«Todos os jornais, na época de eleições, têm os seus candidatos predilectos. Os jornais franceses apresentam os nomes deles à adesão pública, no alto da página, num tipo enorme; os jornais portugueses diluem-nos numa prosa fluida, nos artigos de fundo. Nós temos também dois candidatos queridos.
«São:
«O Dr. João das Regras!
«O condestável D. Nuno Álvares Pereira!
«São estes dois cavalheiros — cidadãos! — a expressão gloriosa da sua Pátria: um é o seu pensamento jurídico, outro o seu valor heróico. Qual será o liberal e inteligente que recuse o seu voto a estes dois homens históricos? Valerá mais o Sr. José de Morais, ou o Sr. Coelho do Amaral?! E depois quem, como o Dr. João das Regras, velaria pelos foros populares? Quem como o condestável saberia manter a independência da Pátria? — À urna, cidadãos!
«Podem apenas pôr-nos uma objecção — pequena por si, mas que talvez influa nos ânimos timoratos — é que o doutor e o condestável morreram há quatro séculos!
«Pois bem! nós afirmamos que nada importa isso, porque eles estão em identidade de circunstâncias com a grande parte dos candidatos que se apresentam por esses círculos, de Norte a Sul do País! Sim, todos esses senhores — estão tão mortos como João das Regras, como D. Nuno Alvares Pereira!
«Debalde passeiam! Debalde falam! Estão mortos. Viver para sentir fisicamente é simples — basta que o sangue circule, que o alimento se digira, que os pulmões trabalhem.
«Mas viver para legislar e pensar é mais complexo — é necessário que a inteligência, a imaginação, a consciência trabalhem, actuem, estejam em vigor. Ora grande parte dos senhores candidatos têm aquela porção do seu ser tão morta como o Dr. Regras, ou o condestável Pereira.
«Com efeito, no sentido de legislar, organizar, dirigir um país — viver é ser do seu tempo, estar no seu momento histórico, estar na corrente de ideias da sua época, ajudar a criação social do seu século, estar na direcção do progresso e na comunhão das ideias novas. Ser legitimista de 1820, ou cartista de 36, ou cabralista de 45, ou regenerador de 51 — não é viver, é recordar-se. Ora, por este lado, quem sabe também se os mortos se recordarão?
«Por consequência, como a maioria dos candidatos estão mortos e embalsamados no seu próprio corpo — estão na categoria em que se acham os defuntos Regras e Álvares Pereira.
«Propomos pois:
«O Doutor!
«O Condestável!
«Podem todavia observar-nos que:
«Sendo verdade (como é) que os srs. deputados estão mortos no seu espírito — é também verdade que estão vivos no seu corpo — e que podem dizer presentes! na chamada — e que nesta condição não está o doutor e o condestável, os quais, sendo um punhado hipotético de pó, não podem ter a pretensão, verdadeiramente tirânica, de dizerem presentes! — como o Sr. Melício, ou o Sr. Carlos Bento, que são de carne esses!
«Pois bem! Uma vez que é necessário um vulto, um corpo, uma pouca de matéria, para que os senhores secretários os possam tomar como personalidades — propomos:
«A estátua de Camões.
«A estátua de João de Barros.
«Não nos dirão decerto que estes não tenham vulto, medida, forma e peso! À urna, pois!
«Mas podem fazer-nos sentir:
«Que se estes últimos cavalheiros têm a condição corpórea, lhes falta a condição vocal — aquela grande condição de deputado que consiste em dizer:
« — Apoiado!
«Nesse caso, como nós não temos a pretensão de provar que o bronze e a pedra sejam de uma extrema facilidade de locução — propomos:
«Dois papagaios, à escolha do Sr. Marquês de Ávila!»
(Eça de Queirós In: As farpas: chronica mensal da política das letras e dos costumes. Junho de 1871 / Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz. Lisboa: Typographia Universal, 1871)
Transcrição com ortografia actualizada, feita a partir da 1ª edição, existente na Biblioteca Nacional de Portugal e disponível em linha em http://purl.pt/256
Este é um texto jornalístico escrito em 1871. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas actuais será mera coincidência não intencionada pela editora do blogue.
«São:
«O Dr. João das Regras!
«O condestável D. Nuno Álvares Pereira!
«São estes dois cavalheiros — cidadãos! — a expressão gloriosa da sua Pátria: um é o seu pensamento jurídico, outro o seu valor heróico. Qual será o liberal e inteligente que recuse o seu voto a estes dois homens históricos? Valerá mais o Sr. José de Morais, ou o Sr. Coelho do Amaral?! E depois quem, como o Dr. João das Regras, velaria pelos foros populares? Quem como o condestável saberia manter a independência da Pátria? — À urna, cidadãos!
«Podem apenas pôr-nos uma objecção — pequena por si, mas que talvez influa nos ânimos timoratos — é que o doutor e o condestável morreram há quatro séculos!
«Pois bem! nós afirmamos que nada importa isso, porque eles estão em identidade de circunstâncias com a grande parte dos candidatos que se apresentam por esses círculos, de Norte a Sul do País! Sim, todos esses senhores — estão tão mortos como João das Regras, como D. Nuno Alvares Pereira!
«Debalde passeiam! Debalde falam! Estão mortos. Viver para sentir fisicamente é simples — basta que o sangue circule, que o alimento se digira, que os pulmões trabalhem.
«Mas viver para legislar e pensar é mais complexo — é necessário que a inteligência, a imaginação, a consciência trabalhem, actuem, estejam em vigor. Ora grande parte dos senhores candidatos têm aquela porção do seu ser tão morta como o Dr. Regras, ou o condestável Pereira.
«Com efeito, no sentido de legislar, organizar, dirigir um país — viver é ser do seu tempo, estar no seu momento histórico, estar na corrente de ideias da sua época, ajudar a criação social do seu século, estar na direcção do progresso e na comunhão das ideias novas. Ser legitimista de 1820, ou cartista de 36, ou cabralista de 45, ou regenerador de 51 — não é viver, é recordar-se. Ora, por este lado, quem sabe também se os mortos se recordarão?
«Por consequência, como a maioria dos candidatos estão mortos e embalsamados no seu próprio corpo — estão na categoria em que se acham os defuntos Regras e Álvares Pereira.
«Propomos pois:
«O Doutor!
«O Condestável!
«Podem todavia observar-nos que:
«Sendo verdade (como é) que os srs. deputados estão mortos no seu espírito — é também verdade que estão vivos no seu corpo — e que podem dizer presentes! na chamada — e que nesta condição não está o doutor e o condestável, os quais, sendo um punhado hipotético de pó, não podem ter a pretensão, verdadeiramente tirânica, de dizerem presentes! — como o Sr. Melício, ou o Sr. Carlos Bento, que são de carne esses!
«Pois bem! Uma vez que é necessário um vulto, um corpo, uma pouca de matéria, para que os senhores secretários os possam tomar como personalidades — propomos:
«A estátua de Camões.
«A estátua de João de Barros.
«Não nos dirão decerto que estes não tenham vulto, medida, forma e peso! À urna, pois!
«Mas podem fazer-nos sentir:
«Que se estes últimos cavalheiros têm a condição corpórea, lhes falta a condição vocal — aquela grande condição de deputado que consiste em dizer:
« — Apoiado!
«Nesse caso, como nós não temos a pretensão de provar que o bronze e a pedra sejam de uma extrema facilidade de locução — propomos:
«Dois papagaios, à escolha do Sr. Marquês de Ávila!»
(Eça de Queirós In: As farpas: chronica mensal da política das letras e dos costumes. Junho de 1871 / Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz. Lisboa: Typographia Universal, 1871)
Transcrição com ortografia actualizada, feita a partir da 1ª edição, existente na Biblioteca Nacional de Portugal e disponível em linha em http://purl.pt/256
Este é um texto jornalístico escrito em 1871. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas actuais será mera coincidência não intencionada pela editora do blogue.
10 comentários:
lindo!
Não se importa de produzir prova da acusação de plágio que afirma em relação ao blog «Filhos de um Deus Menor».
Pese embora a consideração que tenho pelos artigos que posta neste espaço, cumpre-me informar vª Exº de que me sinto afectado no meu bom nome e consideração social após ter verificado que, salvo melhor opinião,que Vª Exª, de forma cobarde, ousou acusar-me de plagiador enquanto administrador do blogue "www.filhosdeumdeusmenor.blogspot.com". Tal facto já originou que tenha sido vários comentários nada agradaveis por parte dos meus amigos e familiares.
É minha forte intenção iniciar medidas no sentido de agir em minha defesa.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Sempre.
Agradecia que não retira-se este comentário .
Paulo,
Esteja à vontade. Claro que não apago este comentário, quem diz a verdade ao tem motivo para temer, ao contrário do que o Paulo sempre fez, quando, no seu blogue, denunciei os plágios, nomeadamente os relativos aos textos "fátima desmascarada", plagiados do livro homónimo de João Ilharco.
Primeira denúncia dos plágios.
... e as provas.
E a resposta patética do Paulo Sempre, quando se viu desmascarado.
Rever os meus antigos comentários neste blogue, agora apresentados como prova "documental", fiquei verdadeiramente «deslumbrado».
Negou a meu problema fisico, a existência de "barrancos" em Évora, e muito mais...
Como "douta" observadora, porém, não reparou que os meus comentários "esfarrapados" visavam testar a sua capacidade para entender uma "dor humana". Afinal...demonstrou um friesa desumana quanto ao sofrimento alheio. Acha que a minha "dor virtual" só era minimizada com recurso ao "plágio"?
Engano!!!
Nesta "caça às bruxas" só vejo um caminho: criar a sua própria fogueira.
Brevemente voltarei a Évora . Vou ficar no hotel D. Fernando. Se quizer ter "dois dedos" de conversa comigo, podemos combinar. Podemos falar de plágios, provas testemunhais, provas bastantes, provas materiais, provas plenas, etc...
Com isto não quero que pense que estou a "votar" vencido. Não! Sou, isso sim, um homem anti-conflitos.
Paulo
Tudo está bem quando acaba bem. O Paulo Sempre colocou as referências nos posts. Veritas omnia vincit.
"tudo esta bem quando acaba bem". Concordo!.
homo sum: humani nihil a me alienum puto
É tão gratificante quando, muitas vezes, alguém exprime o sentimento de solidariedade humana, né?
Paulo
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