Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

07 março 2012

Ainda o Acordo Ortográfico

Esta carta foi-me enviada pelo autor, João Carlos Cardoso da Silva Reis, via correio electrónico, e aqui a publico, com a devida autorização e vénia. Foi originalmente enviada ao ministro da educação, ao ministro dos negócios estrangeiros, a alguns jornais e ao presidente da república.
É uma longa dissecação do Acordo Ortográfico de 1990 e transcrevo-a com alguns cortes sem, por isso, prejudicar o essencial do seu conteúdo.
Para facilitar a interpretação remeto-vos para o texto oficial do dito Acordo.
«[...] alguns dos motivos pelos quais este Acordo não deverá ser posto em prática:
1 - o primeiro motivo é que a redacção original, e oficial, deste Acordo tinha vinte e três erros ortográficos (aos quais se devem juntar outros de outra natureza) e assim foram publicados em Diário da República [...].
2 - no Artigo 2º deste Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa lê-se, e passo a citar: "Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de Janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas." Passados dezoito(!!!) anos, onde está esse vocabulário em Portugal??? (Sei que no Brasil foi publicado o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, editado em 2009, o qual viola inúmeras vezes o próprio acordo no qual se baseia. Sem comentários…) E se está a ser feito, será que prevê a resolução de vocábulos que se referem à mesma coisa, mas que são escritos (e falados) de forma diferente de ambos os lados do Atlântico??? Dou apenas alguns, poucos, exemplos: enfarte/infarto; planear/planejar, camião/caminhão, maquilhagem/maquiagem; bilião/bilhão; quotidiano/cotidiano; hidroeléctrica/hidrelétrica; maioritário/majoritário; champô/champú; golo/gol; fato/terno; hormonas/hormônios; Irão/Irã; desporto/esporte; Checo/Tcheco; câmara/câmera (máquina fotográfica); alforge/alforje; beringela/berinjela; missanga/miçanga. Isto já para não falar nas enormes discrepâncias entre termos científicos e técnicos existentes entre os dois lados do Atlântico, particularmente no que respeita à Informática;
3 - na Base IV, no ponto 1.º, fala-se da conservação ou eliminação das consoantes mudas c e p, conforme são proferidas ou não na pronúncia das palavras. Aqui começam as grandes contradições deste Acordo:
1ª - de unificador nada tem, pois deixa ao critério de cada um a sua prolação, grafia ou não, o que, juntamente com o exposto no ponto 2, vai aumentar exponencialmente o número de casos de múltiplas grafias;
2ª - a sua eliminação entra em contradição com o que foi escrito anteriormente na Base II, 1.º a);
3ª - estas consoantes eram mantidas não só por força da etimologia, mas, na esmagadora maioria dos casos, para acentuar a tonicidade da vogal anterior, ou seja: se a sua eliminação não for substituída por acento (como tem vindo a acontecer no nome Victor/Vítor), na prática o que está/vai acontecer é que muitas das palavras, além de serem escritas de forma diferente (o que contraria mais uma vez a finalidade unificadora deste acordo, pois algumas dessas consoantes são pronunciadas deste lado do Atlântico e não do outro lado e vice-versa), estão a ser/vão passar a ser pronunciadas de forma diferente em ambos os lados do Atlântico… ou então, a exemplo do que sucedeu do outro lado do Atlântico, com o tempo iremos passar a pronunciar essas vogais fechadas e não abertas como actualmente. [...]
4 - o ponto 2.º da mesma Base IV apenas e só vem reforçar o que anteriormente escrevi acerca do contínuo afastamento entre o Português de ambos os lados do Atlântico, não só graficamente como também foneticamente. Isto fará com que brevemente este acordo esteja total e completamente obsoleto e também é bem provável que o Português se cinda definitivamente se nada de concreto for feito para a sua real unificação, não só gráfica, mas também fonética;
5 - na Obs. à alínea a) do ponto 1.º da Base VIII está escrito o seguinte, e passo a citar: "Em algumas (poucas) palavras...". Bem... "poucas" oxítonas, mas, no contexto geral ainda há a somar as paroxítonas que constam nas Obs. às alíneas a) e b) do ponto 2.º da Base IX e as proparoxítonas que constam no ponto 3.º da Base XI. Tudo isto faz com que as palavras grafadas de forma diferente não sejam assim tão "poucas", como nos querem fazer crer, mas muitas, pois nestas Obs. e pontos apenas estão alguns exemplos, não toda a extensão da diferença. [...];
6 - se se puser em prática o que está no ponto 3.º da base IX, o que vai acontecer é o desvirtuamento fonético dos ditongos representados por oi, pois temos o exemplo em que o acento foi retirado dos ditongos representados por ei, em que essas palavras passaram a ser pronunciadas êi em vez de éi. Exemplo disso são também as palavras "acerca" e "inclusive" que muitas pessoas já pronunciam "acerca"(a fechado) em vez de "àcerca"(a aberto) e "inclusive"(e fechado) em vez de "inclusivè"(e aberto). Isto para ficarmos só por aqui, pois muitos outros exemplos haveria...;
7 - com base no ponto 9.º da mesma base IX como vamos interpretar, e ler, a seguinte frase, título que há algum tempo atrás um jornal trazia na sua primeira página: "Falta de seguros pára transplantes em hospital"? Não se esqueça de que com este acordo o acento agudo é retirado do vocábulo "para"...;
8 - na Obs. ao ponto 1.º da Base XV vamos começar a ver os primeiros "resultados" práticos deste famigerado Acordo no que respeita, por exemplo, à palavra "pára-quedas". Para começar direi o que vi em dois dicionários de diferentes editoras: num aparecia escrito "paraquedas" enquanto noutro estava grafado "para quedas"... Bem... em que ficamos??? E este é apenas um de muitos exemplos... Depois gostaria de dizer que esta palavra com o tempo irá querer dizer "aparelho para provocar quedas" em vez do actual "aparelho em forma de guarda-chuva destinado a diminuir a velocidade de queda de um objecto ou de uma pessoa despenhada de grande altura". [...];
[...]
10 - o ponto 2.º da Base XVII diz o seguinte: «Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc.». Porquê esta excepção??? Para não haver excepções não seria melhor acabar com os hífens nos verbos compostos??? "Facilitaria" muita coisa... ou complicaria??? [...]
11 - o parágrafo 4 do capítulo 2 do Anexo II é falacioso no que respeita à não-aceitação do acordo de 1945 por parte dos brasileiros, pois não diz que tal acordo não foi aprovado por motivos políticos e não por motivos culturais, pois a Academia Brasileira de Letras, além de ter aprovado o acordo, ficou incumbida de elaborar o Vocabulário Resumido da Língua Portuguesa. Ora neste caso deve ser a cultura a impor-se e não os políticos...;
[...]
13 - em relação ao parágrafo 4 do capítulo 3 do Anexo II, se é o critério da pronúncia que determina a supressão das consoantes mudas, então estas, para manterem a pronúncia correcta deveriam passar a ser acentuadas na vogal anterior, mas nisso este dito acordo não fala...;
[...]
17 - no que respeita ao que está escrito no 2.º parágrafo da alínea c) do subcapítulo 4.2 do Anexo II eu apenas tenho quatro, por exemplo, perguntas a fazer: 1ª - Como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que o plural, por exemplo, de "mão" é "mãos" e o plural de "pão" é "pães"?; 2ª - Como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que, no interior duma palavra, a letra "n" antes dum "b" ou dum "p" tem que se transformar num "m"?; Como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que a letra "x" pode ser pronunciada com o som de "ch", "is", "s" ou "z", por exemplo, dependendo da palavra onde se encontra? Porque é que este acordo "unificador" não resolve também estes "problemas"?;
[...]
19 - em relação à alínea e) do subcapítulo 4.2 do Anexo II, não entendo como se poderá falar de "unificação ortográfica da língua Portuguesa" (mesmo com "P" maiúsculo, para dar a importância devida ao idioma, e não um redutor "p" minúsculo como este acordo faz ao idioma) se o próprio acordo não prevê essa tão propalada unificação [...];
[...]
22 - no que respeita ao que está escrito no 9.º parágrafo do subcapítulo 5.1 do Anexo II, é de muito mau tom (para não dizer parcialidade) referir que apenas "o facto de a língua oral preceder a língua escrita,...", pois pelos poucos exemplos que já dei no ponto 2, no ponto 3, 3ª, e no ponto 6 podemos ver que não é só a língua oral precede a língua escrita, mas que o inverso também acontece(u) em muitos casos;
23 – em relação ao subcapítulo 5.2 do Anexo II, este apenas vem reforçar o que já foi dito acerca da dupla grafia. No que respeita ao sub-subcapítulo 5.2.4 só se pode considerar, no mínimo, o argumento aqui aduzido como falacioso. É que separadamente até parecem poucas palavras, mas juntando este exemplo ao que está no subcapítulo 4.1 e ao que eu exponho no ponto 2 são muito mais de 2.000 vocábulos. Outro dos factos que os autores do acordo omitem é que um falante médio utiliza cerca de 10.000 palavras e não o corpus de 110.000 aqui aduzido. Ou seja: na prática o que vai acontecer é que muito mais de 20% dos vocábulos usados no dia-a-dia da esmagadora maioria dos falantes de Português vão ter dupla grafia;
24 – relativamente ao argumento utilizado na alínea b) do subcapítulo 5.3 do Anexo II, “Eventual influência da língua escrita sobre a língua oral, …”, já é interessante a conveniência da utilização deste argumento. Mas nem mesmo com o exemplo que vem do outro lado do Atlântico, a alteração fonética da esmagadora maioria das palavras às quais retiraram as consoantes mudas não proferidas, os supostos eruditos em língua Portuguesa aprenderam que não é benéfico para o idioma a supressão das consoantes mudas. Conveniências…;
25 – na alínea c) do mesmo subcapítulo 5.3 do Anexo II está mais um motivo para a não supressão de acentos gráficos ou consoantes mudas. Como são palavras que um falante médio rarissimamente irá ler e/ou pronunciar ao longo da sua vida, decerto que as vai ler e/ou pronunciar incorrectamente…;
26 – é duma insensatez tal (para não utilizar outro adjectivo) aduzir o argumento que está na alínea d) do subcapítulo 5.3 do Anexo II quando quase tudo o que está neste acordo vem prejudicar essa aprendizagem. É precisamente por este motivo (entre outros) que no Brasil já quase ninguém pronuncia (ou escreve) a conjunção “mas”, mas usa o vocábulo “mais”… alguém pensou nisto???;
[...]
28 – no ponto 24 falei do exemplo que vem do outro lado do Atlântico. No sub-subcapítulo 5.4.2 do Anexo II vou falar do exemplo Português, em que a supressão do acento agudo do ditongo ei fez com que todas as palavras singulares contendo aquele ditongo se pronunciassem com a vogal “e” fechada. Não saberão os ditos peritos em língua Portuguesa que, se tivessem aprendido com o passado, num futuro breve a esmagadora maioria dos vocábulos com o ditongo oi passarão a ser pronunciados com o timbre fechado e não aberto como é actualmente???;
[...]
Como considerações finais, tenho a dizer que não é mau, mas sim péssimo para o Idioma Pátrio que este tenha sofrido três grandes alterações ortográficas a par de outras tantas mais reduzidas em menos de um século. Melhor dizendo: os bisavós escreveram duma maneira, os avós de outra, os filhos de outra e os netos ainda vão escrever de outra… e, sem grande esperança, espero que fiquemos por aqui… Além disso, e como ficou provado, mais de 20% (contas por baixo) dos vocábulos usados por um falante médio vão poder ser grafados à vontade de cada qual, o que em nada abona o Português junto da Comunidade Internacional, antes pelo contrário, contribui para o seu descrédito. Este descrédito é tanto mais evidente quanto em lado nenhum leio que este acordo é para honrar o Idioma Lusitano
Também gostaria de dizer que só agora estou a enviar estes factos, pois tenho estado a observar a pequena fracção que me chega às mãos do que tem vindo a acontecer com a degradação do Português, começando por este famigerado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa até ao acima citado Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, isto para ficarmos só por aqui…
Cordialmente,
João Carlos Cardoso da Silva Reis.»

1 comentário:

Tio do Algarve disse...

Mais uma vez volto aqui para a felicitar, bem como ao autor desta carta, que fundamenta, de forma científica, as posições que muito de nós tomamos no nosso dia a dia!
É triste que nos obriguem a isto e que tão poucos se manifestem...Este meu personagem o Tio, também reflecte o que eu penso do dito acordo, nalguns textos. Irrita-me particularmente a alegria de alguns ao verem que o computador já assume essa nova linguagem!

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