Um dos últimos livros que li em 2012 foi «A Cidade de Ulisses» de Teolinda Gersão. Li antes e depois várias críticas em blogues, que se debruçam sobre diferentes aspectos do romance, desde a relação edipiana de Paulo Vaz com o Pai até à crítica política - implícita e explícita - nas incursões que a autora faz pela História de Lisboa e de Portugal, mas, para mim, «A Cidade de Ulisses» é, antes de mais, um poema ao Amor. Depois de o acabar, as personagens ainda me acompanharam alguns dias, enquanto eu já lia outro romance.
«A Cidade de Ulisses» é, tão simplesmente, uma história de amor. Um homem e uma mulher conhecem-se e amam-se em Lisboa, sem dramas e sem arrebatamentos, amam-se porque sim e não há nada que explicar. É um amor feliz recordado na primeira pessoa pelo homem que o viveu e que escreve para a mulher que amou e, por duas vezes, perdeu. É uma história sobre a perda, sobre a oportunidade desperdiçada (a única que a vida nos dá) e, embora a palavra não ocorra, sobre a saudade.
Paulo Vaz é um artista plástico convidado a fazer uma exposição sobre Lisboa. Perante este convite, recorda Cecília, a mulher com quem vivera, durante quatro anos, o grande amor da sua vida. Nos anos oitenta, ele era professor e ela aluna. Apaixonaram-se sem saberem nada um sobre o outro, apenas porque trocaram o olhar durante as aulas. Amaram-se sem se conhecerem como Nausica amou Ulisses quando o viu, náufrago, atirado à praia. Durante esses quatro anos percorreram a Cidade de Ulisses, as suas ruas e vielas, os seus bairros e monumentos.
Um dia, um mal entendido, um gesto impensado, separa-os de forma irreconciliável e Cecília parte para sempre mas, no fim - não vou contar o fim - percebemos que esta separação física não representou uma verdadeira separação sentimental. Ainda que nunca mais se falem, ainda que nunca mais se vejam, o que há entre eles não acaba.
Quando ele percebe que a perdeu para sempre, Lisboa desaparece num terramoto simbólico. Desaparece porque ela a levou consigo ao partir e teceu-a de novo para ele devolvendo-a em dezenas de retalhos, os seus pequenos cadernos de apontamentos. Cecília é Nausica, que ama Ulisses sem o conhecer, mas é também Penélope, que tece uma tapeçaria ao longo de anos para ele: uma exposição sobre Lisboa. É isso que a liga a ele durante os mais de vinte anos de separação absoluta e lhe dá, como um fio de Ariane, um caminho de regresso ao passado feliz.
Há um ambiente trágico em todo o livro - ou não fosse permanentemente marcado pelo imaginário Grego - o sentimento de que a vida é permanentemente condicionada por factores que não controlamos e por gestos e decisões cujas consequências não podemos prever e nos ultrapassam inexoravelmente. O final feliz é mais o final possível do que o final desejado. O grande amor, aquele que parece único e irrepetível é, afinal, como disse Florbela Espanca, o mesmo amor de toda a gente.
LEIGHTON, Frederic - Nausica
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