Não posso ficar indiferente a uma (mais uma) aberração imposta pela União Europeia. A história já é antiga e vou contá-la com as palavras da Luísa Alvim (os destaques são meus):
«A Comunidade Europeia aprovou, em 1992, uma directiva relativa ao direito de comodato e a certos direitos conexos de autor em matéria de propriedade intelectual, passando as bibliotecas, museus, arquivos e outras instituições privadas sem fins lucrativos a ter que pagar pelo empréstimo público dos seus documentos abrangidos por estes direitos de autor.
«Depois de algumas intervenções em defesa pelo não pagamento, e lembro a famosa petição portuguesa em favor do empréstimo público gratuito nas bibliotecas, patrocinada pela BAD (Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas), com 20.000 assinaturas em 2004, a situação é de condenação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre Portugal que isentou todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de pagar aos autores.
«Esta é a grande questão. Actualmente, a Assembleia da República terá que apresentar uma proposta de lei diminuindo o número de isenções ao pagamento da remuneração pelo empréstimo público de documentos.
«Entendo que esta normativa europeia e o decreto-lei vão contra todos os princípios que os profissionais da informação defendem e lutam, desde sempre, em apoiar a disponibilização de documentos que possibilitem a educação individual, a autoformação, a educação formal, o oferecer possibilidades de um criativo desenvolvimento pessoal, o estimular a imaginação, o promover o conhecimento e o apreço pelas artes e inovações científicas, o facilitar o acesso às diferentes formas de expressão cultural, o fomentar o diálogo inter-cultural, a assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação à comunidade, nas instituições públicas e privadas onde trabalham de forma gratuita, explícitos no Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas, no Código de Ética.
«Princípios defendidos internacionalmente pela IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) e pela EBLIDA (European Association of Library Information and Documentation Associations).
«A missão das bibliotecas sempre foi garantir aos cidadãos o acesso livre ao conhecimento, à cultura e à informação. O papel das bibliotecas públicas, escolares, universitárias, e outras, em Portugal, nos últimos anos é inquestionável no exercício das suas missões sociais e culturais.
«A BAD, apesar de defender estes princípios, optou, e muito bem, por apresentar uma proposta de alteração da lei, à Comissão da Assembleia da República, no sentido de salvaguardar algumas questões, como o não pagamento de direitos de autor pela consulta presencial de documentos nas bibliotecas, o mesmo se passando com o empréstimo inter-bibliotecas e a transmissão de obras em rede.
«Relativamente ao empréstimo de documentos, que seja pago não pelo utilizador/cidadão mas pelos organismos que tutelam as bibliotecas (Ministério da Cultura/Câmaras?), e que este pagamento não se repercuta nos orçamentos das bibliotecas.
«Ainda não sabemos como a lei vai figurar em Portugal, mas sabemos que já não é possível que a utilização de documentos seja disponibilizada gratuitamente nas
bibliotecas. É necessário continuar a falar sobre este assunto, e de outras questões associadas, como o estabelecimento dos critérios para a fixação da remuneração a pagar, etc.
«O papel dos profissionais da informação, e das associações, terá que ser de sensibilizar a opinião pública para a "indiscutível" defesa do direito à informação gratuita disponibilizada pelas instituições públicas, na nossa dita "sociedade democrática".
«1. Solicito que reenviem esta mensagem, manifestem-se e discutam nos blogues, linkem os posts sobre este assunto entre blogues, escrevam nos jornais e em artigos nas redes sociais e fóruns, pelo menos não fiquemos calados quando nos pedirem alguns cêntimos pela consulta de um livro que precisamos para estudar ou para os nossos filhos aprenderem, numa qualquer biblioteca.
«2. Aconselhemos os nossos amigos - Autores - (de livros, música, bd, cinema, etc.) que disponibilizem os seus conteúdos em livre acesso, com etiquetas de Creative Commons, GNU License (documentos-software), copyleft, etc. e prescindam dos direitos de autor, sempre que as suas obras sejam consultadas/emprestadas em bibliotecas, arquivos, centros de documentação e museus.»
Agradeço à Luisa Alvim ter-me enviado esta mensagem.
Também o Adalberto deu a sua valiosa contribuição para este debate, esclarecendo-nos acerca das causas mais profundas e obscuras de tamanha aberração.
Claro, como directiva comunitária que é, não nos afecta só a nós. Também em Espanha e Itália os bibliotecários se têm batido contra o empréstimo pago. Em Itália há mesmo uma petição de autores contra esta legislação.
Quanto a mim, voltarei ao assunto. Na biblioteca de Jacinto, claro, o empréstimo é e continuará ser sempre gratuito. Jacintus Galeanus dixit.
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13 comentários:
Yo también firmé. Un bibliotecario gallego destinado en Guadalajara fue el que encabezó el movimiento en España.........
Yo también firmé por la Unidad del Archivo de Salamanca. Vencereis, pero no convencereis. El Archivo, no se mueve, para que nada se pierda.
Caro amigo "anónimo", obrigada pelas suas palavras. Pedia-lhe, contudo, que assinasse as mensagens.
Inacreditável.
Será que os autores desta aberração, alguma vez precisaram de uma biblioteca??
Acho que não.
Em primeiro lugar, obrigado pela visita.
Você me questionou sobre as bandeiras... na verdade não foi eu quem as escolhi. "Pirateei" de outro blog essa ferramenta de tradução e as bandeiras vieram prontas. Melhor seria, para mim, uma bandeira pírata, não acha?
Quanto a questão de bibliotecas, estou com você. Biblioteca pública que se preza deve permanecer assim, afinal já se paga tantos impostos! Já não chega pagarmos pedágios das rodovias que ajudamos a construir como contribuintes??
Um abraço gelado do sul do Brasil (brrrr 3ºC agora!)
MCA debías establecer un enlace con "Porosidade Etérea". Un saludo.
Çamorano
Já conhecia o Porosidade Etérea, cheguei a tê-lo no blogroll mas entretanto, com a mudança para o novo blogger tinha perdido o link. Obrigada.
MCA,
Bem observado, é o lado negro do socialismo sobre a propriedade intelectual.
Agora uma pergunta: imaginemos que os livros passavam a conter a seguinte frase "não pode ser emprestado em Biblioteca sem o pagamento de direitos de autor".
Tem o Estado o direito de comprar esses livros, nas condições contratuais especificadas, e violá-las acto contínuo.
Ou seja, posso eu escrever um livro e exigir que o seu comprador não o utilize num regime de "biblioteca pública", e que estes termos sejam passados para o seguinte proprietário, recursivamente?
AA, bem vindo por aqui!
Acho que é uma opção perfeitamente legítima. O autor não autoriza o empréstimo, a biblioteca não empresta, reservando-se a biblioteca o direito não comprar os livros desse autor. Aí veríamos se as bibliotecas tinham um papel promotor ou dissuasor da compra de livros. Eu acho que sei qual seria o resultado.
Por outro lado, também é legítimo (na linha do que propôs o meu amigo Carlos) que os autores (ou quem os representa) paguem pela promoção que as bibliotecas façam às suas obras - prática comum, aliás, nas livrarias e grandes superfícies.
muito bem :) era só uma provocação para aferir se a linha de raciocínio era uma de anarco-marxismo ("a cultura deve ser grátis!") heheh
Eu basicamente defende que isso deve caber ao mercado - entre autores, publicadores e livraria. Tais cláusulas definiriam o que seria uma violação de direitos de autor, e consequentemente, por via contratual, furto. Note-se que um tal sistema poderia "obrigar" as bibliotecas a terem um papel mais activo na divulgação do seu espólio. Enfim, não sabemos.
Mas concordo que existe uma figura chamada "fair use". É um uso legítimo eu emprestar um livro sem que eu ou terceiros tenham de pagar "direitos". E como tal, por defeito e extensão, é um uso legítimo uma biblioteca fazê-lo.
AA,
Na base desta legislação está uma ganância tonta e contraproducente. E nem sequer é da parte da maioria dos autores. O papel das bibliotecas como promotoras da leitura é, na prática, publicidade gratuita para os autores. Os latinos (ao contrário dos nórdicos) têm uma relação afectiva com os livros. Gostam de ter os seus livros, de os anotar, de escrever o lugar e a data onde os compraram, de voltar a lê-los.
Editei a mensagem anterior por engano, antes de a acabar.
Dizia que os latino têm uma relação afectiva com os livros. Isso faz com que a promoção da leitura feita pelas bibliotecas seja um factor de promoção da compra de livros e não o contrário. As pessoas lêem, gostam e vão comprar para ficarem com o livro. Se as bibliotecas deixassem de emprestar, tenho a certeza que se sentiria um quebra num mercado que - dizem os editores - já é tão débil. Aliás, toda a gente diz que o problema em Portugal é a falta de hábitos de leitura. Ora, as bibliotecas promovem hábitos de leitura. E promovem os autores, o editores, promovem toda uma indústria. Publicidade gratuita e eles não querem!!! Dá o Estado "socialista" nozes...
quem se mete com o Diabo...
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