«- Oh Jacinto, que estrela é esta, aqui, tão viva, sobre o beiral do telhado?
«- Não sei... E aquela, Zé Fernandes, além, por cima do pinheiral?
«- Não sei.
«Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha Mãe espiritual. Ele, porque na sua Biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre Astronomia, e o Saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírius e aquele outro Aldebaran? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma Vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituimos modos diversos d'um Ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta Unidade. Moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim... Do astro ao homem, do homem à flôr do trevo, da flôr do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo Corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum frémito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime Corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais. Quando um Sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte: - e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto abateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei:
«- Acredita!... O sol tremeu.»
(Queirós, Eça de - A cidade e as serras)
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2 comentários:
Parabéns pela adesão à blogosfera. Longos posts.
Obrigada, Rogério. Agora espero visitas frequentes. Um abraço.
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