Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

27 dezembro 2012

2012

2012 está a acabar. Foi um ano muito cheio mas que pouco partilhei convosco, visitantes desta vossa biblioteca. Já devem ter reparado que tenho tentado recuperar um pouco o hábito perdido de aqui escrever. O Facebook, com o seu imediatismo voraz, acabou por levar muitas vezes coisas que ficariam muito melhor aqui, onde todos podem entrar à vontade sem terem de pedir licença, sentar-se, tirar uns livros da prateleira e folheá-los a seu bel-prazer, na pacatez destas poltronas sempre prontas para vos receber. Mas estou de volta, espero. Recomecei a ler (ando novamente com um livro na mala, hábito havia muito perdido) e a escrever. Dizia-vos que este ano foi muito cheio mas vós não sabeis porquê. Foi cheio de acontecimentos e de emoções, quase todos relacionados com música, coisas que aconteceram por fora de mim mas, principalmente, coisas que aconteceram dentro de mim.

O Grupo Vocal Arsis participou num Festival Internacional de Canto Coral, em Barcelona, e todo o ano foi uma azáfama de preparativos: escolher repertório, conceber programas, organizar viagens, ensaiar, ensaiar, ensaiar... e, depois, lá em Barcelona, apresentar dois concertos diferentes - um sacro e um profano - e preparar intensivamente, em apenas cinco tardes de ensaios, o Requiem de Mozart para ser cantado no grande concerto final, no Palau de la Musica Catalana. Para mim, que não passo de uma amadora, foi a realização de um sonho de longos anos cuja emoção se prolongou por semanas depois do regresso. Não consigo explicar-vos a emoção! Cantar é, provavelmente, a coisa que eu mais gosto de fazer na vida. Nada me transporta a um tal estado de absoluta felicidade e é em coro que me sinto mais completamente feliz a fazer música. É como se eu fosse mais Eu quando deixo de contar como eu para só fazer sentido no Todo. É uma coisa quase religiosa que não se consegue explicar. Lembro-me como se fosse ontem, em pé no meio daqueles coralistas todos, aquela sala linda, o público na obscuridade, o Maestro, a orquestra e eu a pensar «isto está mesmo a acontecer, eu estou mesmo aqui e estou a realizar um sonho», a pensar no meu Pai a quem finalmente, fiz a minha homenagem... naquela noite, sem que ninguém soubesse, no silêncio do meu coração, foi para ele que cantei.



2012 foi, talvez, o ano mais musical da minha vida. Não tive férias. Todo o tempo de férias foi ocupado a fazer música. Em Agosto participei, pela primeira vez, numa Semana de Estudos Gregorianos, em Viseu. Sempre desejei participar destas semanas mas, por várias razões, nunca tinha tido oportunidade. Fiz o primeiro grau de Canto Gregoriano, em curso intensivo e o meu desejo, agora, é conseguir voltar em 2013.



Mas 2012 foi um ano de outras emoções. Participei, pela primeira vez na vida, numa manifestação, cantei o Acordai no meio de centenas de desconhecidos, em frente ao Palácio de Belém. Vi duas irmãs de meia-idade - que deveriam ter cerca de 20 anos em 1974 - abraçadas a chorar e a recordarem o Pai que teria orgulho em vê-las ali. Foi um momento de intimidade que violei involuntariamente mas que me comoveu até às lágrimas. Vi um País comatoso a mexer um dedo e a dar a esperança de que talvez ainda consiga acordar. Vi também a melhor música e a melhor poesia portuguesas a serem cantadas na rua, por pessoas que, se calhar, nunca tinham ouvido falar de Lopes Graça ou de José Gomes Ferreira. E vi a música, a boa música coral a saír à rua e a incendiar os corações.



2012 foi também um ano de conhecer as pessoas. Não digo apenas de conhecer novas pessoas mas de conhecer melhor as pessoas que já conhecia. Tive boas e más surpresas mas todas me fizeram conhecer-me melhor e conhecer melhor a natureza humana. Não lamento nenhumas.

Enfim, talvez tivesse mais para dizer, tenho com certeza, mas este é o meu balanço, hoje, de 2012. E uma promessa de regresso, em 2013, à biblioteca de Jacinto, com mais frequência, para vos receber com um livro, uma música ou uma imagem, com uma ideia ou uma recordação.
Voltem sempre.

12 dezembro 2012

Fausto - A memória dos dias

A banda sonora da minha vida passa por Fausto. O Despertar dos Alquimistas, Por Este Rio Acima, Para Além das Cordilheiras

Já não ouvia esta música – A Memória dos Dias – há quase vinte anos. O vinil, lá em casa, deixou de girar no prato. Nunca comprei o CD. Quando o ouvi, há minutos (posto por uma amiga no Facebook) todos os detalhes estavam na memória, como se o tivesse ouvido ontem.

A memória dos dias é, para mim, a memória de um amor antigo que também gostava de Fausto e conquistou o meu coração com uma cassete de Por este Rio Acima com os nomes das canções escritos em letra miudinha e que ainda tenho em casa mas não sei onde.

E isto dos amores antigos são como os frascos de perfume vazios: guardam-se bem fechados, no escuro do armário, e cheiram-se muito tempo depois.

Graças a Deus não perdi a memória nem a ternura.



Correste a dizer que o dia vinha às portas da saudade
E cobriste de mil flores as varandas da cidade

Ao cantar enrouqueceste mil canções feitas à toa
Dançaste todas as ruas embriagadas de Lisboa

Leste os clássicos do tempo como toda a novidade
E a sonhar adormeceste no prazer da liberdade
Inventando mil amigos
Esquecendo velhos perigos

Acordaste em sobressalto do teu sonho meio ferido
Dos confins do pesadelo, no limite dos sentidos

Soçobrado na ideia mais ou menos dolorosa
Que te negavam medonhos o teu plano cor-de-rosa

E na fúria dos enganados, na febre dos desvalidos
Na razão dos maltratados entre abraços desabridos
No delírio prematuro
Ainda foste forte e duro

Roda a espiral da história entre as garras da agonia
Diz adeus, oh, meu amor, que eu hei-de voltar um dia

E deixo-te uma palavrinha para te lembrares de mim
Perfumada pelo cravo, amanhã pelo alecrim
Deixo-te uma palavrinha
Para te lembrares de mim...

08 dezembro 2012

Earth & Fire - Weekend

8 de Dezembro de 1980. Sá Carneiro tinha morrido havia 4 dias e não se falava noutra coisa mas eu fazia 14 anos e tive direito a esta prenda. Sim, também tinha os meus momentos de mau gosto mas aos 14 anos perdoa-se. E, apesar de já não gostar disto, não deixa de fazer parte da banda sonora da minha vida...


04 dezembro 2012

Recomeçar

Recomeçar

Vontade de partir, de largar tudo,
de acordar amanhã num hotel em Veneza,
de esquecer o passado, o futuro, o mundo
e baralhar as cartas expostas na mesa.
Vontade de zarpar,
de abandonar as mínimas coisas algum dia amadas
e procurar no mapa das estradas
o que teima em faltar.
Vontade de abalar
sem um aceno
sequer de despedida
e de um modo expedito mas sereno
recomeçar a vida.

(Torquato da Luz)

03 dezembro 2012

Maria Bethânia - Coração Ateu

1976. Aos nove anos eu queria ser como a romântica, rebelde e indomável Malvina (Elisabete Savalla) a "minha" personagem de Gabriela. Mais uma da Maria Bethania a fazer parte da banda sonora da minha vida.



O meu coração ateu quase acreditou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou.
Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo o meu coração ateu.
Se falo em mim e não em ti é que nesse momento já me despedi.
O meu coração ateu não chora e não lembra
Parte e vai-se embora.