Estão a crucificar e a enxovalhar a pobre senhora espanhola, D. Cecília, a octogenária que, na sua ingenuidade e boa vontade, tentou restaurar uma pintura que ela se condoía de ver degradar. Ninguém se preocupou antes com a degradação da pintura que, vê-se pelas fotografias, estava a desaparecer. Fica-se agora a saber que toda a gente viu o que ela andava a fazer, a começar pelo Padre que a autorizou para poupar num restaurador profissional. Lá (como cá) os membros do clero (salvas as excepções que confirmam a regra) primam pela falta de cultura. Basta entrar numa igreja à hora da Missa, da mais remota aldeia à mais chique paróquia de Lisboa, para ficar confrangido com o nível de degradação a que desceu a arte na Igreja Católica. Desde o omnipresente violão à bateria e à guitarra eléctrica, tudo serve para infestar as cerimónias sacras. A qualidade da música está abaixo do nível mais pimba das cassetes de feira. Os cantores, na melhor das hipóteses, são idosos a arrastar as melodias à mesma velocidade a que arrastam os pés e, na pior, são uns jovens com vozinhas de cana rachada, cheios de tiques de baladeiro e de inflexões meladas. As igrejas, quando, por azar, tiveram obras, estão revestidas a azulejos de casa-de-banho ou esventradas numa das fachadas laterais para alojar uns lugares extra. Quando são novas, pouco ou nada se distinguem de armazéns de bacalhaus.
A Igreja Católica que, durante séculos, foi o fecundo ventre de onde saíu a mais sublime arte que a humanidade produziu e alguns dos mais notáveis artistas e intelectuais da nossa civilização, está de rastos.
O caso da D. Cecília - pobre senhora... - é apenas um sinal, talvez nem muito relevante, do que é a Igreja Católica hoje.