um misto das duas, uma instituição patrimonial que reúna, em simultâneo, as funções de fonoteca (literalmente, colecção de registos sonoros) e de arquivo sonoro?
Em qualquer dos casos, tal instituição terá de ter uma autonomia institucional equivalente à da Biblioteca Nacional e à da Torre do Tombo.
Em ambos os casos, ainda, a sua organização terá de obedecer a princípios técnicos biblioteconómicos e arquivísticos, no que diz respeito ao desenvolvimento das colecções, ao tratamento documental e à gestão da informação. Nunca a princípios técnicos museológicos.
Outras questões se colocam:
Tal Fonoteca Nacional conterá apenas os registos sonoros de música ou abrangerá todo o património sonoro português?
Em qualquer dos casos, quem recolherá os audio-livros? A Fonoteca Nacional ou a Biblioteca Nacional?
Se a Fonoteca Nacional tiver também a função de Arquivo Nacional de Som (com funções equivalentes à Torre do Tombo), recolherá os registos oficiais das instituições públicas, por exemplo, os da Assembleia da República?
Como se evitará o desmembramento dos fundos?
Ou recolhe uns e outros não? A selecção fica sujeita a que critérios?
Poderá esta instituição recolher em depósito ou em incorporação, o Arquivo Sonoro da Emissora Nacional?
Finalmente, a questão onde todas as porcas torcem o rabo:
E o pessoal técnico? Vem de onde, se todos os ministérios e instituições públicas estão a reduzir pessoal e os que estão já não chegam para as necessidades?
Vêm de fora, então? Novos funcionários públicos?
E que formação lhes vai ser exigida, agora que foram extintas as carreiras técnicas superiores de Arquivo e de Biblioteca e Documentação?
Não tenho respostas e duvido que alguém seja tão iluminado que as tenha, pelo menos para todas estas questões.
Espero que a Fonoteca Nacional seja criada, sim, mas depois de haver respostas para estas e outras questões. E espero que quem decide se lembre de perguntar a quem sabe.
Devo dizer que tal instituição só peca por tardia e só me surpreende que tal não tenha sido anunciado há mais tempo: e "há mais tempo" não quer dizer no governo anterior, quer dizer há décadas. Se a fundação da Real Biblioteca Pública da Corte (hoje, Biblioteca Nacional de Portugal), em 1796, pela Rainha D. Maria I, dista mais de três séculos desde a invenção de Gutenberg, já parecia que teríamos de esperar outro tanto, desde a invenção Thomas Edison, para a criação de uma Fonoteca Nacional.
Alvíssaras, parece que, afinal, não temos de esperar tanto.
No entanto, como tem sido habitual nas políticas culturais deste país, pelo menos desde que vivemos em Democracia (outros contextos implicam outras avaliações), as coisas são pensadas para o imediato, mesmo quando vêm embrulhadas numa aparente "visão de futuro".
Esta minha reflexão decorre da entrevista que ouvi hoje, na Antena 2, à Senhora Ministra da Cultura, a pianista Gabriela Canavilhas, onde ela, entre outras coisas, admitia que a Fonoteca Nacional viesse a depender - ou ficar associada, não percebi bem - ao Museu da Música.
Uma Fonoteca Nacional é uma coisa demasiado grande, demasiado séria e demasiado perene para ser criada sem uma grande reflexão prévia porque os erros pagam-se caros e prolongam-se no tempo de forma irreversível.
Em primeiro lugar, é preciso saber o que se pretende que seja a Fonoteca Nacional. Não se pode ficar pela conversa de café, pelo senso comum.
Do que se fala, afinal, quando se fala de uma Fonoteca Nacional?
De um equivalente à Biblioteca Nacional para discos e cassetes, uma instituição que recebe o Depósito Legal dos fonogramas?
De um equivalente ao Arquivo Nacional das Imagens em Movimento mas para registos sonoros de arquivo?
De um misto das duas, uma instituição patrimonial que reúna, em simultâneo, as funções de fonoteca (literalmente, colecção de registos sonoros) e de arquivo sonoro?
Em qualquer dos casos, tal instituição terá de ter uma autonomia institucional equivalente à da Biblioteca Nacional e à da Torre do Tombo.
Em ambos os casos, ainda, a sua organização terá de obedecer a princípios técnicos biblioteconómicos e arquivísticos, no que diz respeito ao desenvolvimento das colecções, ao tratamento documental e à gestão da informação. Nunca a princípios técnicos museológicos.
Outras questões se colocam:
Tal Fonoteca Nacional conterá apenas os registos sonoros de música ou abrangerá todo o património sonoro português?
Em qualquer dos casos, quem recolherá os audio-livros? A Fonoteca Nacional ou a Biblioteca Nacional?
Se a Fonoteca Nacional tiver também a função de Arquivo Nacional de Som (com funções equivalentes à Torre do Tombo), recolherá os registos oficiais das instituições públicas, por exemplo, os da Assembleia da República?
Como se evitará o desmembramento dos fundos?
Ou recolhe uns e outros não? A selecção fica sujeita a que critérios?
Poderá esta instituição recolher em depósito ou em incorporação, o Arquivo Sonoro da Emissora Nacional?
Finalmente, a questão onde todas as porcas torcem o rabo:
E o pessoal técnico? Vem de onde, se todos os ministérios e instituições públicas estão a reduzir pessoal e os que estão já não chegam para as necessidades?
Vêm de fora, então? Novos funcionários públicos?
E que formação lhes vai ser exigida, agora que foram extintas as carreiras técnicas superiores de Arquivo e de Biblioteca e Documentação?
Não tenho respostas e duvido que alguém seja tão iluminado que as tenha, pelo menos para todas estas questões.
Espero que a Fonoteca Nacional seja criada, sim, mas depois de haver respostas para estas e outras questões. E espero que quem decide se lembre de perguntar a quem sabe.
4 comentários:
Provavelmente, ninguém se lembrará de perguntar absolutamente nada, porque esta ideia (nem sequer é nova) vai, molemente, passar para uma equipa que estuda e propõe, a qual nem deve estar nomeada ainda, e é duvidoso que daí saia algo de útil. Quanto à sua associação ao Museu da Música, só terá sentido se for uma fonoteca de música, o que me parece muito redutor, pois a maior parte dos registos sonoros não é musical. Será, portanto, uma "musicoteca".
Enfim, foi mais uma entrevista política de alguém que, por ser música, achou isto bom de se dizer, como acharia bom dizer coisas sobre artes plásticas se fosse pintora.
É isto a política cultural em Portugal. Pessoalmente, tenho a convicção de que essas inócuas afirmações são movidas pelas melhores intenções. Em geral, não creio que os membros de um qualquer Governo sejam mal intencionados, pois todos querem ficar bem com a sua consciência e com a História. O que acontece é que, geralmente, não sabem muito do que andam a fazer e, além disso, não são dotados de visão de conjunto dos problemas. Tudo o que em Portugal é proposto, em especial na área da cultura, é avulso e marcado pela "incultura". É estrutural esta ausência de ideias sólidas acerca dos assuntos.
O ministério da Cultura só tem sentido (se é que tem algum) se desempenhar uma função articulada com a política do Governo. E, se o Governo da Nação visa defender a comunidade nacional no plano externo e promover o bem comum no plano interno, então, o M. da Cultura deve dirigir a sua actividade à defesa dos valores culturais nacionais e ao aumento do conhecimento daquelas coisas que engrandecem o espírito humano. Tudo isso pode ser (embora não seja esse o primeiro objectivo) economicamente rentável (veja-se a Itália e o que ganha ao promover e divulgar a sua cultura) e politicamente eficaz.
Mas, que diacho!, que digo eu?
Alguém está preocupado com isso?
Alguém tem uma ideia global acerca da defesa dos valores nacionais?
Um PM que considera, nas suas próprias palavras, que mudou a sociedade portuguesa, integrando-a finalmente no mundo civilizado, porque liberalizou o aborto e permitiu o casamento gay, pode ter alguma ideia sobre interesse nacional ou destino histórico?...
Enfim, pode ser que, entre o record nacional do deficit e o record nacional do desemprego, com o acordo ortográfico à porta e o TGV a superar o Alfa em 20 minutos e muitos milhões de contos, pode ser, de facto, que a melhor recordação que tenhamos desta gentalha seja... uma grande fonoteca.
Nem nesse caso faria sentido depender do Museu da Música. Por razões técnicas que, quem decide pode não conhecer mas tem a obrigação de perguntar.
Ora, aí está! Portanto, vai dar asneira...
Mas, eu nem falei de "depender" do Museu. Falei só de associar, pois, mesmo sem saber do assunto, achei que a coisa não seria pacífica.
Em qualquer caso, não interessa. Vai dar asneira!
Peço desculpa...com o Orçamento do M.Cultura...Fonoteca Nacional?
Compreendo que um músico com responsabilidades políticas gostasse de concretizar o projecto...mas não é o músico que fala, é o político.
Como sempre acontece, será criada uma Comissão constituida por notáveis musicais...que ponderará durante eternidades até elaborar um projecto, que será alvo de atento estudo por parte dos responsáveis do Ministério....até se concluir que não há verbas...e o projecto passará ao pó da gaveta a aguardar melhores dias...
Oxalá esteja enganado!
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