Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

06 fevereiro 2013

SPA não adopta o novo acordo ortográfico perante as posições do Brasil e de Angola sobre a matéria

Na biblioteca de Jacinto congratulamo-nos com a decisão da Sociedade Portuguesa de Autores, não obstante o argumento apresentado - «não faz sentido dar como consensualizada a nova norma ortográfica quando o maior país do espaço lusófono (Brasil) e também Angola tomaram posições em diferente sentido» - ser um tanto perverso. Achará a SPA que, caso o Brasil não tivesse recuado, deveria adoptar o Acordo Ortográfico?
Eu acho que não e acho isso mesmo que Portugal tivesse apenas um ou dois milhões de habitantes. Mal de nós quando a salvaguarda da nossa cultura estiver dependente da demografia.
Também acho de muito mau tom apontar apenas um nome como responsável por toda a série de disparates que tem envolvido o AO. Porquê o Dr. Luís Amado? Mas foi só ele? Há um lençol de nomes que teremos de responsabilizar - e que a História, a seu tempo julgará - a começar pelo senhor Presidente da República, quando era Primeiro Ministro, e a acabar nos actuais governantes, passando por todos aqueles que, ao longo de mais de 20 anos - conforme os casos, por estupidez, negligência, incompetência, cobardia ou dolo - permitiram que chegássemos a este ponto.
Em todo o caso, a minha saudação à SPA. Parece que acordou. Continue assim que não vai mal.

«A SPA continuará a utilizar a norma ortográfica antiga nos seus documentos e na comunicação escrita com o exterior, uma vez que o Conselho de Administração considera que este assunto não foi convenientemente resolvido e se encontra longe de estar esclarecido, sobretudo depois de o Brasil ter adiado para 2016 uma decisão final sobre o Acordo Ortográfico e de Angola ter assumido publicamente uma posição contra a entrada em vigor do Acordo.

«Assim, considera a SPA que não faz sentido dar como consensualizada a nova norma ortográfica quando o maior país do espaço lusófono (Brasil) e também Angola tomaram posições em diferente sentido. Perante esta evidência, a SPA continuará a utilizar a norma ortográfica anterior ao texto do Acordo, reafirmando a sua reprovação pela forma como este assunto de indiscutível importância cultural e política foi tratado pelo Estado Português, designadamente no período em que o Dr. Luís Amado foi ministro dos Negócios Estrangeiros e que se caracterizou por uma ausência total de contactos com as entidades que deveriam ter sido previamente ouvidas sobre esta matéria, sendo a SPA uma delas. Refira-se que também a Assembleia da República foi subalternizada no processo de debate deste assunto.

«O facto de não terem sido levadas em consideração opiniões e contributos que poderiam ter aberto caminho para outro tipo de consenso, prejudicou seriamente todo este processo e deixa Portugal numa posição particularmente embaraçosa, sobretudo se confrontado com as recentes posições do Brasil e de Angola»

Lisboa, 9 de Janeiro de 2013

(Fonte: sítio web da Sociedade Portuguesa de Autores)

8 comentários:

Júlio César Pedrosa disse...

Se tivesse sido, pelo menos, produzida uma reforma ortográfica verdadeiramente unificadora e racional, a polêmica não seria tanta.
A meu ver, a única dificuldade seria unificar as grafias duplas (motivadas por duplicidade de pronúncia) como "gênio/génio", "Polônia/Polónia" etc.; de fato, isto seria impossível, a não ser que se eliminassem os sinais diacríticos em palavras como estas, o que seria inadequado.
Creio que deveriam ser mantidas grafias como "facto", "recepção", "amnistia", independentemente da variedade de pronúncia; se os brasileiros dizem [fato] e os portugueses dizem [fakto], então se deveria manter o C.
Ou se deveria eliminar o R final dos infinitivos, apenas por que a maior parte dos brasileiros não o pronuncia?

MCA disse...

Ora bem. Boa pergunta. Na verdade, eu defendo que, a existir uma uniformização (de cujo benefício eu duvido) ela teria de ser no sentido do respeito pela etimologia e independente da pronúncia. Por uma razão muito simples: pronúncias há dezenas (para não dizer centenas) e mudam a cada geração mas a etimologia é uma constante, no espaço e no tempo.

Jaime A. disse...

Há que dar o golpe final neste "acordo" em que ninguém participou, com o qual ninguém concorda e que ninguém (que ame verdadeiramente a sua língua)usa.

Júlio César Pedrosa disse...

Concordo com a conservação da etimologia, tal como a temos hoje.
Creio mesmo que deveriam (e poderiam) ser unificadas certas grafias: "facto", "recepção", "amnistia" etc., independentemente do país; passaríamos por um período de adaptação, de um e outro lado do Atlântico, mas seria possível.
Também acho que o hífen deveria ser mantido apenas com os clíticos (como em "far-me-ia") e antes de H. A nova ortografia causou confusão: por que "anti-inseto" e "auto-ordenado", ao lado de "antimicrobiano" e "autoanalítico"?
Tenho consciência de que há muitas pronúncias (o Brasil já se basta como exemplo disso). Creio, ademais, que se dá uma percepção diferente da questão da ortografia, de acordo com o país.
No Brasil, há várias décadas, as pessoas têm a ideia errada de que se deve escrever como se fala; é por isso que, de modo unilateral, se decidiu grafar "fato", "anistia", "adotar", “ótimo”, levando-se em conta apenas a pronúncia média brasileira, esquecendo-se de que em Portugal e outros lugares a pronúncia conserva fonemas a mais ("facto", "adoptar") ou menos (“receção”), o que motivou a conservação da grafia antiga ou a alteração dela (se eu tiver cometido algum deslize, corrijam-me).
Chegou-se a dizer que, no Brasil, as reformas ortográficas foram feitas para analfabetos; já os que defendem a ideia (inexata, a meu ver) de que o português brasileiro é uma língua autônoma (é, alguns dizem isso, nas universidades), opinam que devemos ter grafia própria. Os brasileiros, em geral, devido ao pouco conhecimento do assunto, acham que as alterações ortográficas implicam mudanças na pronúncia.
Seja como for, o projeto foi pouco discutido, não teve participação de especialistas e representantes de instituições interessadas no assunto e é inócuo. Sou da opinião de que, se é para reformar a ortografia e unificá-la, isso deve ser bem feito, ou não se faça. (Não sou defensor, porém, de grafias como “esesão”, “oje”, “fogete”, “garajem”, como querem alguns por aqui, já há um bom tempo.)

Bic Laranja disse...

Têm graça os comentários do sr. Pedrosa (brasileiro, presumo) porque são a letra do acordo de 1945. Que o Brasil assinou e não cumpriu. Porque era lusitanizante (Houaiss dixit).
Cumpts.

Júlio César Pedrosa disse...

Acertou em cheio, Sr. Bic Laranja! Sou brasileiro, o que não significa que eu seja a favor do acordo ortográfico atualmente proposto (talvez o fato de ser brasileiro me torne suspeito aos olhos portugueses: À noite todos os gatos são pardos...).
Mas disse eu algo absurdo? Externei minha opinião, e não sou a favor de reformas impostas. De imposições e confusão já basta o que há no Brasil.
Não tenho culpa de o Brasil ter assinado um acordo e não o ter cumprido.

MCA disse...

Bic Laranja, culpar os brasileiros pelo incumprimento do acordo de 1945 equivale a culpar os portugueses pelo acordo de 1990. Os Estados não perguntam nada, agem com abuso de poder. tanto mais que ambos os países viviam em ditadura.
Julio, ser brasileiro, para mim, não interessa nada. Eu discuto ideias, não discuto nacionalidades. Parece que há quem não pense assim...

Júlio César Pedrosa disse...

Concordo com você, MCA. Devem-se discutir ideias... Neste caso, porém, creio que, por mais que se discuta, não se chegará a uma solução: o acordo já nasceu errado.
Aproveitando o ensejo, percebo que deveria ter escrito "A olhos portugueses", não "AOS". Nosso artigo definido faz muita diferença.
Perdoe-me o lapso. Grato.