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24 agosto 2012

D. Cecília

Estão a crucificar e a enxovalhar a pobre senhora espanhola, D. Cecília, a octogenária que, na sua ingenuidade e boa vontade, tentou restaurar uma pintura que ela se condoía de ver degradar. Ninguém se preocupou antes com a degradação da pintura que, vê-se pelas fotografias, estava a desaparecer. Fica-se agora a saber que toda a gente viu o que ela andava a fazer, a começar pelo Padre que a autorizou para poupar num restaurador profissional. Lá (como cá) os membros do clero (salvas as excepções que confirmam a regra) primam pela falta de cultura. Basta entrar numa igreja à hora da Missa, da mais remota aldeia à mais chique paróquia de Lisboa, para ficar confrangido com o nível de degradação a que desceu a arte na Igreja Católica. Desde o omnipresente violão à bateria e à guitarra eléctrica, tudo serve para infestar as cerimónias sacras. A qualidade da música está abaixo do nível mais pimba das cassetes de feira. Os cantores, na melhor das hipóteses, são idosos a arrastar as melodias à mesma velocidade a que arrastam os pés e, na pior, são uns jovens com vozinhas de cana rachada, cheios de tiques de baladeiro e de inflexões meladas. As igrejas, quando, por azar, tiveram obras, estão revestidas a azulejos de casa-de-banho ou esventradas numa das fachadas laterais para alojar uns lugares extra. Quando são novas, pouco ou nada se distinguem de armazéns de bacalhaus.


A Igreja Católica que, durante séculos, foi o fecundo ventre de onde saíu a mais sublime arte que a humanidade produziu e alguns dos mais notáveis artistas e intelectuais da nossa civilização, está de rastos.

O caso da D. Cecília - pobre senhora... - é apenas um sinal, talvez nem muito relevante, do que é a Igreja Católica hoje.

2 comentários:

Professor disse...

"esventradas numa das fachadas laterais para alojar uns lugares extra." Estará por acaso a referir-se à Igreja dos Santos Reis Magos do Campo Grande? Ajudei muitas vezes à missa, tanto no altar-mor como nos laterais do lado da Epístola que foram destruídos para ampliar a Igreja, sobre o antigo cemitério e horto, por onde se acedia à casa do pároco. Que saudades. A última vez que a visitei foi em 1999 ou 2000 para velar o meu irmão mais novo. E o espólio bibliográfico que durante anos compulsei mas de onde nem uma folhinha trouxe, constou-me que, depois da morte do Monsenhor Filipe dos Reis, desapareceu durante o exercício paroquial de um ex-capelão da Força Aérea, cujo nome me não recordo e que chamou a si todas as funções de gestão leiga da freguesia, incluindo a Irmandade do Santíssimo Sacramento, guardiã dos bens materiais da paróquia, incluindo o Tesouro das Alfaias que nem os franceses da primeira invasão conseguiram desbaratar. Havia centenas de documentos impressos e manuscritos, sendo muitos anteriores ao Terramoto de 1755. Realmente, nós portugueses somos uns perdulários culturais para não dizer mesmo Terroristas Culturais. Mas, como muito bem diz, os exemplos pululam por esse país além.

Tio do Algarve disse...

É mesmo como diz...A pobre octogenária fez o que lhe pediram! final não é só em Portugal que isto se passa. É confrangedor este negligenciar de responsabilidades de cada um. Em particular das instituições.