O argumentário pela legalização do aborto é, de uma maneira geral, pobre, casuístico, fragmentário e demagógico. Mas reconheço que têm um bom argumento.
Diz este argumento que, quando uma mulher decide abortar, não há ameaça, punição ou risco que a faça mudar de ideias. Decorre desta convicção (que eu partilho) que não há nenhum aborto realizado dentro da lei que o não fosse fora da lei. Ao legalizar, estaríamos apenas a deslocar abortos clandestinos para os hospitais e clínicas (e não a acumular abortos legais a abortos clandestinos) e a proporcionar condições sanitárias a mulheres que, em qualquer caso, abortariam. Acresce - ainda dentro deste argumento - que, se as mulheres se dirigirem a um hospital ou a uma clínica sem receio de serem denunciadas ou presas, poderão, no contexto de uma consulta preliminar, ser demovidas dessa intenção "a bem" e não com ameaças pelo que até seria possível conseguir com a legalização aquilo que a punição não tem conseguido até agora.
Este é um argumento poderoso, consistente, pragmático e muito, muito convincente. Reconheço que, se algum argumento me convencesse, seria este.
Então porque é que voto Não?
Seria um lugar comum (nem sequer muito inteligente) responder que há mais argumentos pelo Não do que pelo Sim. Não é uma questão de número de argumentos. Um só argumento poderia ser suficientemente pesado para fazer pender o prato da balança, principalmente se esse argumento lida directamente com a realidade e não com um mundo ideal que não existe.
Sejamos, pois, pragmáticos. Olhemos a realidade. O que existe e o que pode ser feito. O que temos e o que podemos ter. Entre a actual situação legal e a hipotética legalização do aborto há alternativas, há outros meios, outras opções possíveis.
É errado pensar que a única coisa que se pode dar a uma mulher grávida com problemas é a opção de abortar legalmente. É errado, é injusto e pior: é cobarde!
Vejamos o projecto de lei do PS que já aqui publiquei. Este Projecto prevê, além da alínea que contempla o aborto a pedido até às 10 semanas, uma outra alínea - que não está sujeita a referendo - e que contempla a exclusão de ilicitude por razões socio-económicas.
Devo dizer, desde já, que considero excessivo o prazo previsto (16 semanas) para esta excepção. Mas esse é um detalhe. É secundário. O que me interessa é se as razões socio-económicas podem ser consideradas como uma justiicação para abortar. Penso que sim, penso que, se não for encontrada alternativa, deverá ser proporcionada essa possibilidade, em condições de higiene, segurança e dignidade.
Não quero estender-me demasiado nesta questão porque penso que esta, por si só, implicaria muita reflexão, designadamente quanto à averiguação das circunstâncias. Consideremos apenas uma alteração à actual lei permitisse a inclusão dessa excepção. Teríamos:
1º Em caso de risco de vida para a mulher - já contemplado;
2º Em caso de violação - já contemplado;
3º Em caso de risco de saúde física e psíquica da mulher - já contempado;
4º Em caso de malformação do feto - já contemplado;
5º Em caso de situação socio-económica grave e insolúvel em tempo útil - pode ser contempado, sem carecer de referendo
O que sobra?
Sobra o caso da gravidez saudável, resultante de um acto consciente e voluntário, de uma mulher com condições sociais e meios económicos para prosseguir a gravidez e que quer abortar porque não deseja o filho ou porque mudou de ideias. Só um caso desses carece da alínea que contempla o aborto a pedido. Todos os outros estão (ou poderão estar) contemplados sem ser necessário responder Sim no referendo.
Dizem os defensores da legalização - e eu concordo totalmente - que estes casos de irresponsabilidade, de leviandade, são residuais. Pois são. Os casos dramáticos das mulheres pobres e adolescentes - as tais que recorrem ao aborto de vão de escada - esses poderão ser contemplado com a inclusão da tal alínea que inclui os problemas socio-económicos. Os outros, os raros, os das mulheres que abortam levianamente, porque não querem o filho apesar de terem meios económicos e condições sociais - as tais que recorrem às boas clínicas - são os únicos - OS ÚNICOS - que precisam da legalização aborto a pedido.
Se as mulheres que recorrem ao aborto por real necessidade não forem sujeitas à prisão, se souberem que podem recorrer ao hospital e que aí - nos tais Centros de aconselhamento familiar previstos no Projecto de Lei - podem ser ajudadas e acompanhadas, então não é necessário instituir o aborto a pedido.
Não é necessário votar Sim para mudar a lei. É mentira. O Sim só serve para legalizar o aborto a pedido, para mais nada. É possível incluir as razões socio-económicas na actual lei, mesmo que ganhe o Não porque o Não só impede a legalização do aborto a pedido mas não impede o alargamento das actuais excepções.
É por isso que vou votar Não.
As razões da escolha XXIII. XXII. XXI (cont.). XXI. XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.
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13 comentários:
Pressuponho portanto que na tua opinião, uma mulher que teve um "affair" de uma noite, solteira com emprego e razoável conta bancária, tem de levar avante uma gravidez que não planeou ou desejou? Apenas pq é economicamente viável? não interessa nada se a criança depois é abandonada, ou tratada como um contratempo? Ou então se uma miuda de 16 anos filha de pais abastados, a estudar, ficar grávida, tem de levar a gravidez ao fim? claro, tem dinheiro, os pais criam o miúdo ela fica com a vida feita em fanicos, mas isso agora não interessa nada...mas a criança vem. Ou então uma mulher jovem, digamos na casa dos 22 anos, a estudar, fica grávida do namorado, nenhum trabalha mas até vivem bem com as respectivas famílias. Como foram inconscientes, ela engravida. Como sabe que levar a gravidez avante é decretar o fim dos seus estudos, decide interromper a gravidez. Certo? Errado, leve-se a moça a uma casa de esterilização para lhe ficar de emenda.
Na tua dissertação parece tudo tão simples e claro. Pena é que o que tu chamas "aborto a pedido" tenha na sua génese os mesmos problemas que apontas para as situações anteriores. Uma mulher que aborta, que opta por não levar avante uma dada gravidez, faz uma escolha, que é SEMPRE difícil. Por favor não faças considerações de valor sobre situações que não podes avaliar por nunca teres passado por elas. Aliás esta é uma das razões que me leva a votar SIM. Recuso-me a seguir pela cartilha moral dos outros. Cabe a cada indíviduo avaliar e medir as consequências dos seus actos longe de teorias construídas por outros, sobretudo no que diz respeito a decisões que lhe irão modificar a vida. Faz-me pena pensar que não respeites a decisão de uma mulher que conscientemente, conhecendo as suas limitações, apesar de ter os meios financeiros, opte por uma IVG. Já olhaste à tua volta? sabes quantas das tuas amigas, conhecidas, e colegas terão já recorrido a uma? Serão elas pessoas más, mal formadas, canalhas? Não. São provavelmente pessoas fortes que lidam com o seu passado da melhor forma que conseguem, que lidam com as decisões que tomaram em alguma fase da sua vida.
Os guardadores da moral alheia lidam mal com a capacidade de decisão de cada individuo. Não será o teu caso porque te conheço, mas cada dia que passa até ao referendo mais me convence que na base de argumentação do Não o que efectivamente está subjacente é o medo de colocar nas mãos dos individuos uma decisão que a eles, e apenas a eles, cabe.
Que se referende, e que ganhe o SIM, para que ao mesmo tempo se implementem normas e meios de apoio a quantas Querem e NÂO PODEM ter filhos.
Não me vou estender em tantos casos como o comentário anterior. Só digo que, além da razão que puseste como sendo a mais forte do SIM (e eu concordo que é), nenhuma criança deve nascer como uma consequência de algo. Deve nascer porque se quis, mesmo que não seja planeada. Ver o nascimento de um filho/a como consequência é algo que me escapa à compreensão. E pode ser que o problema seja de mim, mas penso que nestes casos também a mulher deve poder decidir. Para que um filho/a não seja uma consequência (ou uma "pena" de um comportamento irresponsável) eu voto SIM!
Ora, cá chegamos à situação afirmativa. Já a tinha visto (a situação) no blogue do Adalberto, mas estava à espera de uma declaração de voto em sede própria. Já sabes a minha, que coincide com a do Adalberto e com a de milhões de portugueses. Falta a votação. Haja respeito por todos, pelas suas opiniões e convicções. E haja orgulho no que se passou nos últimas semanas: empenhamento e discussão de ideias, exercícios plenos de cidadania como à muito não se via em Portugal.
Um abraço!
p.s. - como diria o Batman: see you in the congress http://www.apbad.pt/9CongBAD/Programa.htm
para bom entendedor...
É óbvio que os 3picuinhas acham que o aborto a pedido é algo de bom, justo, saudável, que corresponde, no essencial, a um exercício de liberdade. Votam, SIM, portanto, contrariados, pois esta ligeira nesga aberta por esta liberalização fica muito aquém de uma verdadeira progressão ética que seria a liberalização total. Da sua iluminada cátedra, acusam os guardiões da moral alheia de negarem a liberdade individual. Sim, o que é isso de um feto comparado com uma carreira, ou com o curso, ou com as férias, ou com a próxima queca? Não, MCA! És arrogante! Pensas que podes impor o teu código ético a uma sociedade moderna desenvolvida, progressista?!?... Então, não sabes que já temos o simplex e vamos ter casas de chuto? Em que mundo de atraso vives tu, MCA?...
Queres proteger a vida, como se a vida valesse alguma coisa? Felizmente, temos não 1, não 2, mas 3picuinhas para te chamar à razão. Estou certo de que esses picuinhas não se importarão de ver o seu carro levado por estranhos, num exercício de liberdade, ou de apanharem um enxerto de porrada nos seus focinhos liberais, numa manifestação de líbido sublimada, tudo em nome da autodeterminação do indivíduo. E para que não se pense que estou a fazer blague, declaro aqui, solenemente, que lamento que a(s) mãe(s) de 3picuinhas (devem ser gémeos, que um mal nunca vem só...) não os tenha abortado e vertido na lata do lixo de onde (sábia natureza!) saiu a trampa que lhes enche o crânio.
Muito rapidamente porque a minha ligação está lenta e irregular:
3picuinhas: já estou cansada de repetir e é a última vez que o escrevo aqui, não está em causa um juízo moral de comportamento, estou-me nas tintas para a vida sexual das pessoas, quem vai para cama com quem, quando e porquê. Cada um é livre de ter os casos que quiser e é adulto para assumir as consequências. Só me interessa, repito, só me interessa a defesa dos direitos do ser humano em gestação. Entendo que a lei deve estabelecer uma ponderação entre esses direitos e os direitos da mulher grávida e entendo que este referendo não assegura essa ponderação.
2º Eu não julgo ninguém, não sou juiz. O Direito não julga, regula as relações entre os membros de uma sociedade e estabelece normas de actuação. Acho que as mulheres não devem ser punidas porque, quando realizam um aborto, estão convictas de que essa é a melhor solução ou pelo menos a menos má para um problema que se lhes depara. Sei de casos, obviamente, toda a gente sabe, mas são casos complicados, não conheço nenhuma que tenha abortado levianamente, como quem tira um sinal. Um desses casos (que conheço) poderia ter sido realizado legalmente se a moça conhecesse a lei porque era um caso óbvio de depressão (causado por um rompimento muito doloroso) que qualquer médico sensato sancionaria. É preciso apostar na educação. Mas se a sociedade der a uma mulher, como única escolha, o aborto, então não está a dar nada, está a demitir-se das suas obrigações de solidariedade.
Rui Pedro
A gravidez é a consequência de um acto sexual. Não há outra maneira de ver as coisas. Tudo o resto é lirismo. Era maravilhoso se só nascessem crianças desejadas e se todas as crianças desejadas nascessem. Não é assim. Nascem crinaças que não são desejadas mas acabam por ser muito amadas (pelos pais biológicos ou por pais adoptivos); nascem crianças desejadas que acabam por não ser amadas (porque a vida é complicada, as pessoas são complicadas, o mundo é complicado); e há crianças desejadas que não chegam a nascer porque a única opção que as suas mães têm é o aborto.
Agilizem-se as leis da adopção para resolver o problema das primeiras; criem-se mecanismos de apoio às famílias para proteger as segundas; e apoiem-se as mulheres grávidas para permitir o nascimentos das terceiras.
A sociedade a que todos pertencemos não pode lavar as mãos como Pilatos e dizer que não tem nada com isso. E legalizar o aborto a pedido é lavar as mãos do problema.
Gaspar,
Já tardava a tua visita. Um abraço, vemo-nos nos Açores.
Do Valle
A Biblioteca de Jacinto é um espaço de livre expressão de opiniões mas deve haver moderação na linguagem, para não abrir caminho a intervenções de crescente agressividade.
MCA,
o nível a que desceram 3picuinhas (juntos, claro, que eles andam sempre juntos, por isso é que são 3picuinhas...) com frases como "Por favor não faças considerações de valor sobre situações que não podes avaliar por nunca teres passado por elas", já releva da torpeza de carácter, que não da liberdade de expressão. Estes donos da verdade que querem o aborto livre para aliviarem a consciência grupal dos desmandos íntimos usam tudo para amesquinharem aqueles que se atrevem a uma postura (obviamente, reaccionária e retrógrada) de defesa de princípios éticos e de argumentação racional.
Não, MCA, eu não desci o nível. Limitei-me a espreitar o nível alheio. Prometo não voltar a fazê-lo, que já fui ao banho e não tenho nariz para isto.
Nota: embora não tenha escrito nem metade do que eles (os3picuinhas3) mereciam ler (ainda que não entendessem), peço-te desculpa por a minha intervenção ter colidido com a tua "linha editorial".
Do Valle,
Vai em paz e d'ora avante não tornes a pecar.
Clarinha, uma abraço (obrigadinha pela defesa) e amigas como antes.
F. do valle, não somos 3 sou só uma, e não respondo a gente mesquinha
Picuinhas, nem outra coisa me passaria pela cabeça. Se eu fosse zangar-me com todas as pessoas que conheço e que defenderam a despenalização nestas condições (eu defendo-as noutras) estaria zangada com muita gente.
Acho que, com este resultado, não há vencedores mas apenas derrotados. Se em 1998 tivesse ganho o Sim, seria a vitória da ala radical do Sim - "na minha barriga mando eu" - que considera o aborto um direito da mulher sobre o seu corpo. Não aconteceu isso. A campanha teve esse mérito: forçar a que prevalecesse a versão mais moderada do Sim. Considero isso uma pequena vitória do Não. Muito pequena mas melhor do que nada.
Agora espero ver todos os defensores do Sim tão empenhados em reduzir as causas do aborto como o foram os defensores do Não, ao longo destes anos. Por uma questão de coerência. Porque, afinal, somos todos contra o aborto, não é?
Eu conheço o Do Valle. Não é mesquinho. Tem mau feitio.
3 picuinhas3,
eu, por acaso, respondo a todo o tipo de gente (ossos do ócio). É o que estou a fazer agora, apenas para dizer que uma boa maneira de não assumir a falta de argumentos é dizer "não respondo a gente mesquinha". E para tal, de facto, não são precisos 3.
Fim, de conversa, claro.
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