Nos anos 70 havia uma "revista semanal dos programas da TV" chamada Tele-Semana. Lembro-me bem de quando apareceu, em 1973. Num anúncio na TV, um homem sentado num banco (acho que na rua) era interpelado por outro que chegava:
- O que é que estás aqui a fazer?
- Estou à espera.
- À espera de quê?
- À espera que saia.
E o anúncio ficou assim durante dias, causando grande surpresa aos espectadores pouco habituados a métodos inovadores de publicidade.
Do que estaria o homem à espera? Durante muito tempo a expressão «à espera que saia» permaneceu na linguagem corrente, como aconteceu com frases como «Palavras para quê? É um artista português!», «Foi você que pediu...» ou, mais recentemente, «Estou que nem posso» e «Jovem: Leite! Onde está o leite?».
Ao fim de uns dias, o diálogo concluía-se:
- À espera que saia a... Tele-Semana!!!
E pronto. Estava lançada a primeira revista de televisão em Portugal.
Quem terá hoje, ainda, algum tipo de evocação perante a pergunta «Estás à espera de quê?». Quem ainda se lembrará de responder «À espera que saia»?
Lembrei-me agora deste anúncio mas não para responder «À espera que saia».
A minha resposta actualmente é mais: «À espera que grave»...
14 comentários:
Ainda sobre o seu post: «Diálogo imaginário» de 15 Setembro 2014.
«- Escreveste "concepção" e o acordo ortográfico diz que é "conceção".
- Mas o acordo ortográfico também diz que se escreve como se pronuncia e eu pronuncio "concepção".
- Pronuncias mal. Com o acordo ortográfico não tem "p".
- Mas antes tinha e eu sempre pronunciei.
- Por isso é que fizeram o acordo ortográfico. Para as pessoas saberem como se pronuncia.
- Mas assim eu pronuncio "conc'ção" como em "concessão".
- Pronuncias mal. Com o acordo ortográfico pronuncia-se "concéção".
- Mas eu aprendi a ler todas as vogais fechadas excepto...
- Exceto.
- ?...
- Agora diz-se "exceto".
- ... "exceto" quando são a silaba tónica ou são seguidas pela consoantes "pt", "ct" ou "pç".
- Esquece tudo o que aprendeste. Agora quem manda é o acordo ortográfico. Senta-te direito e come a sopa de letras.»
E porque é que não há-de escrever-se concéção se é assim que se lê?
E porque é que não há-de escrever-se excéto se é assim que se lê?
Os portugueses, nestes dois casos não lêm o p mas acentuam o é. Porque é que a ortografia não segue a oralidade?
Porque a escrita não existe para reproduzir a oralidade, é por isso. Para reproduzir a oralidade existe a escrita fonética que tem sinais específicos para cada som e é universal.
Já agora, "exceto", se existisse, não precisaria de acento, já que é uma palavra grave terminada em o. É sempre bom saber um bocadinho de ortografia para discutir ortografia.
Mas "exceto" não existe. Lê-se excepto, com o p. Só pronuncia "exceto" quem tiver um defeito na fala ou estiver no dentista, de boca aberta.
A escrita não existe para reproduzir a oralidade? É boa! Então serve para quê? A nossa escrita não é fonética? E a escrita fonética não se baseia na reprodução da fala?
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Da (alegada) relação causa-efeito entre a presença das consoantes mudas e a manutenção da abertura da vogal
Não há uma regra ou correlação direta entre a presença das consoantes mudas e a abertura da vogal anterior, seja em sílaba tónica ou em sílaba átona, o que fica patente se pensarmos nos dados do português e nas palavras que até agora mantinham estas consoantes mudas:
Por um lado, há palavras com consoante muda antes de uma vogal em sílaba átona em que a vogal é fechada, apesar da presença dessa consoante, a qual, a acreditarmos numa pretensa regra, deveria abrir a vogal (vejam-se casos como actual, actualidade, actividade), ao mesmo tempo que, noutras palavras, a vogal se mantém aberta (activa, afectivo, espectador); se existisse uma regra, tendo as consoantes mudas essa função específica de abertura das vogais, por que razão ela se aplicaria nuns casos e não noutros?
Por outro lado, quando temos consoantes mudas antes de vogais que se encontram em sílaba tónica em palavras graves, o facto de haver palavras com sílaba tónica na mesma posição (ou seja, na penúltima sílaba), umas com consoante, outras sem qualquer consoante muda, em ambos os casos com uma vogal aberta, demonstra bem que não é a consoante muda que nos indica qual o timbre da vogal (tal deriva de regras fonológicas e de questões lexicais, não da presença de uma consoante muda) – veja-se completo (que nunca teve consoante muda) versus tecto ou dialecto, ou contrato (de trabalho), que já teve consoante muda c e a perdeu, mantendo, naturalmente, a abertura da vogal tónica, da mesma forma como deverá acontecer com exacto;
Por fim, no caso de palavras esdrúxulas, com a consoante muda a seguir à vogal tónica, é óbvio que a presença da consoante é redundante, pois o acento gráfico destas palavras cumpre a dupla função de indicar a sílaba tónica e de dar informação sobre o timbre da vogal (veja-se didáctica, eléctrico, óptimo); note-se ainda, como curiosidade, que o Acordo de 1945 já tinha eliminado as consoantes mudas de palavras como práctico/a, mas manteve-as em palavras como didáctico/a.
Tendo em conta os argumentos anteriores e ao analisarmos alguns exemplos de palavras podemos, de facto, perceber que não existe uma regra ou um processo linguístico subjacente à presença de consoantes mudas e à abertura das vogais que as precedem. Se assim fosse, como explicar as assimetrias em palavras que, inclusivamente, apresentam uma relação morfológica, mas que têm diferentes comportamentos? Como explicar, por exemplo, que em exacto/exactidão/exactamente, a vogal seja ora aberta, ora fechada, do ponto de vista da presença da consoante muda?
Claramente, não é a presença das consoantes mudas que determina a abertura ou não das vogais.
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=30420
Obviamente, não é APENAS a presença de consoantes mudas que determina a abertura de vogais. A reforma de 1945 não resolveu muita coisa e a de 1972 criou alguns problemas novos. A ortografia não é perfeita. Nem pode ser, já que não reproduz nem pretende reproduzir rigorosamente a oralidade. Quanto mais não seja porque a oralidade é múltipla e mutável a ortografia pretende-se tão uniforme e estável quanto possível. O único elemento estabilizador da ortografia é a etimologia, nunca a fonética.
Quanto ao facto (óbvio) de que palavras como actual, actualidade e actividade não são (hoje) pronunciadas com o "a" aberto, o facto é que já foram e já ouvi pessoas bastante mais velhas ou em programas de rádio ou televisão muito antigos dizerem àctual e àctualmente. O que significa que já forma vogais abertas.
Em todo o caso esse argumento não é válido e é mesmo um bocado tonto se usado para defender o AO90 pela simples razão de que o AO90 aumentou em muito as situações em que palavras semelhantes ou mesmo iguais terão de ser lidas de forma diferente como são os casos de "recessão" e "rece[p]ção", "corretor" (da bolsa) e "corre[c]tor", "concessão" e "conce[p]ção". O AO90 não vem unificar nada, não vem facilitar a aprendizagem da língua, não vem aproximar a ortografia da oralidade. O AO90 é um acto falhado, um disparate mal feito e contra o qual estão uns 90% dos especialistas da língua (que eu não sou).
Claro que há sempre quem esteja a favor, seja porque tem alguma coisa a ganhar com isso, seja porque faz o que lhe mandam, seja porque gosta de ser moderno. Contra esses não tenho argumentos. A cupidez, como a estupidez, são livres.
«A ortografia não é perfeita. Nem pode ser, já que não reproduz nem pretende reproduzir rigorosamente a oralidade.»
Não pretende reproduzir a oralidade? Então pretende reproduzir o quê? A vontade de Deus? A vontade de "académicos" e "linguistas" de pacotilha?
Porquê essa adoração cega da etimologia? As línguas vão-se alterando ao longo dos tempos. A ortografia tem necessariamente de as acompanhar senão gera-se um divórcio absurdo entre aquilo que se diz e aquilo que se escreve. Com aspetos brutalmente negativos para quem está a aprender a escrita de uma língua (sejam nacionais ou estrangeiros).
Não digo que mude todos os anos. Mas que seja revista de 20 em 20 ou de 30 em 30 anos (ou qualquer outro período que seja consensual).
Miguel Siguan:
«A ortografia francesa foi fixada no séc. XVIII pela Academia da Língua com critérios arqueológicos e arcaizantes que já no seu tempo se aproximavam do pedantismo - «esta companhia declara que deseja seguir a ortografia antiga que distingue os "homens de letras" dos ignorantes e das mulheres simples...» - e que desde então se tem mantido inalterada apesar das frequentes denúncias. «Esta ortografia criminosa, uma das fabricações mais grotescas do mundo» (Paul Valéry, Varieté III, 1936). »
«Em francês, o fonema [є], «[e aberto») pode representar-se de catorze maneiras diferentes sem que tão-pouco haja alguma regra que justifique por que é que num casos se utiliza uma em vez de outra.»
«Vendryes (1921), um conhecido linguista, dizia: «A ortografia do alemão é regular, a do espanhol bastante boa, mas a do francês e do inglês são abomináveis»»
«Os exemplos em inglês não são menos frequentes. Assim, o fonema [i] pode ser representado de dez maneiras diferentes: «ea» (sea), «ee» (bee), «ie» (field), «ei» (ceiling), «eo» (people)... »
«quando ouvimos uma palavra não temos a certeza de como se escreve corretamente e, por outro lado, quando vemos uma palavra escrita nem sempre sabemos como se pronuncia.»
Tudo isto em nome de Sua Santidade - A Etimologia?
Caro Diogo, acabou de dar um exemplo que dá razão aos que são contra este absurdo Acordo Ortográfico, pois refere que o inglês tem dez maneiras diferentes de pronunciar um mesmo fonema, o que para alguns será considerada uma ortografia abominável. Saberá, certamente, que o inglês é a segunda língua mais falada no mundo, certo? Ora, não me parece que as ditas dificuldades ortográficas tenham impedido a divulgação da língua. Mas a estabilidade das suas regras terá, certamente, contribuído. Não se podem fazer revisões de uma língua de 20 em 20 ou de 30 em 30 anos como sugere! Tem a noção do absurdo que propôs?
Por último, deixo-lhe o exemplo da língua italiana, que normalmente não apresenta grandes dificuldades para quem a pretende aprender de uma forma não académica, mas que possui uma gramática bastante complexa. A questão está precisamente na estabilidade das suas regras. Por isso defendo que o argumento, tantas vezes usado para defender o AO90, de que o mesmo é necessário para ajudar a divulgar a língua portuguesa, facilitando as suas regras, não é plausível, de forma alguma! Entre tantas outras coisas...
Já não tenho paciência... principalmente para pessoas que passam a vida a citar os especialistas mas não conseguem argumentar por si próprias. Citações de especialistas, arranjo umas largas dezenas dos maiores especialistas portugueses que estão, na esmagadora maioria, contra o AO90.
Caras Fatimella e MCA,
Numa escrita fonética os signos ou letras devem representar necessariamente os sons da oralidade. É por isso que se chama fonética e não ideográfica. Quando tal não acontece, essa «coisa» deixa de ser uma escrita para passar a ser um absurdo.
Quando os grafemas não correspondem aos fonemas, não havendo regras inteligíveis para tais discrepâncias, a escrita vai-se tornando cada vez mais incoerente. Ao ponto de se tornar incompreensível e inutilizável.
Revisões ortográficas de 20 em 20 ou de 30 em 30 anos não me parecem nenhum sacrilégio. Muito pior do que isso é existirem palavras que, com o tempo, alteram a sua pronúncia e não são acompanhadas por uma alteração semelhante na ortografia.
E, afinal, é tão simples: os acentos existem para quê? Porque se hão-de utilizar vogais e consoantes para representar um dado fonema e cujo som não corresponde a esse fonema, quando temos outras vogais e outras consoantes que correspondem exactamente a esse fonema?
Consideram a escrita uma coisa divina e intocável? Ou será apenas a codificação de uma língua feita por homens (boa parte deles com QI inferior a 100)?
Diogo, só vou dizer isto mais uma vez: se a escrita reproduz a oralidade, então qualquer acordo se torna impraticável já que a oralidade varia de país para país, de região para ragião e até de bairro para bairro. Mais, se a escrita reproduz a oralidade, nem é necessária qualquer ortografia. Cada qual escreve como fala. A ortografia não existe para reproduzir a oralidade mas sim para representar a língua e a língua não é só uma sucessão encadeada de sons, a língua é forma e conteúdo.
...Haja paciência...
Se os grafemas corresponderem exactamente aos fonemas, deixamos de precisar de um deles, não? Pois passariam, praticamente, a ser um só! Teríamos, então, de fazer uma nova revisão para criar uma nova palavra, talvez... grafonemas?
As línguas são, felizmente, muito mais ricas e complexas do que os apoiantes do AO90 querem fazer parecer. É uma riqueza que advém de uma história e de uma cultura, de um determinado povo ou, como no caso da língua portuguesa, de vários povos. É preciso considerar essas diferenças e respeitá-las, como herança e como legado.
Já agora, para quem defende o AO90, escrever 'hão-de'(com hífen) denota alguma confusão...
Cara MCA,
Os estados-nação, aquando da sua formação, e para a primeira coisa que fizeram foi estandardizar: leis, moeda, sistemas de medidas, etc... e sobretudo a língua. Para tanto, escolheram uma determinada versão (normalmente a utilizada pelas elites da capital) e tornaram-na um padrão para todo o país. E é assim que nos entendemos, dentro de um mesmo país.
E são estas línguas padrão que foram codificadas ortograficamente e estabelecidas as regras gramaticais.
Conteúdo é aquilo que pensamos, que raciocinamos, que sentimos e que queremos (ou não) comunicar. Antes do aparecimento da linguagem no homo sapiens, este já raciocinava e formulava conceitos. Aos poucos, foram vocalizando esses conteúdos e transmitindo-os oralmente aos seus conterrâneos - foram surgindo as línguas.
A escrita, que surgiu apenas há 4 ou 5 mil anos (que em termos históricos significa no fim-de-semana passado), foi a codificação dessa vocalização. Surgiu primeiro numa forma ideográfica e depois, numa simplificação extraordinária, sob a forma fonética. Tecnicamente, substituíram-se milhares de símbolos por cerca de duas dezenas. Foi um avanço civilizacional espantoso.
Voltando à vaca fria, cara MCA, você está a pôr tudo ao contrário:
A ortografia serve para reproduzir, mais pobremente, a oralização. E a oralização serve para reproduzir, mais pobremente, o pensamento.
É o pensamento que é forma e conteúdo. A oralidade (a língua) é uma forma mais pobre do pensamento (porque não consegue transcrever em absoluto o que de facto o comunicador pensa e sente). E a escrita é uma forma mais pobre dessa oralidade (porque não consegue transcrever em absoluto as inflexões dessa vocalização).
É este encadeamento que lhe escapa e que a leva a eleger a língua como uma coisa sacra e que deve permanecer imutável pelo resto dos tempos.
Cara Fatimella,
Se ainda não sabe, um fonema é um som e um grafema é um símbolo.
Em relação ao acordo ortográfico, ainda não tenho opinião. Mas é perfeitamente possível que as diferentes vocalizações e gramática (e semântica) não nos possibilite ter uma ortografia comum. Os brasileiros abrem muito mais as vogais do que nós.
O que é pena! Quantos mais faladores e escritores da mesma língua, maior o benefício cultural para todos esses falantes e leitores.
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