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16 julho 2007

Iberismo (a propósito desta entrevista a Saramago)

Costumo dizer que tenho estômago de avestruz. Graças à Natureza, que me dotou de bons genes, tenho saudáveis digestões que me permitem comer praticamente de tudo, desde alheiras a iogurtes fora de prazo, sem sofrer abalos estomacais.

Pelo contrário, o meu estômago é muito sensível aos abalos morais. Há coisas que me deixam mal disposta, às vezes, mesmo, à beira de um refluxo gastro-esofágico. E não são poucas essas coisas. Uma delas é o iberismo. Confesso, sou uma patriota à maneira antiga, daquelas que se enrolariam românticamente na bandeira, de olho em alvo, pronta a gritar «independência ou morte!» ao primeiro assomo fronteiriço da tropa castelhana. Levanto-me em silêncio quando tocam o hino nacional, esteja onde estiver, em casa ou num lugar público. Quando vou a Espanha, olho melancolicamente o pôr-de-Sol e penso: «Ali é Portugal...»; «Ali há sopa...»; «Ali há pão de centeio...»; «Ali há café...»; «Ali há pastéis de bacalhau...». Quando regresso, emociono-me ao ver o nome Portugal nas placas azuis rodeadas de estrelinhas e corro em busca da primeira baiuca de estrada para beber uma bica ou comer uma sandes de paio. Um simples acorde de guitarra faz-me pele de galinha e levo sempre no carro uma boa provisão de Amália, Madredeus, Zeca Afonso e Fausto: fora de Portugal só oiço música portuguesa.

Amo o meu país «com todos os amores que há no amor» (como diria o meu querido Eça). Com um amor filial, porque me gerou, me acolheu, me ouviu chorar a primeira vez. Com um amor fraternal, porque ando às turras com ele, porque me chateia e porque gosto de o chatear mas compreende-me como ninguém porque cresceu comigo e eu cresci com ele. Com um amor maternal, porque os seus filhos são os filhos que eu não tenho e o seu futuro é o futuro que eu não verei.
Amo-o da única maneira verdadeira de amar: como ele é. Com defeitos, com problemas, com trapalhadas, com políticos estúpidos e com jogadores de futebol bimbos. Tal como a minha família, que tem defeitos como todas as famílias, não o trocava por nada. Gostava que ele fosse melhor? Gostava. Gostava que houvesse menos injustiça, menos pobreza, menos miséria, menos assimetrias? Claro que sim. Mas alguém (moralmente saudável) trocaria os pais pobres por outros mais ricos? Alguém trocaria os pais analfabetos por outros eruditos?
Eu não trocava o meu país por nenhum outro tal como não diria aos meus Pais, «desculpem lá mas vocês são pobres, eu vou ali pedir ao Belmiro para me adoptar».
Compreendo que haja pessoas que, em busca de uma vida melhor, saiam do país e até mudem de nacionalidade. Porém, o emigrante nunca parte a pensar em não voltar. O seu coração fica sempre cá. Emigrar não é renunciar à pátria. Para algumas pessoas a vida é mais difícil do que eu consigo imaginar e não serei eu a mandar os famintos comerem bolos quando lhes falta o pão.

O que eu não consigo aceitar e me dá a volta ao estômago é que haja portugueses que, porque gostavam de ser espanhóis (estão no seu direito), pretendam que todo o país passe a ser espanhol. Pior: pretendem que isso não só era melhor para todos (o que me inclui, contra a minha vontade) como era a única solução. Quer dizer, as pessoas seriam as mesmas, o território seria o mesmo mas, por um qualquer passe de mágica, abdicar da independência iria tornar-nos a todos mais felizes e mais prósperos.

Claro, os iberistas não gostam de responder a perguntas difíceis:
Gostariam de ser tratados no estrangeiro como cidadãos espanhóis?
Gostariam que a nossa História fosse reescrita numa versão "oficial" ibérica, passando a fazer parte da História de Espanha (como acontece com a Catalunha)?
Gostariam que os Descobrimentos Portugueses passassem a ser conhecidos como os Descobrimentos Espanhóis?
Gostariam que, quando um atleta português ganhasse uma competição desportiva, se levantasse a bandeira espanhola e se tocasse o hino espanhol?
Gostariam que a língua portuguesa passasse a ser a segunda língua oficial e apenas para efeitos domésticos?
Gostariam de ser atendidos em castelhano nos serviços públicos portugueses?
Gostariam de dirigir-se a um polícia na rua e receberem uma resposta em castelhano?
Gostariam de deixar órfãos os milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados pelo mundo e que têm em Portugal um ponto de referência, uma raiz, um orgulho?

A maioria dos iberistas que conheço está melhor na vida do que eu. Pelo contrário, nunca, mas nunca ouvi um emigrante defender a união ibérica. Porque será?

27 comentários:

3Picuinhas disse...

:) e Olivença é nossa!
Gostei e concordo, não por ser uma nacionalista ferrenha -- eu sou mais do género a minha pátria é onde mora o meu coração -- mas porque me irrita que me imponham conceitos desta natureza.
mas gostei da peroração...

MCA disse...

O meu patriotismo não é bem do estilo "Olivença é Nossa!". Se os Olivençanos não qureme ser portugueses nem nunca fizeram nada por isso, estão no seu direito. Eu é que sou portuguesa e tenho o direito de continuar a ser.

Gaspar Matos disse...

Defendo o conceito de Ibéria tal como Saramago o defende na "Jangada de Pedra": temos mais afinidades com África e com a América Latina do que com a restante Europa. O conceito Ibéria será sempre uma óptima forma de conjugação de esforços para tomadas de posição mais fortes no mundo. No entanto, Portugal deverá ser sempre o país Portugal e nunca a região Portugal. O nosso bocadinho de terra foi suado demais para ser absorvido por outra nação. E só não existem mais países na península porque nem galegos, nem bascos, nem catalães, nem andaluzes tiverem o expediente que os portugueses tiveram.

MCA disse...

Ora aí está! É isso mesmo.

Anónimo disse...

Gostei muito de ler o seu post
muito melhor do que aquele que
eu postei ontém à noite sobre o
mesmo tema (loquela.blogs.sapo.pt)
que ninguém ainda visitou para
minha completa frustação. Estou a
pensar em resignar.

Fui agressivo, não gosto do homem
nem que ele profetize que o meu Benfica vai ser campeão no ano
que vem. Tenho 63 anos mas se es-
te desgraçado país se integrasse
no reino castelhano desatava aos
"puns, puns" para o outro lado da
fronteira. Gosto muito disto, mes-
mo quando não gosto.
Um abraço.

T disse...

Concordo. Também fiquei a espumar de indignação com a ideia peregrina do Saracoiso. Ele que se mude mais à sua fundação e se deixe de lérias:)

carlos disse...

eu por acaso não me importava muito que portugal passasse a ser um provincia de espanha.
passava a ter uma razão para colocar bombas em madrid
e chamar hijos de puta aos burbons sem ser considerado ingerência...

:)

Anónimo disse...

Los "burbons" no son españoles, son franceses......

MCA disse...

Essa é uma (apenas uma) das muitas razões pelas quais eu não sou monárquica. Mas adiante. Também é irrelevante. Eu não quero pôr bombas nem chamar fdp a ninguém. Só quero continuar a ser portuguesa.

Paulo disse...

«Tenho campos tenho flores
Tenho sol e tenho céu
Tenho o mar e tenho amores
Que mais posso querer eu» (Amália Rodrigues - Versos, Ed. Cotovia 1997)

«Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolo,
Catilina, é vós outros dos antigos
Que contra vossas pátrias com profano
Coração vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes». ( Camões -Lusíadas, IV. 58)

As leis da história permanecem iguais. O destino do mais fraco foi sempre de desaparecer diante do mais forte ou de ser o seu escravo. Não há maneira de constatar que o progresso - apesar de conceitos de Pátria reforçados e forjados em sentimentos de pertença - alguma vez se possa realizar de outra forma.E o mais grave facto é verificar que cada vez mais se torna verdadeira a sentença do velho Brennus: «Ai dos vencidos"».

Paulo

Anónimo disse...

Sou Português a 100%, 1000%, nunca vender aos espanhois...
Adorei o teu post...
E tb concordo ctg, somos portugueses...
O nosso D.Afonso Henriques suou para conquistar esta terra à beira mar plantado...
Por mais defeitos que tenhamos, tb temos virtudes, e sempre seremos portugueses....

Portugal - Um caso único no mundo.
Portugal é um dos estados mais antigos da Europa, cujas fronteiras se mantém inalteráveis desde o século XIII.
SEMPRE PORTUGUESES, SEMPRE PORTUGAL, NUNCA IBÉRIA...

José Pedro Silva

i disse...

União ibérica? Que idéia terrível! Tanto se sofreu para que Portugal fosse um país livre...

André A. Correia disse...

Associo-me no Confidências à indignação da autora deste blogue!

Anónimo disse...

Unión, no; es preferible la "Alianza Peninsular" propuesta por el gran Antonio Sardinha.......

MCA disse...

Caro "anónimo" de expressão castelhana, seja muito bem vindo à Biblioteca de Jacinto.
As ideias de António Sardinha são datadas. Teve o seu tempo, o seu contexto e as suas razões. Não é que as suas ideias me sejam antipáticas mas prestam-se a muitas deturpações, designadamente de uma espécie de new age nacionalista e monárquica que me faz urticária.
Mas sobre a monarquia também hei-de escrever...

Anónimo disse...

O território de Olivença é nosso, nossos somos portugueses e queremos continuar a sê-los, Saramago é uma vergonha, e não passa dum idiota chapado.
VIVA PORTUGAL

Bruno Duarte Eiras disse...

Concordo contigo pelo que subscrevo as tuas palavras. Apenas duas questões aos defensores da integração de Portugal em Espanha: como explicar que praticamente todas as regiões de Espanha queira ser independente? para quê "entrar" num país onde todos os que lá estão querem sair?!

Anónimo disse...

Bem dito e visto Bruno Duarte,
Concordo ctg...

José Pedro

MCA disse...

Boa pergunta, Bruno. No entanto, também há catalães, bascos e galegos que gostam de ser espanhóis. Quero dizer, sabe-lhes bem, no estrangeiro, apresentarem-se como cidadãos espanhóis, têm outro estatuto. Mas a situação não é comparável. Quantas falantes de catalão há? Ou de asturiano? Qual a herança da cultura valenciana no mundo? O que seria da Catalunha sem a Espanha? O País Basco é um caso à parte e eu realmente defendo a sua independência. Mas os outros... Portugal é um dos mais antigos estados independentes e soberanos da Europa. Não é comparável!

MCA disse...

Quanto a Olivença, eu acredito e sou acérrima defensora da autodeterminação. Não somos nós nem Espanha quem tem de decidir se Olivença é portuguesa ou espanhola. Os olivençanos é que devem decidir. Acho, muito sinceramente, que deveria ser feito um referendo em Olivença. E que nós temos de assumir as consequências, quer nos agradem, quer não. É ridículo nós andarmos a dizer que Olivença é nossa se os olivençanos se sentirem espanhóis... e é uma violência a Espanha impôr uma soberania sobre Olivença se os olivençanos se sentirem portugeuses. Eles é que têm de decidir.

Anónimo disse...

Tb concordo ctg Maria,
as pessoas de Olivença é q tem q decidir, devia de haver um refendo para acabar de uma vez por todas com estas quezilias e desavenças...

José Pedro

Anónimo disse...

de volta a este cantinho que me cativou, se alguém defende Portugal tem meu TOTAL apoio e falando em Saramago esse senhor que não merece ser chamado de português. E eu pessoalmente que me identifico com alguns ideais comunistas fico reticente quando nesse partido há pessoas que desrespeito este pequeno país a que me orgulho pertencer que morreria se necessário para o defender.
http://portugal-ressuscitado.blogs.sapo.pt/
http://euacreditoemportugal.blogs.sapo.pt/
Perdoe-me a publicidade, mas foi apenas para demonstrar meu amor por este NOSSO País.

Anónimo disse...

Conclusión: antes muertos que españoles........

Anónimo disse...

"Conclusión: antes muertos que españoles........"
BINGO

Anónimo disse...

Opiniones acertadas sobre el tema en el blog " As afinidades efectivas"

MCA disse...

Caro "anónimo" de expressão castelhana, eu não diria isso. Os espanhóis são os nossos vizinhos, são os que, historicamente, mais vezes puseram em causa a independência de Portugal. Mas também tivémos as invasões francesas... eu não tenho nada contra os espanhóis em particular (aliás, tenho amigos espanhóis).
A questão não será (para mim) pois, antes mortos que espanhóis. Será antes mortos que espanhóis, franceses, americanos ou outra coisa qualquer. Antes mortos que dominados, seja por quem fôr.

Anónimo disse...

¿Por que será, que esta mierda de iperistas, uniones ibérica etc., siempre viene del lado portugues?´
Portugal es Portugal y España es España, los españoles somos españoles y los portugueses son portugueses, asi que como decimos en mi tierra, cada uno en su casa y Dios en la de todos, que mesturar cabras y chivas nunca dio buen resultado.