«É raro encontrar épocas em que a generalizada decadência dos valores seja tão vasta como hoje. Nas grandes crises do passado pode ter havido infracções generalizadas de preceitos morais ou discrepâncias graves acerca dos valores a defender mas não se punha em causa a bondade dos valores em si mesmos nem se podia admitir que uma sociedade pudesse viver sem eles. Houve lutas implacáveis em nome de sistemas de valores opostos entre si mas não descrença na sua eficácia ou na sua necessidade para a integração do indivíduo na sociedade e a preservação do bem comum. [...]
Hoje, porém, põe-se em causa a própria fundamentação teórica da escala de valores que herdámos do passado; essa dúvida estende-se a todo o globo terrestre porque afecta uma civilização, a europeia, e esta tornou-se universal. Não se trata só de verificar a ineficácia prática dos valores ou a incapacidade de qualquer instância moral suficiente para os ditar [...].
Pense-se nos valores transcendentais de bem, de beleza ou de justiça e nos mais políticos (isto é, relativos à polis) de liberdade, progresso, democracia, solidariedade, bem comum ou autoridade. Fala-se muito nestes ideiais mas os discursos não persuadem ninguém. Julga-se que quem mais os invoca é quem menos acredita neles. [...]
Uma análise global do mundo de hoje conduz, portanto, a uma visão terrivelmente pessimista do futuro.»
(José Mattoso, 2000)
5 comentários:
Parece-me que esta descrença no Homem foi bem prognosticada em Nietzsche. Ele ficaria certamente orgulhoso de ter acertado em cheio na decadência irreversível do Humano.
Mahler, Agagietto da "Quinta" a capella é a sua (MCA) rememoração afectiva em mim.
Cada vez estou menos cuidadoso no que escrevo. Repare que eu queria escrever adagietto. Mil perdões.
Sem comentários. Pelo menos aqui... :-)
O devir da própria história universal, que se corporizou numa complexidade terrível, abre em cada ser humano o grito de velhas/novas feridas narcísicas, não se compadece com litanias nostálgicas que embalsamam momentos do passado, sonhado e nunca realizado, como parece ser o caso deste texto de J. Mattoso.
Como disse Goethe, anunciando que o novo heroísmo está nessa fidelidade vertical ao presente, como trânsito de um passado que o espírito abre pela teoria e como trânsito também a um futuro pela acção: "Im Anfang war die Tat".
Afinal, a história no seu devir parece ter sido comandada pelo desígnio de fazer emergir o homem, na sua solidão radical e no seu esforço prometeico de caminhar com os outros à procura de sentidos autênticos e de formas de convivência mais iguais e livres.
O devir da própria história universal, que se corporizou numa complexidade terrível, abre em cada ser humano o grito de velhas/novas feridas narcísicas, não se compadece com litanias nostálgicas que embalsamam momentos do passado, sonhado e nunca realizado, como parece ser o caso deste texto de J. Mattoso.
Como disse Goethe, anunciando que o novo heroísmo está nessa fidelidade vertical ao presente, como trânsito de um passado que o espírito abre pela teoria e como trânsito também a um futuro pela acção: "Im Anfang war die Tat".
Afinal, a história no seu devir parece ter sido comandada pelo desígnio de fazer emergir o homem, na sua solidão radical e no seu esforço prometeico de caminhar com os outros à procura de sentidos autênticos e de formas de convivência mais iguais e livres.
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