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25 janeiro 2007

As razões da escolha XIX

«Deixou de ser pertinente e sério insistir no tema da vida do embrião ou do feto e da sua eventual prevalência sobre a vida da grávida» (Manuel Alegre)

Virá o dia (porque as coisas não hão-de piorar sempre) em que, olhando para os inícios do Século XXI, se falará dos relambórios sobre a humanidade de um feto com o misto de desprezo e incredulidade com que hoje olhamos o tempo em que os brancos discutiam se os negros são seres humanos. Como era possível?
Como é possível!?!...


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4 comentários:

O bibliotecário anarquista disse...

Não sei qual é o futuro da humanidade e com o aquecimento global nem auguro grande futuro... de qualquer forma pode evoluir nesse sentido (e quiça no até no direito à vida do espermatozoide...), é certo, mas também pode ir no sentido de proteger a mulher...

Lembra-te Clara que o Aborto é um acto de desespero da mulher. Não é um prazer nem um método contraceptivo...
Um dia pode muito bem uma amiga tua desesperada entrar-te pela casa adentro e implorar que a leves a Badajoz e o que vais fazer? Denunciá-la (é a tua obrigação perante a lei)! E onde vão parar todas as tuas convicções?... Às cucuias!...

MCA disse...

Já aconteceu algo parecido mas, infelizmente, não fui a tempo de ajudar. Obviamente, nunca denunciaria. Uma pessoa desesperada precisa de ser ajudada, não punida. Sou contra a punição das mulheres, já o escrevi várias vezes, não apenas às 10 mas às 14, às 16 ou às 20 semanas. Mas também sou contra a liberalização. A lei actual já prevê casos suficientes. Tem é de ser aplicada. Uma pessoa desesperada deve ser ajudada a ter o filho, se isso for uma alternativa, ou a abortar legalmente, se não houver alternativa. Uma mulher em estado de depressão grave, em risco até de suicídio, pode e deve ser ajudada a interromper a gravidez à luz da actual lei. Uma adolescente que engravida aos 13, 14, 15 anos, além de inimputável, pode ser ajudada a abortar porque é uma gravidez de risco. Agora, uma mulher adulta que reincide, que se descuida sistematicamente, que não toma a pílula para não engordar... isso é brincar com a vida humana!
Acho que a posição do "Não" é equilibrada porque tem em conta todos os direitos "em conflito". Já o "Sim" ignora totalmente os direitos de uma das partes e é injusta porque estabelece um limite arbritário (10 semanas) e continua a punir as mulheres que abortam para além desse limite arbitrário. O "Sim" é mais injusto que a situação actual, gera mais desigualdade, nada acrescenta de bom, mantém a penalização das mulheres e introduz um elemento de arbitrariedade que é muito injusto.
Se o referendo fosse relativo apenas à despenalização da grávida eu votava "Sim", sem hesitação.

O bibliotecário anarquista disse...

Não me parece que as 10 semanas sejam um limite arbitrário. É difícil tomar conhecimento de uma gravidez antes das 6 semanas (altura em que se começa a desconfiar) pelo que 10 semanas parece-me um prazo razoável...
Se me aparecesse um pedido de ajuda às 16 ou 20 semanas (7 meses) é claro que não ajudava, nem creio que nenhum centro de saúde na europa o faça!...

MCA disse...

Bom, em rigor, é possível "desconfiar" a partir das duas semanas de gestação (primeira falta menstrual). Mas há casos em que não há sintomas. Há grávidas que continuam a ter menstruação durante os primeiros meses. E não são poucas. Conheço mais do que um caso só entre amigas e conhecidas minhas, além dos casos que se ouvem contar. Além disso, o que está em causa, para mim (e penso que é essa a posição da maioria das pessoas que vota Não) é se o embrião ou feto deve ser sujeito de direitos. Se é sujeito de direitos (ainda que menores em relação a um nascido ou a um feto mais desenvolvido) esses direitos têm de ser tidos em consideração. Por exemplo, na actual lei, há uma ponderação que é feita entre os direitos/interesses da grávida e os do feto. Por isso o aborto é permitido em alguns casos que se consideram justificáveis: o risco de vida para a mãe (o mais importante), a mal-formação do feto, o risco para a saúde física e psíquica da mãe e a violação. Repara, todos são discutíveis. Sei que há quem não aceite nenhum e quem só aceite o risco de vida para mãe. Eu tenho até uma posição bastante moderada em relação a isto. A minha escolha pende, tendencialmente, para os direitos/interesses da mãe. Mas nesta pergunta não está em causa um alargamento desses casos justificáveis. Aliás, na proposta de lei do PS, o alargamento dos casos justificáveis (factores socio-económicos) é feito até às 16 semanas, não às 10. Eu acho o prazo excessivo mas aceito o princípio. O que se pretende neste referendo é que, até às 10 semanas, não tenha de haver justificação. É preciso ler a legislação para perceber isto. Eu vou procurar o link para a proposta de lei. Já o deveria ter feito. Falha minha.
As maioria das pessoas que votam Não também quer mudar a lei. Mas não assim. Não desta maneira, percebes? O voto "Não" não se destina a manter a lei actual. Por mim, até dispensava o referendo se estivesse apenas em causa a despenalização da mulher e o alargamento dos casos justificativos...