Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

28 setembro 2006

Vamos lá a resolver os nossos diferendos

Saramago propõe pacto entre Islão e Cristianismo

O Nobel da Literatura José Saramago propôs hoje um «pacto de não agressão» entre o Islão e o Cristianismo, que vá mais além da Aliança das Civilizações, uma proposta da Europa que considerou insuficiente [...]
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Ora, eu até gosto do Saramago-escritor mas o Saramago-opinador tem cada saída! Que eu saiba, para haver um pacto de não-agressão tem de haver dois agressores. Ora, estamos a falar de Islão e Cristianismo, ou seja, de duas religiões. Se o Islão é agressor ou não, as opiniões dividem-se, embora eu me incline mais para não confundir o Islão com os islamitas. Basta deitar o canto do olho ao retrovisor da História para ver como, durante séculos, a actuação de muitos que se diziam cristãos teve pouco a ver com o Cristianismo. E mesmo hoje... Adiante.
Do que não há dúvidas é que o Cristianismo, enquanto religião e enquanto fé, não é agressor de ninguém, nunca foi e nunca será enquanto durar.

Propor um pacto de não-agressão entre um agressor e um não agressor é cobarde, é hipócrita e patético. Principalmente quando se fala pelo lado do não agressor. Se eu fôr assaltada na rua vou virar-me para o assaltante e dizer-lhe «Eh, pá, somos pessoas inteligentes e civilizadas, ora vamos lá a resolver os nossos diferendos de forma pacífica» ou dou-lhe uma joelhada e piro-me? Que achará o Sr. Saramago que eu devo fazer?

Eles ganharam, Herculano, eles ganharam...

«Que se apresse aquele que quiser guardar alguns fragmentos do passado para as saudades do futuro; (...) porque esses rastos de antepassados que o tempo e os incêndios e os terramotos nos deixaram, não no-los deixará o descrer brutal deste século (...).
(...)
«Se eu fosse rico, iria comprar a capelinha, iria comprar o pardieiro onde houvesse a ombreira gótica; os homens do progresso vender-me-iam isso tudo porque havia de enganá-los; porque haveria de prometer-lhes que converteria aquela em lupanar; este em casa de câmbio.
«Depois eu, (...) livrá-las-ia dos olhos dos que hoje tudo podem e tudo ousam e (...) neste quinto império de mentecaptos dissertadores e mechediços, só aos poetas, aos que ainda crêem na arte e em Deus, revelaria a existência do meu tesouro escondido.
«Mas eu, que não sou abastado, que posso fazer? Ajuntar uma assinatura desconhecida ao protesto lavrado pelos homens de entendimento e virtude contra a barbária do século, para que os meus restos esquecidos não sejam inquietados pelas maldições dos vindouros.»
(Herculano, Alexandre - O monge de Císter)

25 setembro 2006

Colóquio Internacional: Mozart, Marcos Portugal e o seu tempo

Vai realizar-se o Colóquio Internacional «Mozart, Marcos Portugal e o seu tempo», no Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos, nos dias 13 e 14 de Outubro.

Estou com especial curiosidade em relação à comunicação de Paula Gomes Ribeiro «No Laboratório dos Sentimentos: Cosi fan tutte entre o ser-como-máquina do Iluminismo e o ser-digital do séc. XXI»

Também não quero perder a comunicação da pessoa que, no mundo, mais sabe de Marcos Portugal: António Jorge Marques «The sacred music of Marcos Portugal: its influence and dissemination».

22 setembro 2006

Soares de Passos

«Era no Inverno; e sentada à janela, por dentro dos vidros, com o seu bordado de lã, julgava-se desiludida, pensava no convento, seguindo com um olhar melancólico os guarda-chuva gotejantes que passavam sob as cordas d'água; ou sentando-se ao piano, ao anoitecer, cantava Soares de Passos:
«Ai, adeus, acabaram-se os dias Que ditoso vivi a teu lado...»

(Queirós, Eça de - O primo Basílio)


Não sei se foi publicada a música (de Pedro Gastão Mesenier) escrita para este poema de Soares de Passos. Mas deve ter sido. Se não, como a conheceria a pobre e malfadada Luísinha para a tocar enquanto pensava no vilão do primo, lá longe? Não deve ter tido acesso (ou o Eça por ela) às seis folhas manuscritas que existem hoje na Biblioteca Nacional, com a cota M.M. 189//6. Essas estavam em casa do nosso querido Ernesto Vieira. A menos que o Eça fosse amigo do Vieira...

A Internet não substitui as Bibliotecas : 10 razões

Muito interessantes, as 10 razões pelas quais a Internet não substitui as bibliotecas. Para ler em «O bibliotecário anarquista» http://bibliotecarioanarquista.blogspot.com/

20 setembro 2006

O plágio

O plágio é um acto que me confunde um bocado. Não me interessa tanto o lado criminal da coisa, o poder ir preso, o acto de roubar. O que me confunde não é isso. Quando alguém rouba um pão, um televisor ou um quadro, está a apropriar-se fisicamente de um objecto para o usar para si. Passa, de factu, a possuí-lo. Roubo um pão, como-o. Poderei mais tarde pagá-lo mas já o comi. Roubo um rádio, uso-o. Ainda que venha a pagá-lo ou a ser presa por o ter roubado, possuí-o em determinado momento ou troquei-o por dinheiro com o qual pude possuir outras coisas. O mesmo para um quadro, um carro, um livro ou um colar. Há uma posse efectiva, um benefício real, palpável.
O plagiador nunca chega a possuir aquilo que plagia. Não é ele o autor e nunca será porque a autoria decorre do pensamento e o pensamento não se possui.
O que leva alguém a plagiar? Que processo psicológico estranho está por detrás do acto de plagiar? O plagiador acredita realmente que passa a ser autor daquilo que plagia? E se não acredita, plagia para quê? Não percebo.

Conheço um plagiador compulsivo. Conheci, melhor dizendo, porque, de alguém assim, quer-se distância. É um senhor de idade avançada, sofre de parkinson e, a última vez que o vi, arrastava os pés pelo chão das Amoreiras, de olhar vazio. Deu-me pena aquela figura frágil e vulnerável. Vi tudo o que ele podia ter sido e não foi por ter levado a vida a esforçar-se por fingir que era o que não é. Patético.

Quando o conheci, há uns seis ou sete anos, apenas tremia um pouco das mãos, mas o olhar era vivo e disfarçava a custo uma ambição desmedida. Ambição de dinheiro? Não. Ambição de reconhecimento. De honrarias. De beija-mão. Tinha feito, tardiamente, um doctorado em Espanha, numa universidade bastante prestigiada de Madrid. Eu li a tese dele. Má. Muito má mesmo. Daquelas que desprestigiam uma universidade prestigiada. Mas isso não parece ter interessado à universidade madrilena, que precisa de mostrar resultados quantitativos, e menos a ele interessa. Na sua inconsciência doentia, ele acha aquilo uma obra-prima. Exibe o seu "chapéu" de Doutor na fotografia do B.I. Nos cartões de visita escreveu «Cientista da informação». Faz questão de usar o grau académico em todas as ocasiões. Inunda a Biblioteca Nacional de cópias dos seus livros que ninguém publica e que não são livros nem são seus. São trabalhos de alunos que ele pede sempre em formato digital para depois imprimir com uma folha de rosto alterada na qual ele figura como autor. O resultado é, no mínimo, intrigante: é tal a diversidade temática que dir-se-ia ser este senhor um especialista em tudo. Da filosofia às ciências da informação, passando pela linguística e pela psicologia, este pobre de espírito "escreveu" àcerca de tudo. Cento e duas entradas na porbase e não tenho a certeza de que alguma seja realmente dele. Claro que, sendo trabalhos não publicados que plagiam outros trabalhos não publicados é quase impossível detectar o plágio e também prová-lo, não havendo queixa não há crime e aqueles títulos vão dando entrada, paulatinamente, na base nacional de dados bibliográficos. O certo é que vai levando a água ao seu moinho, conseguiu lugar cativo numa grande universidade lisboeta (grande em tamanho, entenda-se), tem lá os seus cargos, os seus amigos (ou aliados) e a partir de lá vai exercendo a sua influência. Pouca influência porque ninguém o leva realmente a sério, pelas costas é motivo de anedotas, mas é um "doutor" por extenso e isso é útil a algumas pessoas e à própria instituição que - cá como lá - precisa de mostrar resultados quantitativos.

Ao olhar o pobre velho, cada vez mais deteriorado pela terrível doença, senti pena dele. Apesar de ele, em determinado momento, me ter prejudicado porque eu não fui ao beija-mão e isso, para ele, é imperdoável. Apesar disso, senti pena. Eu tenho quase 40 anos e um mestrado feito em Portugal, com o meu esforço e com o dispêndio dos meus poucos e fracos neurónios, mas tenho o respeito dos meus colegas e, principalmente, o respeito de mim mesma. Ele tem o seu doctorado feito sabe-se lá como, o seu "chapéu" engraçado, os seus cartões de visita e... cento e duas entradas na base nacional de dados bibliográficos, referentes a "livros" que plagiou a alunos de licenciatura.

Compulsivamente, mesmo quando já toda a gente sabia que ele plagiava os alunos, ele continuava a fazê-lo. Só em 1997, enviou para BN vinte e sete títulos (o que dá uma produção superior a dois por mês), em 1998, dez e em 2000, vinte e três. Não sei se foi a doença ou se alguém na universidade lhe chamou a atenção mas, desde 2001, não consta nada deste senhor na base nacional.

Por muitas voltas que eu dê à cabeça - eu sei que os neurónios são poucos mas... - continuo sem perceber o que levou este senhor a plagiar. O que leva alguém a plagiar.

Voltarei ao assunto.

O Sol tremeu!

«- Oh Jacinto, que estrela é esta, aqui, tão viva, sobre o beiral do telhado?
«- Não sei... E aquela, Zé Fernandes, além, por cima do pinheiral?
«- Não sei.
«Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha Mãe espiritual. Ele, porque na sua Biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre Astronomia, e o Saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírius e aquele outro Aldebaran? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma Vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituimos modos diversos d'um Ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta Unidade. Moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim... Do astro ao homem, do homem à flôr do trevo, da flôr do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo Corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum frémito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime Corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais. Quando um Sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte: - e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto abateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei:
«- Acredita!... O sol tremeu.»
(Queirós, Eça de - A cidade e as serras)

19 setembro 2006

A sabedoria do bibliotecário

«Só sistemas filosóficos (e com justa prudência, para poupar espaço, o bibliotecário apenas coleccionara os que irreconciliavelmente se contradizem) havia mil oitocentos e dezassete!»

Eis um exemplo de erudição aliada à boa gestão de informação... isto é que era um bibliotecário!

A biblioteca de Jacinto

«Era ele, de todos os homens que conheci, o mais complexamente civilizado - ou antes aquele que se munira da mais vasta soma de civilização material, ornamental e intelectual. Nesse palácio (floridamente chamado o Jasmineiro) que seu pai, também Jacinto, construíra sobre uma honesta casa do século XVII, assoalhada a pinho e branqueada a cal - existia, creio eu, tudo quanto para bem do espírito ou da matéria os homens têm criado, através da incerteza e dor, desde que abandonaram o vale feliz de Septa-Sindu, a Terra das Águas Fáceis, o doce país Ariano. A biblioteca, que em duas salas, amplas e claras como praças, forrava as paredes, inteiramente, desde os tapetes de Caramânia até ao tecto de onde alternadamente, através de cristais, o sol e a electricidade vertiam uma luz estudiosa e calma - continha vinte e cinco mil volumes, instalados em ébano, magnificamente revestidos de marroquim escarlate. Só sistemas filosóficos (e com justa prudência, para poupar espaço, o bibliotecário apenas coleccionara os que irreconciliavelmente se contradizem) havia mil oitocentos e dezassete!
«Uma tarde que eu desejava copiar um ditame de Adam Smith, percorri, buscando este economista ao longo das estantes, oito metros de economia política! Assim se achava formidavelmente abastecido o meu amigo Jacinto de todas as obras essenciais da inteligência - e mesmo da estupidez. E o único inconveniente deste monumental armazém do saber era que todo aquele que lá penetrava inevitavelmente lá adormecia, por causa das poltronas, que providas de finas pranchas móveis para sustentar o livro, o charuto, o lápis das notas, a taça de café, ofereciam ainda uma combinação oscilante e flácida de almofadas, onde o Corpo encontrava logo, para mal do Espírito, a doçura, a profundidade e a paz estirada de um leito.»
(Queirós, Eça de - Civilização)

Prontos!!!

Prontos!!! Já tá! Já tenho um blog! Tentei criar um chamado Campos Elísios 202 e descobri, abismada, que já alguém tinha tido a mesma ideia. Por isso, escolhi este nome que também não está mau. Talvez até esteja melhor.
Agora qu'é qu'eu faço?...
Logo se vê. A minha ideia é honrar, por todos os meios ao meu alcance, essa maravilha da literatura e do imaginário português que é Jacinto, a sua biblioteca e os admiráveis progressos de todos os séculos.
Um site de uma bibliotecária mas não, necessariamente, um site sobre bibliotecas.
Quem não admirará os progressos deste Século!!!