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08 janeiro 2007

As razões da escolha II

Um dos argumentos usados por quem tenciona votar Não no próximo referendo ao aborto é de que existe hoje informação mais do que suficiente para se prevenir uma gravidez indesejada.
Esse é um mau argumento. É verdade que hoje existe muita informação mas também é verdade que os processos de assimilação dessa informação são pouco eficazes, e não apenas em relação à contracepção. Existe muita informação sobre os perigos da condução sob efeito do álcool no entanto as pessoas continuam a fazê-lo. Existe muita informação sobre a forma como as crianças devem ser transportadas nos automóveis, no entanto, continuamos a ver senhoras no banco da frente com o bébé ao colo. Existe muita informação sobre as consequências do tabaco e as pessoas continuam a fumar. Existe muita informação sobre a transmissão sexual de doenças como a SIDA ou a Hepatite B e continua a haver muitos comportamentos de risco. Existe muita informação sobre os perigos da exposição solar e as pessoas continuam a torrar ao sol Verão após Verão. Existe muita informação sobre as drogas e os números da toxicodependência não param de crescer. E poderíamos continuar esta lista por muitos mais exemplos, todos de situações graves que põem em risco a saúde e a vida dos próprios e de terceiros.
Poderemos perguntar-nos porque é que, havendo tanta informação disponível, esta não se reflecte nos comportamentos. Não sei. Hoje temos um verdadeiro arsenal de informação sobre tudo e mais alguma coisa, a escolaridade obrigatória aumentou para mais do dobro nos últimos 30 anos, há rádio e televisão dentro de casa, o nível de alfabetização é elevado, o acesso à internet cresce continuamente nos últimos anos, publicam-se guias de tudo e mais alguma coisa, há associações, campanhas publicitárias, gabinetes de atendimento, tudo o que pode ser necessário para informar e esclarecer a população sobre os riscos inerentes aos seus comportamentos. No entanto, os comportamentos não mudam ou, pelo menos, não mudam a um ritmo proporcional à informação disponível. Porquê, então? Porque é que a informação não passa? Se passa, porque é que não é interiorizada? Não sei. O facto é desmentível, não há como negar ou escamotear.
Por essa razão, se o argumento da falta informação não justifica, por si só, o Sim à despenalização, o argumento da informação, por si só, é um argumento frágil contra a despenalização.

As razões da escolha I

3 comentários:

Orlando Braga disse...

Tem que existir uma ordem hierárquica nos valores. Não podemos comparar, por exemplo, os comportamentos sexuais de risco, que levam muitas vezes à SIDA, com os perigos de exposição solar. Uma das razões porque as pessoas se tornam insensíveis à informação, é exactamente a tendência igualitarista politicamente correcta de nivelar conceitos; quando comparamos coisas incomparáveis e tentamos fazer a sua equivalência valorativa, as pessoas perdem pontos de referência: sendo tudo perigoso, o perigo deixa de fazer sentido.

O argumento pode ser mau, no sentido em que foi colocado (a insensibilidade), mas “a razão, mesmo vencida, não deixa de ser razão”. Esta insensibilização geral não acontece por acaso: existe negócio e muito dinheiro envolvido.

MCA disse...

Caro Orlando
Obrigada pelo seu comentário. Estou a publicar uma série de reflexões que analisam os vários argumentos de um e outro lado. Esta foi a segunda mas outras virão, sempre procurando ser imparcial. Profissionalmente, enquanto bibliotecária, interessa-me perceber porque é que a informação não passa e é essa a abordagem que faço neste post. De resto, concordo consigo: para fazer uma abordagem geral temos de ter em conta os vários factores e aí, sim, hierarquizá-los. Neste caso, analisei o argumento isoladamente. E reconhecerá que, por si só, este argumento não é suficiente para se votar contra ou a favor da legalização.
Se voltar aqui mais vezes poderá a análise que faço de outros argumentos, pró e contra a legalização e contribuir para o debate.

A minha verdade disse...

Olá Maria.

Sem dúvida, a informação passa. Nunca tivemos uma juventude tão esclarecida e tão precocemente...! Basta ouvir os jovens a falar entre si.

O que existe, sim, é liberdade de escolha. Da mesma forma que, sabendo dos malefícios da droga, condução perigosa ou exposição excessiva ao sol (e outras de que falou), chegamos sempre ao momento onde somos livres de tomar uma decisão, e decidimos!

Creio que o argumento é perfeitamente válido, não só porque sabemos concretamente e sem lugar a dúvidas, que existe uma juventude mais informada do que nunca, e porque tomando opções livres e conscientes, as pessoas devem responsabilizar-se ou serem responsabilizadas pelas suas condutas.