Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

31 janeiro 2007

O debate sobre o aborto no seu melhor V

... mas o nosso contraceptivo é infalível.

«Os defensores do Não querem obrigar as mulheres a ser mães...» (Panteras Cor de Rosa - Frente de Combate à Lesbi-Gay-Trans-Fobia)

O debate sobre o aborto no seu melhor IV. III. II. I.

Outras razões da escolha

Recebi por correio electrónico este texto de um visitante habitual d'A biblioteca de Jacinto, que ora divulgo. Para o PJA, o meu agradecimento.

«Aquilo que, decididamente, os defensores do SIM não conseguem resolver − e, por isso mesmo, fogem à questão com frases tolas do género "não queremos mulheres presas, ou julgadas, ou investigadas", como se as mulheres não fossem cidadãos sujeitos ao Direito − é o seguinte:
1. Actualmente, em Portugal, existe um regime legal de despenalização do aborto, já sobejamente repetido, com casos em que a ilicitude do acto é excluída.
2. Esses casos pressupõem, obviamente, a prática do aborto em estabelecimento de saúde autorizado, bem como a vontade expressa da mulher e, em alguns deles, limites temporais.
3. Fora desse quadro de despenalização, qualquer aborto denunciado leva à instrução de um inquérito, nos termos gerais do processo penal.
4. Daqui, e nos mesmos termos, decorrerá, ou não, o julgamento dos implicados no acto, incluindo a mulher que haja abortado.
5. Em julgamento tem-se verificado que os juízes, de acordo com o Direito concretamente mobilizável, têm chegado a juízos que variam entre a absolvição e a condenação com suspensão da pena.
6. Estas decisões, juridicamente fundadas, em nada violam a lei em vigor. Quanto à absolvição, nem carece de mais explicitações, pois só por ignorância se pode pensar que um julgamento tem de conduzir a uma condenação, quando o que vigora é o princípio transpositivo da presunção da inocência; quanto à suspensão da pena, porque a própria lei admite inúmeros casos em que ela é admissível e, ainda que a lei o não previsse, qualquer aluno do 2º ano de direito sabe que o sistema não se reduz à lei, integrando também princípios normativos, doutrina, jurisprudência e usos, cabendo ao julgador ponderar os interesses e os valores in casu pertinentes.
7. Posto isto, vejamos: dizem os partidários do SIM que pretendem despenalizar, isto é, que a mulher não possa ser penalizada, porque tal situação é incivilizada e injusta.
8. Por mera retórica, admitamos que assim é; mas, se já existe despenalização, aquilo que visariam seria excluir do regime penalizador as mulheres, ou seja, da actual lei (incivilizada e injusta) que prevê a prisão para a mulher que aborta fora do limitado quadro de despenalização passaríamos a uma lei que, pura e simplesmente, não perseguiria penalmente a mulher.
9. Acontece que não é disso que tratam, nem é isso que querem.
10. Aquilo que vão votar e que, por via desse voto, vão viabilizar em sede legislativa é algo equivalente à resposta positiva a uma outra pergunta que se obtém por mera substituição dos termos da equação (não acrescento, nem retiro − apenas torno visível o que já lá está implícito).
11. "Concorda com a aplicação de pena de prisão, na sequência de procedimento criminal, à mulher que pratique a interrupção voluntária da gravidez após as 10 semanas de gestação ou, em qualquer momento da gestação, fora de estabelecimento autorizado?" A esta pergunta os partidários do SIM têm de responder... SIM.
12. É claro que isto alarga, por via da liberalização (que diz respeito aos motivos), o campo da despenalização; mas esse é apenas um problema quantitativo − qualitativamente, continua a haver penalização.
13. Ora, o SIM tem dito, à exaustão, que o NÃO é hipócrita, porque quer manter a lei, mas não quer que ela se aplique (o que já vimos ser falso, porque o facto de não haver arguidas presas não tem nada a ver com a desaplicação da lei).
14. Mas, se o NÃO é hipócrita e o SIM é verdadeiro, honesto, transparente, então só pode defluir uma conclusão: os defensores do SIM no próximo dia 11 vão exigir que, fora do quadro que tão entusiasticamente votaram, os processos se instruam e os juízes, com mão implacável, apliquem a lei e prendam as mulheres. Isso será coerência, isso será decente, isso justificará, enfim, tanto empenho na alteração da lei.
15. Estou seguro de que, à porta dos tribunais, com a habitual cobertura televisiva, teremos os do costume, mas, desta vez, exigindo penas severas para as infractoras.
16. Assim, e concluindo, não acabando com o aborto ilegal, não acabando com a criminalização das mulheres, não reconhecendo dignidade humana ao feto, o que o SIM consegue é uma monstruosa fraude.
17. O que os move, então? Política, obviamente. Sem ética, entenda-se, que isso é coisa reaccionária e medieval.»
PJA

As razões da escolha XXII

«Há determinados patamares de universalismo dos quais não podemos levianamente abdicar, sob pena de resvalarmos para um relativismo e nihilismo que tudo diluem
(Francisco Louçã, Luís Fazenda e João Teixeira Lopes, contra os touros de morte em Barrancos. Fonte: Blogue do não)

Faço minhas as palavras destes senhores.

As razões da escolha XXI (cont.). XXI. XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

O debate sobre o aborto no seu melhor IV

Isso quando dá nas galinhas...

«Um ovo não é igual a um pinto, um ovo não tem os mesmos direitos do que um frango» (José António Pinto Ribeiro)

O debate sobre o aborto no seu melhor III
O debate sobre o aborto no seu melhor II
O debate sobre o aborto no seu melhor I

30 janeiro 2007

Why worry?

Decididamente, estou a ficar velha...



Dire Straits - Why worry

Dire Straits - Why worry

Baby,
I see this world has made you sad
Some people can be bad
The things they do, the things they say
But baby,
I'll wipe away those bitter tears
I'll chase away those restless fears
That turn your blue skies into grey

Why worry?
There should be laughter after the pain
There should be sunshine after rain
These things have always been the same
So why worry now?


Baby,
when I get down I turn to you
And you make sense of what I do
I know it isn't hard to say
But baby,
Just when this world seems mean and cold
Our love comes shining red and gold
And all the rest is by the way

So, why worry?
There should be laughter after pain
There should be sunshine after rain
These things have always been the same
So, why worry now?
Why worry now?

O debate sobre o aborto no seu melhor III

Afinal vai ser de braço no ar

«Os cristãos que vão votar "sim" no referendo serão alvo de excomunhão automática, a mais pesada das censuras eclesiásticas.» (Cónego Tarcísio Alves)

O debate sobre o aborto no seu melhor II
O debate sobre o aborto no seu melhor I

O debate sobre o aborto no seu melhor II

Impertinente e alegre

«Deixou de ser pertinente e sério insistir no tema da vida do embrião ou do feto e da sua eventual prevalência sobre a vida da grávida» (Manuel Alegre)

O debate sobre o aborto no seu melhor I

As razões da escolha XXI (cont.)

O Pedro Sá teve a gentileza de responder às minhas "Razões da escolha XXI" da seguinte forma que aqui transcrevo (PS), com as minhas respostas (ABJ):

[ABJ. Os problemas das mulheres que abortam clandestinamente devem ser um assunto de relevância para o Estado (eu acho que sim, que devem) mas os traumas causados pelo aborto já são só um problema da mulher que o pratica?!? ...]
PS. Como é óbvio, problemas físicos são assuntos de relevância para o Estado, e problemas psíquicos não.

ABJ. Não, não é óbvio. Problemas psíquicos são um problema de saúde como qualquer outro. Se os problemas psíquicos não fossem de relevância para o Estado, então também não se justificaria a permissão que a actual lei contempla (e com a qual concordo) de grave lesão para a saúde psíquica da mulher
.

[ABJ. (...) Quem pode sustentar os filhos, tem filhos. Quem não pode, aborta. Isto não é uma forma de desigualdade? (...) Quanto a não ter efeitos sobre terceiros... (...) Read my lips: um feto é um ser humano. (...)]
PS. Pois fico a saber que há pessoas que acham que ter ou não ter filhos é uma desigualdade social...E não, não tem efeitos sobre terceiras pessoas. Basta ir ver ao Código Civil quando é que é atribuída a personalidade jurídica.

ABJ. Ter ou não ter meios económicos para ter filhos é uma desigualdade social.
Quanto à personalidade jurídica, não tem nada a ver com o caso. Felizmente, não é o Código Civil que decide se uma pessoa é uma pessoa. Se assim fosse, não se justificava a luta de tanta gente pela defesa dos direitos humanos em países onde personalidade jurídica nem sequer existe. E o que está em causa não é se há personalidade jurídica mas se há tutela jurídica. O nosso quadro legal protege a vida intra-uterina. Deve ou não continuar a protegê-la? Em meu entender, deve.


[ABJ. Quanto ao consumo de droga, está de tal forma ligado à toxicodependência que não consigo perceber a diferença. (...) A toxicodependência tem causas muito complexas e a maioria dos toxicodependentes são, de algum modo, arrastados para essa situação por diversas circunstâncias. (...).]
PS. Era o que mais faltava cada pessoa não ser responsável pelos seus actos e a culpa ser sempre de terceiros ou "da sociedade".

ABJ. Eu não disse isso. Todos os nossos actos são, em primeiro lugar, da nossa responsabilidade enquanto indivíduos. Mas muitos toxicodependentes iniciaram-se na droga aos 10, aos 12 aos 14 anos. Podem ser responsabilizados? Não creio. Além disso, o discurso da responsabilidade é muito bonito mas parece que só funciona para um lado. Para muitos defensores do Sim, as mulheres são todas umas desgraçadinhas. «Ir para a cama com os copos» (palavras de um defensor do Sim) não é lá muito responsável...


[ABJ. Pelo contrário, é só isso que está em causa. (...) Pode-se ser contra ou a favor do aborto às 5, às 10, às 20 ou às 40 semanas. Mas não se pode escamotear a verdade: um embrião é vida humana, é um ser humano. (...)]
PS. Errado. Esta é pura e simplesmente uma questão de Direito Penal. Querer levar a conversa para o que é vida ou não é não passa de querer tapar o sol com a peneira.

ABJ. As tábuas da lei não são fonte de Direito. O Código Penal não cai do céu. A ordem jurídica não é dissociável do contexto social e ético de cada sociedade. Pelo contrário, reflecte-a. Por isso tenho defendido que esta questão é, acima de tudo, uma questão civilizacional. Mas fazer tábua rasa dos últimos 30 anos de progresso científico e ignorar o que se sabe hoje sobre vida intra-uterina está ao nível daqueles "sábios" que se recusavam a olhar pelo telescópio de Galileu.


[ABJ. (...) Um ilícito pode não ser punido e continuar a ser ilícito. Uma coisa não implica a outra.]
PS. Um ilícito sê-lo e não dar lugar a punição é pura e simplesmente ridículo. Para além disso manteria tudo na mesma porque quem procedesse à operação técnica continuaria a ser penalizado. Ou custa assim tanto a perceber?

ABJ. Confesso que tenho vacilado muito nessa questão. Despenalizar as mulheres presumindo o estado de necessidade desculpante é uma forma de desresponsabilização e de menorização. Por outro lado, essa presunção (tal como a presunção de inocência) poderia minimizar muitas injustiças. Digamos que é um mal menor. De resto, eu defendo o alargamento das actuais excepções a situações de debilidade socio-económica verificáveis (o que já está previsto do Projecto de Lei do PS, aliás, com um prazo bastante alargado) e isso não está em discussão neste referendo.


[ABJ. Jogar com palavras é confundir despenalização, legalização e liberalização. (...) Como bibliotecária, (...) nunca poderia considerar estes termos equivalentes. (...).]
PS. Pode perceber de bibliotecas, mas de Direito já vi que não sabe.

ABJ. Nem tenho essa pretensão. Tenho dito aqui repetidas vezes que não sou jurista e tenho tido o cuidado de ler a opinião de juristas para me documentar. Bem como a de médicos. Mas percebo de terminologia e posso assegurar que os termos "despenalização", "legalização" e "liberalização" não são equivalentes.


[ABJ. (...) Despenalização sem liberalização significa introduzir na lei uma cláusula que despenalize a grávida mantendo a punição para os restantes agentes do aborto. (...)]
PS. Uma cláusula que despenalize a grávida mantendo a punição para os restantes agentes do aborto significa continuar a manter o flagelo social do aborto clandestino.

ABJ. A única maneira de eliminar totalmente o aborto clandestino é liberalizá-lo até às 40 semanas. Paciência. Não se pode ter tudo. Adultos na plena posse das suas faculdades mentais têm de ser responsáveis pelos seus actos e assumir as consequências.


[ABJ. (...) O que não há é o direito de o Estado impor, por via da lei, uma munidivisão de base religiosa.]
PS. Mais uma razão para votar sim.

ABJ. Eu sou agnóstica. A minha opinião não tem nada a ver com religião.


[ABJ. (...) A questão é se o aborto é uma forma de planeamento familiar.]
PS. Certamente que não é.

ABJ. Pois não é. Planeamento familiar faz-se com contracepção.


[ABJ. (...) Pode haver (e há) constitucionalistas que considerem que o TC decidiu mal, inclusive juízes do próprio TC. (...)]
PS. Seja lá como for, quem de direito decidiu.

ABJ. Nem eu ponho em causa essa decisão. Aceitar as decisões das instâncias democráticas faz parte da democracia.


[ABJ. Claro. É isso que a maioria do "Não" defende. Não punir a grávida que pratica o aborto. Despenalizar a grávida. Só a grávida.]
PS. Todos os argumentos do "não" são falsos e fracos, porque a verdade é só uma. "Tenho de votar não porque é o que a igreja diz".

ABJ. Isso não é resposta. Há argumentos bons dos dois lados e não reconhecer isso denota, no mínimo, falta de atenção ao debate, no máximo, desonestidade intelectual.


[ABJ. Voltamos à mesma questão. Não está em causa a conduta individual. Não estão em causa «opções as quais dizem apenas respeito a si próprio na sua esfera privada». Está em causa a vida de um ser humano. Outro. Não o próprio.]
PS. O que escrevi não tem a ver com a IVG em particular, mas com um comentário mais genérico que Jorge Miranda faz e que refere essas coisas.

ABJ. Muito bem. Não invalida o que eu digo.


As razões da escolha XXI. XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

29 janeiro 2007

O debate sobre o aborto no seu melhor I

Tirar a barriga de misérias

«Já imaginaram a miséria que é ter um filho porque não se teve dinheiro para pagar um aborto?» (Fernanda Câncio)

As razões da escolha XXI

Ainda não li o tão falado artigo do Prof. Jorge Miranda por isso não posso comentá-lo. Mas li este comentário a esse artigo, por Pedro Sá, no blogue do Sim, e é esse que vou comentar:

1. «Se a IVG provoca traumas (o que se é certo que PODE acontecer não é certo que aconteça), é apenas e só um problema da mulher que a pratica, e não é assunto com relevância para o Estado. Essa possibilidade será certamente tida em linha de conta por quem tomar essa difícil decisão.»

Os problemas das mulheres que abortam clandestinamente devem ser um assunto de relevância para o Estado (eu acho que sim, que devem) mas os traumas causados pelo aborto já são só um problema da mulher que o pratica?!? Estranha lógica e chocante falta de solidariedade.

2. «Não vou discutir se a IVG traduz desigualdades económicas e sociais. O que é um facto é que ninguém sabe em que elementos se sustenta Jorge Miranda para dizer que agrava desigualdades económicas e sociais. Para além disso, flagelo social não é de certeza porque não tem efeitos sobre terceiros.»

Não sei em que é que sustente o Prof. Jorge Miranda para dizer que a IVG agrava desigualdades económicas e sociais. Mas parece-me óbvio que sim. Quem pode sustentar os filhos, tem filhos. Quem não pode, aborta. Isto não é uma forma de desigualdade? É justo que uma pessoa se veja forçada a abortar porque não tem meios económicos para sustentar um filho? Quanto a não ter efeitos sobre terceiros... bom, já não há paciência! Read my lips: um feto é um ser humano. Hu-ma-no. Não sou eu que o digo. É a ciência médica.

3. «O consumo de droga não é um flagelo social. A toxicodependência essa sim. Bem como a prostituição também não o é, desde que praticada por quem em real liberdade o entenda. O tráfico de seres humanos esse sim, é flagelo social.
«E mesmo quanto à toxicodependência não me choca rigorosamente nada que ela seja considerada apenas um problema de cada um, e que eventuais actos criminosos a ela associados sejam tratados como devam ser: como puro e simples caso de polícia.»

Quanto ao consumo de droga, está de tal forma ligado à toxicodependência que não consigo perceber a diferença. São indissociáveis. Quanto à prostituição, concordo. Mas choca-me, sim, que a toxicodependência seja considerada um problema de cada um. A toxicodependência tem causas muito complexas e a maioria dos toxicodependentes são, de algum modo, arrastados para essa situação por diversas circunstâncias. Ninguém se coloca voluntariamente nessa situação.

4. Para comentar teria de ler o texto.

5. «A atitude de esquerda e de progresso só pode ser uma: ser justo. Quer isso passe pela transformação da realidade, quer não. Quer isso se consubstancie na defesa dos mais pobres, ou dos mais ricos. Etc. E ser justo passa necessariamente por não punir quem decide fazer um aborto e por permitir a quem tome essa difícil decisão fazê-lo em certificadas condições de saúde e de higiene.»

Bom, também não creio que o Prof. Jorge Miranda queira ter uma atitude de esquerda. Mas não concordo. Pelo contrário, uma atitude de esquerda deveria ser sempre a favor do direito à vida e pela eliminação das causas sociais do aborto. Quanto a isso recomendo a leitura deste texto de Norberto Bobbio e também faz sentido o artigo de Jacinto Lucas Pires A esquerda e o aborto.

6. «E o que está em causa não é se existe vida ou não. Isso nenhum referendo pode determinar, por razões que são mais que óbvias. O sentido da pergunta é claríssimo: se a mulher que aborta deve ser ou não punida, e se não sendo punida deve poder interromper a gravidez, repito, em certificadas condições de saúde e de higiene.»

Pelo contrário, é só isso que está em causa. Mais nada. Se um embrião de 8 semanas ou um feto de 10 não são vida humana, não há lugar a discussão tal como não se discute o direito a tirar um tumor ou um sinal. O sentido da pergunta não é esse. Já expliquei isso aqui e, infelizmente, não consigo explicar melhor. Mas já imensa gente explicou, melhor do que eu. Será preciso fazer um desenho? Pode-se ser contra ou a favor do aborto às 5, às 10, às 20 ou às 40 semanas. Mas não se pode escamotear a verdade: um embrião é vida humana, é um ser humano. Os seus direitos são discutíveis? São. Tudo é discutível - a pena de morte é discutível, a eutanásia é discutível - mas os termos da discussão têm de ser claros!

7. Também não posso comentar sem conhecer o texto.

8. «Argumentar com o carácter insubstituível de todo o ser humano antes e depois do nascimento só tem um significado possível: que Jorge Miranda opta decididamente pelo feto considerando que a mulher que o pratica deve ser punida. E que tem por consequência manter o flagelo social (esse sim) do aborto clandestino. É que ser de esquerda implica combater realidades injustas. E esse flagelo, cujas vítimas são mulheres com menos posses, está a ser devidamente combatido com um voto SIM.»

Não conheço os argumentos do Prof. Jorge Miranda mas não me parece que haja uma relação directa e unívoca entre «argumentar com o carácter insubstituível de todo o ser humano antes e depois do nascimento» e considerar «que a mulher que o pratica deve ser punida». Não vejo o que tem uma coisa a ver com a outra. Um ilícito pode não ser punido e continuar a ser ilícito. Uma coisa não implica a outra.

9. «Não vale a pena tentar jogar com palavras e dizer que interrupção é um eufemismo para cessação. De facto, a palavra está em sentido jurídico, veja-se por exemplo a interrupção da prescrição, pela qual os prazos de prescrição voltam a contar do zero a partir daí.»

Jogar com palavras é confundir despenalização, legalização e liberalização. Isso sim, é jogar com palavras. Como bibliotecária, se tivesse que indexar um texto sobre o tema, nunca poderia considerar estes termos equivalentes. Isso é uma questão técnica e disso eu percebo.

10. «Entrar na lengalenga de que é liberalização e não despenalização e que esta última seria a solução equivale a defender que se deveria manter o aspecto punitivo, designadamente através de contra-ordenações. Isso implica condescender com o aborto clandestino.»

Primeiro, não é lengalenga. Chamar lengalenga a um argumento contrário é típico de quem não tem argumento; é o «vai tu» dos miúdos. Despenalização sem liberalização significa introduzir na lei uma cláusula que despenalize a grávida mantendo a punição para os restantes agentes do aborto. Não é difícil de perceber, acho eu...

11. «A lei actualmente em vigor foi uma solução de compromisso, abandonando-se o fundamentalismo católico ao salvaguardarem-se as situações verdadeiramente gritantes. A única ponderação que lhe está subjacente é essa e mais nenhuma.»

Concordo. Mas não lhe chamaria fundamentalismo católico. Os católicos têm o direito à sua mundivisão sem terem de ser adjectivados pejorativamente. O que não há é o direito de o Estado impor, por via da lei, uma munidivisão de base religiosa.

12. Precisaria de ler o texto para comentar.

13. «Quem teve a ideia de inventar a argumentação supostamente a favor do SIM com base no direito ao desenvolvimento da personalidade ou no respeito pelo projecto de vida não devia estar bom da cabeça, decididamente. O que preclude a análise dos argumentos apresentados em contrário, com uma excepção: quando fala em relações que provocam a concepção e em responsabilidade na condução da vida sexual está muito claramente a demonstrar as ideias ultra-conservadoras que tem relativamente ao assunto, com a visão do sexo como algo de pecaminoso.»

Responsabilidade na condução da vida sexual é uma visão ultra-conservadora?!? E responsabilidade na educação dos filhos? E responsabilidade na condução de um automóvel? E responsabilidade, ponto final? Responsabilidade é uma das consequências e um dos factores da liberdade. É próprio das sociedades modernas, livres e democráticas. Responsabilidade significa agir com conhecimento e assumir as consequências dos actos. Isto não é conservador. É inteligente e é adulto.

14. «Como já atrás disse, o Estado autorizar estabelecimentos de saúde a praticar abortos é pura e simplesmente decorrência das exigências mais básicas de saúde e higiene públicas e de combate ao aborto clandestino. Nada tem a ver com o direito ao planeamento familiar.»

Obviamente, se partirmos do princípio de que o aborto deve ser legalizado. A questão é se o aborto é uma forma de planeamento familiar.

15. «Se admitir que não é crime praticar a interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher dentro de estabelecimento de saúde legalmente autorizado redunda em legalizar, logo temos que concluir, a contrario, que Jorge Miranda, ao contrário do que atrás diz, defende que deva continuar a ser crime.»

Obviamente. Não sei se o Prof. Jorge Miranda se contradiz neste ponto mas, obviamente, a lógica é essa.

16. «O Tribunal Constitucional não considerou a pergunta do referendo inconstitucional. E é quem na ordem jurídica portuguesa tinha competência para o fazer.»

O Tribunal Constitucional decidiu dentro das suas competências e temos de aceitar essa decisão. Mas o TC não é dono da verdade. Pode haver (e há) constitucionalistas que considerem que o TC decidiu mal, inclusive juízes do próprio TC. Não esquecer que a pergunta "passou" por um voto.

17. «A questão do local só pode servir para iludir. Também, por exemplo, conduzir sem para tal se estar devidamente habilitado é crime, e só entidades devidamente reconhecidas podem proceder à habilitação. Conduzir habilitado por entidade não reconhecida é crime.»

Concordo. A questão do local deveria ser secundária. Se abortar até às 10 semanas deixa de ser crime, isso deveria ser extensível à grávida que aborta em casa. À grávida, não ao médico ou parteira. Isso é prática ilegal de medicina e, obviamente, é crime. Mas recorrer a um médico ou a uma parteira não licenciados não deveria ser crime. Se eu andar num carro conduzido por alguém sem carta de condução, não sou criminosa. Quando muito serei cúmplice...

18. «É um facto que o aborto é consequência da falta de instrução, de planeamento familiar, de emprego, de salário, de que a protecção da maternidade e paternidade que existe é a possível dentro dos recursos disponíveis, e não pode ser superior. Mais uma razão para não se punir quem o pratica, isto para não falar das devidas condições de saúde e higiene.»

Claro. É isso que a maioria do "Não" defende. Não punir a grávida que pratica o aborto. Despenalizar a grávida. Só a grávida.

19. «Mas a visão pecaminosa do sexo volta à carga. O aborto é consequência das "taras da sociedade" e da "comercialização do sexo". Cá temos o ultramontanismo no seu melhor: "não têm nada que abortar, é bem feita não tivessem estado na pouca-vergonha". Ou acha que alguém vai abortar como método anticoncepcional ? Isso é a mesma coisa que dizer que quem aborta fá-lo com gosto ou indiferença, o que no máximo dos máximos será coisa raríssima.»

Bom, teria de ler o texto. Claro que não concordo com essa visão.

20. «Dispensa-se a cantilena moralista da civilização materialista, individualismo e consumismo. É materialista quem quer, individualista quem quer, e consumista quem quer. Cada um é livre de tomar as suas opções, as quais dizem apenas respeito a si próprio na sua esfera privada.»

Voltamos à mesma questão. Não está em causa a conduta individual. Não estão em causa «opções as quais dizem apenas respeito a si próprio na sua esfera privada». Está em causa a vida de um ser humano. Outro. Não o próprio.

21. Teria de ler o texto para comentar.

22. Idem.

As razões da escolha XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

Cai neve...

Se me garantirem que as alterações climáticas farão nevar em Lisboa todos os anos, eu começo a deitar sprays pró ar!!! Yes!!!


Imagem roubada daqui (faz hoje um ano).

26 janeiro 2007

Queen - Let Me Live

Queen - Let Me Live

Que saudades!...

(Take a piece of my soul)
(Let me live)

Why dont you take another little piece of my heart
Why dont you take it and break it and tear it all apart
All I do is give
And all you do is take
Baby why dont you give me a brand new start

So let me live (so let me live)
Let me live (leave me alone)
Let me live, oh baby
And make a brand new start


Why dont you take another little piece of my soul
Why dont you shape it and shake it till you're really in control
All you do is take
And all I do is give
All that I'm askin is a chance to live

(so let me live) so let me live
(leave me alone) let me live, let me live
Let me live
Why dont you let me make a brand new start


And its a (long hard struggle)
But you can always depend on me
And if you're (ever in trouble) - hey
You know where I will be

Why dont you take another little piece of my life
Why dont you twist it and turn it and cut it like a knife
All you do is live
All I do is die
Why cant we just be friends stop livin' a lie

So let me live (so let me live)
Let me live (leave me alone)
Please let me live
(why dont you live a little) Oh yeah baby
(why dont you give a little love...? )

Let me live
Please, let me live
Oh yeah, baby, let me live
And make a brand new start


Let me live
(Let me live, let me live)

In your heart, oh baby
(take another piece, take another piece)
Please let me live
(take another piece, take another piece)
Why dont you take another piece
Take another little piece of my heart
Oh yeah, baby
Make a brand new start
All you do is take
Let me live!

25 janeiro 2007

As razões da escolha XX

Penalizo-me por só agora ter chegado ao Projecto de Lei que está na base da pergunta do referendo. E penalizo-me porque é essencial e porque eu tinha a obrigação de já o ter lido detalhadamente. E é essencial porquê? Porque a vitória do Sim é que irá permitir a votação daquele projecto de lei portanto, ao votar no referendo estamos - não em teoria mas na prática - a aprovar o próprio projecto de lei. Claro que as leis são votadas na Assembleia da República, isso eu sei, mas o PS tem maioria absoluta e é o resultado do referendo que permitirá, ou não, que o projecto de lei seja votado e passe de projecto a lei.
Mais tarde comentarei. Para já, e porque, acima de tudo, quero proporcionar aos visitantes d'A biblioteca de Jacinto informação isenta para que votem esclarecidamente e em consciência, aqui vai:

PROJECTO DE LEI N.º 19/X
“Sobre a Exclusão da Ilicitude de casos de Interrupção Voluntária de Gravidez”

[...]

Artigo 1.º
(Alterações ao Código Penal)

O artigo 142° do Código Penal, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95, de 15/3 e pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 142°
Interrupção da gravidez não punível
1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, nas seguintes situações:
a) a pedido da mulher e após uma consulta num Centro de Acolhimento Familiar, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente;
b) (actual alínea a);
c) caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica, da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
d) (actual alínea c);
e) (actual alínea d).
2- Nos casos das alíneas b) a e), a verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada através de atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção, por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.

Artigo 2.º
É aditado um artigo 140°-A ao Código Penal, com a seguinte redacção:

Artigo 140°-A
Publicidade ilegal à interrupção voluntária da gravidez

Quem, por qualquer modo, fizer publicidade ilegal de produto, método ou serviço, próprio ou de outrem, como meio de incitar à interrupção voluntária da gravidez, será punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Artigo 3°
(Rede pública de aconselhamento familiar)

1 - Deve ser desenvolvida na rede pública de cuidados de saúde a valência de aconselhamento familiar, a qual deve ser composta por, pelo menos, um Centro de Aconselhamento Familiar (CAF) por distrito.
2 - Os CAF inserem-se na rede de cuidados primários de saúde, devendo a sua constituição e organização interna ser regulamentada pelo Governo.

Artigo 4°
(Funcionamento dos Centros de Aconselhamento Familiar)
1 - Os CAF devem ser de fácil acesso a todas as mulheres grávidas que pretendam realizar uma interrupção voluntária de gravidez ou que já a tenham praticado.
2 - As consultas realizadas nos CAF são gratuitas, confidenciais, realizadas sob anonimato, caso seja essa a vontade da mulher grávida.

Artigo 5°
(Competências)
Compete aos CAF o aconselhamento e apoio necessários à mulher grávida, com objectivo da superação de problemas relacionados com a gravidez, contribuindo para uma decisão responsável e consciente, cabendo-lhes, nomeadamente:
Aconselhar, informar e sensibilizar as mulheres acerca da forma mais adequada de organização do seu planeamento familiar;
a) Suscitar, se necessário, a intervenção dos serviços sociais que operem no sector, analisando-se a possibilidade de essa intervenção resolver os problemas de ordem social decorrentes da maternidade;
b) Informar a mulher grávida dos direitos consagrados na legislação laboral no que respeita à maternidade, bem como quanto aos direitos relativos a prestações médico-sociais;
c) Informar e encaminhar a mulher grávida para os estabelecimentos onde se pratique a interrupção involuntária da gravidez, após o devido aconselhamento.
2- Os CAF podem, no processo de consultas e desde que a mulher grávida não se oponha, ouvir o outro responsável da concepção.

Artigo 6° (Organização dos estabelecimentos de saúde)
1 - Quando se verifiquem as circunstâncias previstas no n° 1 do artigo 142° do Código Penal pode a mulher grávida solicitar a interrupção voluntária da gravidez em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, entregando de imediato o consentimento escrito e, até ao momento da intervenção, os restantes documentos eventualmente exigíveis.
2- Os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos onde seja praticada a interrupção voluntária da gravidez devem organizar-se adequadamente para o efeito.
3- Os estabelecimentos referidos no número anterior devem adoptar os meios e as providências necessárias para que a interrupção voluntária da gravidez se verifique nas condições e prazos legalmente previstos.

Artigo 7°
(Dever de sigilo)

Os médicos e demais profissionais de saúde, bem como o restante pessoal dos estabelecimentos de saúde públicos ou oficialmente reconhecidos em que se pratique a interrupção voluntária da gravidez ficam vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas, relacionados com aquela prática, nos termos e para os efeitos dos artigos 195° e 196° do Código Penal, sem prejuízo das consequências estatutárias e disciplinares de qualquer eventual infracção.

As razões da escolha XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

Bom debate sobre o aborto III

Bom debate sobre o aborto II

Bom debate sobre o aborto

Confesso-me fascinada, qual Jacinto Galião, pelos progressos deste século. E é mesmo deste século, do 21, que mal começou.
O debate sobre o aborto salta dos posts de texto para os filmes no You Tube. A não perder, o debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e Francisco Louçã.
Vou acompanhar aqui, recostada na «combinação oscilante e flácida de almofadas» de uma das poltronas d'A biblioteca de Jacinto.
Puxem de um cadeirão.

As razões da escolha XIX

«Deixou de ser pertinente e sério insistir no tema da vida do embrião ou do feto e da sua eventual prevalência sobre a vida da grávida» (Manuel Alegre)

Virá o dia (porque as coisas não hão-de piorar sempre) em que, olhando para os inícios do Século XXI, se falará dos relambórios sobre a humanidade de um feto com o misto de desprezo e incredulidade com que hoje olhamos o tempo em que os brancos discutiam se os negros são seres humanos. Como era possível?
Como é possível!?!...


As razões da escolha XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

Mais bons posts sobre o aborto

Contra um péssimo argumento do Não, por Boaventura Sousa Santos.

E a opinião de um ateu, contra a legalização.

Outros posts sobre o aborto aqui, aqui e aqui já referenciados n'A biblioteca de Jacinto.

24 janeiro 2007

As razões da escolha XVIII

Li aqui que «na situação actual, o estado português protege os valores específicos dos defensores do Não e não garante a liberdade de escolha aos e às restantes portugueses e portuguesas. O Sim é um voto pela liberdade de escolha de toda a gente - incluindo os defensores do Não. O voto no Não é, pelo contrário, um voto que pretende tomar decisões pelas outras pessoas, impondo uma visão específica (e não apenas defendendo a sua, já que essa continuará salvaguardada).»

Este é um tipo de argumento que, sob um ponto de vista retórico, faz todo o sentido. Mas é, realmente, pura retórica.
Tomemos como exemplo uma situação bastante polémica como é o suicídio assistido. O suicídio assistido, em Portugal, é crime. No entanto, há que reconhecer que, quando realizado a pedido do próprio, só razões de ordem moral religiosa podem estar na base dessa criminalização. Entendo que a nossa sociedade pode ainda não estar preparada para lidar com o suicídio assistido mas também entendo que esse é um direito que, mais tarde ou mais cedo, acabará por ser reconhecido. Neste caso, está em causa a vida do próprio, o corpo do próprio e uma decisão do próprio sobre si próprio. O argumento apresentado acima é totalmente válido neste caso. Por maioria de razão, este argumento é válido para qualquer outra situação que implique o corpo e os direitos que cada indivíduo tem sobre o próprio corpo, como as cirurgias estéticas de todo o tipo (mesmo que mutilantes) e as cirurgias para mudança de sexo.

No caso do aborto, o argumento não se aplica pela simples razão de que os defensores da legalização não estão a dispor do seu próprio corpo e da sua própria vida (ao que têm, sem dúvida, direito) mas do corpo e da vida de terceiros (os nascituros). E os opositores da legalização não estão a defender os seus próprios direitos (não é a sua vida que está em causa) mas os direitos de terceiros (os nascituros).
Afirmar que «o Sim é um voto pela liberdade de escolha de toda a gente - incluindo os defensores do Não» - é uma tolice porque essa escolha interfere com os direitos de terceiros.
Quem está a pôr em causa os direitos dos outros é o Sim, não é o Não.
Quem pretende tomar decisões pelas outras pessoas - ou melhor dizendo contra outras pessoas - é o Sim, não é o Não.


As razões da escolha XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

As razões da escolha XVII

O MUNDO AO CONTRÁRIO

Sou casada em regime de comunhão de adquiridos. Moro com o meu marido na casa que já era minha e onde já vivia antes de viver com ele. Pela lei, se eu quiser vender a minha casa, preciso da autorização do meu marido. Mas, pela lei do aborto que se pretende agora aprovar, se eu quiser abortar um filho nosso, não preciso da sua autorização, não preciso sequer de lhe dar conhecimento. Um dia chego a casa e digo «Querido, abortei o teu filho!». Assim. Sem mais.

Na nossa sociedade as coisas valem mais do que as pessoas. Já tinha dado por isso.

As razões da escolha XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

23 janeiro 2007

As razões da escolha XVI


Pronto. Sei que não tenho o dom da palavra, mas há quem tenha.
Muito bem explicadinho, tim-tim por tim-tim,
aquilo que eu tenho andado a tentar explicar
com o meu bárbaro latim.
Faço minhas as palavras deste senhor.


As razões da escolha XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

As razões da escolha XV

A uma mulher grávida com dificuldades porque está só, porque o companheiro não quer o filho, porque não tem condições económicas, porque receia o despedimento, porque tem medo do futuro, por inúmeras razões...
... a sociedade responde à marialva: Toma lá dinheiro para o aborto, livra-te do puto e não me chateies mais.
Isto não é moderno. Isto não é solidário. Não é esta sociedade que eu quero.

As razões da escolha XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

As razões da escolha XIV

«Há duas respostas possíveis à pergunta do dia 11 de Fevereiro. Há o Sim e há o Não. [...] Não há uma resposta boa e uma resposta má. Não há uma facção de honestos, e outra de hipócritas. Os inteligentes e os estúpidos, os cultos e ignorantes.» (João Távora In: Blogue do Não)

As razões da escolha XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

22 janeiro 2007

As razões da escolha XIII

As Razões XII sobre a escolha no referendo ao aborto, evidenciaram a minha opção neste referendo.
Não a revelei antes porque quiz ser lida sem preconceitos. Quiz que, quem me lesse, pensasse naquilo que eu dizia e não naquilo que eu, hipotéticamente, poderia querer dizer. Eu tenho por hábito dizer o que quero dizer e não outra coisa. Não tenho segundos sentidos nem segundas intenções. Não sou lá muito subtil. Mas, infelizmente, como já disse aqui, é comum nestas discussões procurar sentidos ocultos, intenções obscuras naquilo que é, afinal, a opinião de cada um.

Tenho plena consciência de que não fui tendenciosa. Analisei friamente razões de um e de outro lado, destaquei a coerência e a fragilidade de cada argumento, em momento algum fiz juízos de intenções. Intenções ocultas, se as houver, ficam com cada um. Eu não as tentei nem tentarei desvendar.

É possível que, alguém que se tenha dado ao trabalho de ler todas as "razões" (haverá alguém?!?...), tenha ficado com uma ideia mais ou menos acertada da minha escolha. Mas isso quer apenas dizer que aquelas razões conduzem, logicamente, a uma determinhada escolha. Se isso aconteceu, é bom sinal. É sinal de que o que escrevi faz sentido. Tem um sentido. E esse sentido aponta para uma escolha.

Gostaria que tivessem rebatido os meus argumentos, que me tivessem dito «está errada neste e naquele ponto, por isto e por isto». Não aconteceu. Salvo algumas excepções, que é justo ressalvar, os comentários a favor ou contra a legalização recorreram a argumentos que não eram objecto de discussão e, muitas vezes, repetindo frases e ideias feitas que eu própria tinha já desmontado. Isto só confirma a minha suspeita inicial: a maioria das pessoas já decidiu o sentido do seu voto mas não tem bases sólidas para esse voto. Não quero com isto dizer que, com uma reflexão profunda, só se possa chegar a uma posição. Apresentei, ao longo destes dias, várias ligações para textos bem fundamentados que apontam para um e outro sentido de voto. É possível raciocinar bem e chegar ao Sim tal como é possível raciocinar bem e chegar ao Não. É possível defender o Sim por más razões e é possível defender o Não por más razões.
Dos dois lados tem sido dito que estamos, acima de tudo, perante um problema de civilização. Confesso que, quando comecei a escrever sobre este tema, ainda não tinha percebido que era isso que estava em causa. Escrever ajudou-me a organizar ideias e agora tenho a certeza. Tenho a certeza de que, mais do que o problema das mulheres ou dos bébés, está em causa a sociedade que queremos construir, a sociedade em que queremos viver.

Nas minhas Razões da escolha VIII foquei a questão civilizacional. Quem defende a legalização do aborto pode dizer-me que sim, que é uma questão civilizacional e que por isso vota Sim. Aceito. É essa a sociedade que quer: uma sociedade pragmática, individualista, virada para o próprio umbigo (sem ironia...), descartável, utilitarista, facilitista e desistente. É, de facto, uma questão civilizacional.

Nesse sentido, reconheço razão àqueles que defendem o novo referendo porque as opiniões mudaram. Mudaram, realmente. Estão a mudar desde os anos 80, desde a Perestroika, desde a queda do muro, desde o fim da guerra fria. E estão a mudar cada vez mais, com o 11 de Setembro, com o espírito apocalíptico, com a crise da tanga, com a crise do petróleo, com a guerra preventiva, com o medo.
O medo. O medo instalado nas conversas, nas empresas, nos serviços públicos, nas escolas, nos telejornais. Não há esperança, não há futuro, não há alternativas, não há volta a dar. Não vamos ter reforma. Vem aí a gripe das aves. Vem aí o Irão nuclear. Vêm aí os mouros. Matar para não morrer. Atacar antes que nos ataquem, mesmo que esse ataque seja hipotético, mesmo que as armas de destruição maciça só existam em relatórios fraudulentos, mesmo que a crise que aí vem seja o resultado de andarem a repetir-nos que há crise.
O medo. Entrámos numa sociedade de medo, numa civilização de medo. A resposta ao medo é o salve-se quem puder. O analgésico do medo é o consumo. A sociedade de consumo em que vivemos, intrínsecamente individualista e egoísta, cultiva o descartável. Desde o papel higiénico às pessoas, tudo é descartável, hoje em dia. Os empregos são descartáveis, as amizades são descartáveis, as relações afectivas são descartáveis. Os velhos são descartáveis. Os filhos são descartáveis. As responsabilidades são descartáveis. A ética não está na moda, não é pragmática, não é realista. Gastar tempo e recursos a procurar soluções não é pragmático nem realista. É muito mais fácil legalizar o que daria muito trabalho a prevenir. Prevenir implica lutar contra as causas do mal. A legalização é o tratamento sintomático.
É, realmente, uma questão civilizacional. E é por isso que vou votar Não.

As razões da escolha XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

20 janeiro 2007

As razões da escolha XII

Vou responder, ponto por ponto, às 14 (i. é 13) razões para votar Sim apresentadas no blogue do Movimento Responsabilidade e Cidadania pelo Sim.

[1] Porque está em causa o respeito pela dignidade, autonomia e consciência individual de cada pessoa e pelos princípios da igualdade e da não discriminação entre mulheres e homens.
Concordo. O respeito pela dignidade humana passa - não só mas também - pelo respeito pelo ser humano não nascido.

[2] Porque somos a favor de uma maternidade e paternidade plenamente assumidas e responsáveis antes e depois do nascimento.
Concordo. A maternidade e paternidade responsáveis passam por uma sexualidade responsável e por uma contracepção consciente e esclarecida.

[3] Porque o direito à maternidade consciente e à saúde reprodutiva são direitos fundamentais.
Concordo, e esses direitos passam pela educação sexual e pelo acesso à contracepção.

[4] Porque as mulheres, como os homens, têm direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Concordo. Enquanto estiverem em causa apenas questões pessoais e íntimas. A violência doméstica, por exemplo, é um crime público.

[5] Porque somos a favor da vida em todas as suas dimensões.
Concordo. Obviamente!

[6] Porque é um elemento essencial do Estado de direito o princípio da separação entre a Igreja Católica ou qualquer outra confissão religiosa e o Estado.
Concordo. A religião não é para aqui chamada.

[7] Porque o que está em causa não é o 'direito ao aborto', nem ‘ser a favor do aborto’, mas antes o respeito pelas mulheres que decidem interromper uma gravidez até às 10 semanas, por, em consciência, não se sentirem em condições para assumir uma maternidade.
Não concordo. Isso é o que deveria estar em causa, mas não é, infelizmente.
Nos termos da pergunta, em concreto, está em causa, objectivamente, a licitude de um acto, sem que se elimine a perseguição, julgamento e condenação das mulheres que o praticarem depois do prazo definido pela pergunta e fora dos locais definidos pela pergunta. A pergunta, nos seus termos, é deslocada e ineficaz.

[8] Porque a penalização do aborto dá origem à interrupção voluntária da gravidez em situação ilegal e insegura, o que tem consequências gravosas para a saúde física e psicológica das mulheres que a ela recorrem.
Concordo em parte. A penalização do aborto é uma das causas da clandestinidade do aborto mas não é, em si mesma, a causa do aborto.
O aborto tem inúmeras causas que têm de ser combatidas.

[9] Porque uma lei penal ineficaz e injusta é uma lei constitucionalmente ilegítima.
Concordo. A pergunta que vai a referendo conduz a uma lei penal ineficaz - pois não acaba com os julgamentos nem com a prisão - e injusta - pois cria uma diferenciação desproporcionada entre o aborto praticado às 10 semanas e o aborto praticado às 10 semanas e um dia, e uma descriminação entre o aborto praticado num hospital e o aborto praticado em casa (mesmo que dentro do prazo legal).

[10] Porque consideramos que a sujeição das mulheres a processos de investigação, acusação e julgamento pelo facto de fazerem um aborto atenta contra os valores da sua autonomia e dignidade enquanto pessoas humanas.
Concordo. Mas a mudança da lei, nos termos deste referendo, não vai acabar com isso.

[11] Porque nenhuma proposta de suspensão do processo liberta as mulheres da perseguição policial e judicial que antecede o julgamento, envolvendo sempre uma devassa da sua vida privada, e deixando a pairar necessariamente sobre elas uma ameaça de sanção que pode vir a concretizar-se no futuro.
Concordo. Esse é um dos problemas da investigação criminal, sempre. Um indivíduo acusado de abuso sexual também vê a sua vida privada devassada, ainda que, no fim, se revele inocente. Não é por isso que se vai deixar de investigar.

[12] Porque a proibição do aborto dá origem à gravidez forçada o que se traduz em violência institucional.
Discordo. Não existe gravidez forçada. A gravidez não é uma doença, não é um tumor que nos aparece no corpo. A única gravidez forçada é a que resulta de abuso sexual. Nenhuma outra.

[13] Porque uma lei que despenalize o aborto não obriga nenhuma mulher a abortar.
Tal como uma lei que despenalize o roubo não obriga alguém a roubar. Tal como uma lei que despenalize o consumo de droga não obriga alguém a drogar-se. E se o Lapalice não tivesse morrido, ainda hoje era vivo.

As razões da escolha XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

19 janeiro 2007

As razões da escolha XI

As acusações recíprocas têm sido uma constante no debate sobre a legalização do aborto. Era muito bom que isto acabasse. Há pessoas péssimas e sem escrúpulos de um e outro lado. Com certeza, como em relação a tudo. Mas a maioria das pessoas - e posso afirmá-lo, eu tenho acompanhado o tema - a maioria das pessoas acredita sinceramente que o seu voto é o certo, é o melhor para todos e que esse é o caminho para construir uma sociedade mais justa. As pessoas que vão votar Não deveriam pensar nos seus amigos e familiares, nas pessoas cuja opinião prezam, e tentar perceber se os que apoiam a legalização do aborto são realmente uns infanticidas sanguinários. As pessoas que tencionam votar Sim deveriam fazer o mesmo e pensar se, realmente, os seus amigos e familiares que são contra a legalização são todos um bando de nazis ou de inquisidores. Porque todos nós, sem excepção, conhecemos quem esteja contra e quem esteja a favor; e todos conhecemos quem já tenha feito um aborto. Uma amiga, uma familiar...
Fala-se pouco sobre o assunto, parece que não é de bom tom. Já tentei puxar a conversa algumas vezes e as pessoas não desenvolvem ou desviam o assunto. Acho que têm receio de se confrontar com opiniões diferentes ou, pior, têm medo de ser levadas a mudar de opinião. Não acredito que haja muitos indecisos. Acho que a maioria das pessoas já sabe há muito tempo como tenciona votar e prefere ficar com a ideia feita - uma espécie de retrato robot - das pessoas que votam em sentido contrário. Confrontar-se com a opinião contrária vinda de alguém que prezam - que não se encaixa no tal retrato robot - poderia levá-las a duvidar de si mesmas, por isso preferem não saber.
Há dias, em conversa com uma amiga, revelei a minha posição. Fiquei surpreendida com a reacção. Em tom de desafio, ela perguntou-me: «Então e porque é que vais votar...?». Digo em tom de desafio porque a pergunta parecia já pressupor a resposta. Mal consegui balbuciar as minhas razões. Para ela, só podia haver uma razão para o meu voto e essa razão estava perfeitamente estabelecida na sua cabeça. Logo derramou o seu argumentário, como se só houvesse boas razões para votar como ela e não houvesse um único bom argumento a meu favor. Não me quiz ofender nem afrontar (porque somos muito amigas) não me disse directamente «tu és...» mas dizia «as pessoas que votam assim são...». Ora, eu estou incluída nessas pessoas mas não quer dizer que eu e as outras pessoas que votam como eu pensem todas da mesma maneira.
Não fiquei a pensar mal dela (já do inverso, não tenho a certeza). Acho que está errada e gostaria de lhe conseguir explicar a minha posição. Se ela deixasse...

As razões da escolha X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

As razões da escolha X

De um lado e de outro deste debate tenho ouvido e lido argumentos disparatados mas um dos piores é o argumento demográfico. Defendem alguns opositores da legalização que, no actual contexto económico e social, o aborto não pode ser legalizado porque a falta de crianças contribui para o défice na segurança social.
Às vezes pergunto-me se não serão "agentes infiltrados" do Sim. Não. Estou a brincar. Mas pergunto-me se as pessoas, realmente, pensam antes de falar. Como é possível, numa questão delicada e com implicações éticas tão sérias alguém vir argumentar com questões puramente financeiras? Se houvesse sobrepopulação, defenderiam o aborto obrigatório?!? O que pensarão do aborto na China? Acharão boa ideia propôr o aborto nos países mais pobres de África, para livrar as criancinhas de uma existência de fome e privações? E que tal obrigar as mulheres portuguesas a engravidar para fomentar a natalidade?
Seriedade no debate, precisa-se, já.

As razões da escolha IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

18 janeiro 2007

As razões da escolha IX

Os argumentos que tenho lido contra e a favor no próximo referendo, têm colocado o ênfase na distinção entre despenalização e liberalização. Argumentam uns que, o que está em causa, o que importa decidir é se as mulheres que abortam devem ou não ser julgadas e, eventualmente, presas, pelo facto de abortarem. E acusam quem não defende a despenalização de querer mandar as mulheres para a prisão.
Argumentam outros que a pergunta, da forma como está formulada, vai além da despenalização, conduzindo a uma verdadeira liberalização.
Passando por cima do lado fácil - quase cabotino - da imagem das mulheres pobres e desgraçadas entregues às garras da justiça, é necessário, para uma discussão séria, perceber que, na pergunta estão em causa quatro variáveis, sendo as segunda, terceira e quarta limitativas e explicativas da primeira. E são estas quatro variáveis que vão a referendo, não apenas a primeira.

A primeira variável é apresentada no início da pergunta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez...».
Despenalização, neste caso, significa isenção de pena, não significa, necessariamente, licitude do acto. Já li a explicação de vários juristas em relação a esta distinção. Dizem eles que um acto ilícito pode ser isento de pena por variadas razões (necessidade, desconhecimento, legítima defesa, etc.) sem que passe a ser lícito.
Esta despenalização (isenção de pena) pode abranger todos os agentes do acto (grávida, médicos, parteiras, companheiro...) ou pode abranger apenas alguns agentes, em particular aquela ou aqueles que se encontrem (presumivel ou comprovadamente) em estado de necessidade desculpante. A pergunta poderia ser colocada nos termos em que está ou poderia contemplar uma variável: «Concorda com a despenalização da grávida pela interrupção voluntária da gravidez...», caso em que só a grávida seria isenta de pena mas os restantes agentes poderiam ser detidos, julgados e punidos.
Seria possível colocar a referendo uma pergunta nestes termos mas não é esta a pergunta que vai a referendo.

A segunda parte da pergunta contém uma variável que limita a primeira parte: «...se realizada, por opção da mulher...» mas não acrescenta muito. Na verdade, se a mulher não desse o seu consentimento nunca poderia ser penalizada, ainda que o aborto fosse provocado. Estaríamos, neste caso, na presença de um outro ilícito, mais grave, que seria o aborto provocado por terceiros contra a vontade da mulher. Por isso, para o que interessa - a "despenalização das mulheres que abortam" - esta segunda parte da pergunta nada acrescenta a menos que esteja implícita, também, a despenalização dos "terceiros", dos que praticam ou incitam à prática do aborto.
Mas não se pode deduzir desta pergunta que esteja em causa a ilicitude do acto de abortar.

A terceira parte da pergunta contém uma variável que limita cronologicamente a primeira: «...nas primeiras dez semanas...». Imediatamente se deduz que, a partir das 10 semanas, o acto (além de ilícito) passa a ser penalizável. Serão investigados, detidos, julgados e punidos todos os agentes desse acto, sejam os médicos e parteiras, seja a mulher grávida não havendo qualquer distinção, qualquer nuance, entre uns e outra.
Verdadeiramente, começam aqui os problemas que encontro na pergunta: se o objectivo é evitar que as mulheres que abortam sejam perseguidas, humilhadas, julgadas e condenadas, um prazo tão curto não deixará "desabrigada" aquela percentagem de mulheres que recorrem - e continuarão a fazê-lo - depois destas dez semanas? Porque é que estas mulheres são dignas de menos atenção, respeito e protecção do que aquelas que o fazem até às dez semanas? Mais, sendo o aborto tanto mais perigoso (e mais caro, também) quanto mais adiantada estiver a gravidez, não ficarão desprotegidas precisamente as mulheres que mais necessitam de protecção, aquelas que mais arriscam, aquelas que mais "pagam" com a sua saúde pelo acto de abortar?

A quarta e última parte da pergunta tem duas faces opostas: por um lado, limita a primeira mas, por outro lado alarga-a. Eu explico.
«...em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?» limita, porque deixa de fora - penaliza, portanto - as mulheres e agentes que pratiquem o aborto fora de um estabelecimento de saúde legalmente autorizado. E alarga porque só aqui, nesta frase, se percebe que o aborto não deixa apenas de ser penalizado, dentro de determinadas circunstâncias; passa também a ser lícito. Passa a ser lícito porque pode ser realizado num estabelecimento legalmente autorizado. Num hospital público, por exemplo. Ou numa clínica.
E é aqui que está o busílis. É que, enquanto em relação às três primeiras partes da pergunta, toda a gente está de acordo, com mais ou menos reservas (nunca ouvi alguém que tencione votar Não defender que se atirem as mulheres para a cadeia), em relação a esta última parte já não se passa assim. Não se trata apenas de não penalizar quem pratica o acto mas de autorizar a prática desse acto. De dar a esse acto uma protecção legal. Não será liberalizar mas é, incontestavelmente, legalizar.

Por outro lado, esta última parte da pergunta gera uma situação, no mínimo, bizarra: o acto de abortar, em si mesmo, deixa de ser ilícito, o que passa a ser ilícito é praticá-lo fora de um estabelecimento autorizado. É um pouco como se eu pudesse ser punida por recorrer à bruxa em vez de ir ao médico. Quero dizer, a mulher que recorre a uma parteira clandestina põe a sua vida em risco e ainda é punida por isso. Não por abortar.
Um estabelecimento de saúde não autorizado configura prática ilegal de medicina e é a prática ilegal de medicina que deve ser punida, não o recurso a ela. Ora, o que esta pergunta nos diz é que uma mulher que recorra a um estabelecimento não autorizado para praticar um aborto lícito (dentro das dez semanas) incorre na mesma pena que uma outra que pratique um aborto ilícito (necessariamente num estabelecimento não autorizado). É absurdo!

As razões da escolha VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

17 janeiro 2007

As razões da escolha VIII

Um dos chavões mais frequentes entre os defensores da legalização do aborto é de que «sou contra o aborto mas não imponho a minha opinião a ninguém». O Sim tem, sem dúvida, argumentos de peso mas este não é, certamente, um deles. Porque é completamente estapafúrdio.
O que quer dizer «sou contra o aborto»? Alguém é a favor? Aliás, o que é isso de ser "a favor" do aborto? Como é que se faz para se ser a favor do aborto? Anda-se a bater à portas, tipo Testemunhas de Jeová, a aliciar mulheres para fazerem abortos? Defende-se que se devem fazer x abortos por ano? Sugere-se às mulheres que engravidem de propósito só para fazer um aborto? «Faça um aborto. Vai ver que se sente logo melhor!». «Você não é a favor do aborto? Aceite fazer uma demonstração sem compromisso e logo verá que não quer outra coisa!». Fantástico, Melga!
Ser "a favor" do aborto não existe. Ninguém é a favor do aborto. Ser a favor do aborto é, no mínimo, psicopata.
Como sequência lógica, também não faz sentido o resto da frase «... não imponho a minha opinião a ninguém». Isso quer dizer que, quem diz isso, admite que haja quem seja "a favor" do aborto? Que quem aborta o faz por ser a favor do aborto?
De todos os argumentos tolos que tenho ouvido nesta polémica este é o mais absurdo de todos.

Estranhamente, é um argumento bem acolhido e frequentemente repetido devido a uma crescente cultura individualista, economicista e pragmática que se tem feito sentir nos últimos anos. «Não imponho a minha opinião a ninguém» soa bem, parece moderno, liberal, tolerante, tipo «todos diferentes, todos iguais». Mesmo que não queira dizer nada, fica bem. E é como o preto: não compromete. Hoje em dia ninguém se quer comprometer. Ninguém assume que tem um ideal e que quer fazê-lo valer. Lutar por ideais é uma coisa estética, romântica, antigamente usava-se imenso, as pessoas até iam presas por causa dos seus ideais; hoje não se usa. Hoje em dia ninguém vai preso por causa de ideais e isso torna os ideais pouco atraentes.
Este é um fenómeno muito mais amplo que tem (acho eu) a ver com a decadência ideológica posterior à queda do bloco de Leste. Uma decadência ideológica que conduziu a uma decadência ética.
Se a ausência de consciência moral é uma das características do psicopata, o que chamar a uma sociedade que perde a consciência moral?
Voltarei ao tema, numa abordagem mais abrangente, para além do aborto.

As razões da escolha VII. VI. V. IV. III. II. I.

Mais três bons posts sobre o aborto

Outro bom post sobre o aborto (não toma posição).

E uma abordagem jurídica feita por um Professor de Direito.

Razoabilidade: Sobre os limites da liberdade individual.

Outros posts sobre o aborto já referenciados n'A biblioteca de Jacinto, aqui e aqui.

15 janeiro 2007

Para a Anabela (In memoriam)

«Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
«colhidos no mais íntimo de mim...
«Suas palavras seriam as mais simples do mundo,
«porém não sei que luz as iluminaria,
«que terias de fechar teus olhos para os ouvir...
«Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
«como essa que acende inesperadas cores
«nas lanternas chinesas de papel.
«Trago-te palavras, apenas...
«e que estão escritas do lado de fora do papel...
«Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
«e este poema vai morrendo,
«ardente de puro, ao vento da Poesia...
«como uma pobre lanterna que incendiou!»
(Mário Quintana)

14 janeiro 2007

As razões da escolha VII

Por ocasião do Natal, o Bispo do Porto comparou o aborto à "roda dos expostos" medieval. Acho uma péssima comparação que fornece um óptimo argumento para a defesa da legalização do aborto. Na verdade é comparar o incomparável. Partindo do princípio (que o Senhor Bispo do Porto, decerto, defende) de que abortar é matar um ser humano, comparar o aborto ao abandono de uma criança é diminuir em muito a gravidade do aborto. Logo choveram comentários e críticas dos defensores da legalização, usando este argumento em seu favor e muito a propósito. Talvez a argumentação não fosse a melhor mas, com argumentos destes, os defensores da legalização não precisam de fazer campanha. Os representantes da Igreja Católica, de uma maneira geral - salvaguardadas algumas excepções - têm perdido boas oportunidades para ficarem calados, a bem da sua própria causa. Há alguns meses, o padre Domingos Oliveira, da paróquia de Lordelo do Ouro, proferiu esta frase espantosa: «Matar uma criança no seio materno é mais violento que matar uma criança de cinco anos». E fê-lo, pasme-se, durante a missa de sétimo dia da Vanessa Pereira, a menina de cinco anos que foi encontrada morta, no Rio Douro, depois de ter sido vítima de maus tratos. A campanha pelo Sim bem pode convidar um destes sacerdotes para um debate e deixá-lo falar à vontade.

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12 janeiro 2007

Mais alguns bons posts sobre o aborto

Não é, em rigor, um post. É a sondagem do Público com resultados, no mínimo, estranhos: «embora a maioria defenda o "sim" no referendo, são mais (45%) os que dizem não dever ser autorizada a IVG "quando a mãe não deseja ter um filho" do que os que acham que deveria ser autorizada (43%)». Esquizofrenia ou falta de informação?

Agora, sim, alguns bons posts sobre o aborto:

Um post do movimento Médicos pela escolha, esclarece aspectos relacionados com a "depressão pós-aborto" (ou sua inexistência).

Um post do Blogue do Não, com um texto da Ordem dos Médicos que esclarece aspectos relacionados com as "lesões psíquicas irreversíveis" (ou a sua inexistência) causadas por uma gravidez indesejada.

Um conjunto de respostas aos argumentos do Não por alguém que vai votar Sim.

Um post do Blogue do Não em defesa da actual lei.

Outros posts sobre o aborto já referenciados n'A biblioteca de Jacinto.

As razões da escolha VI

A despenalização do aborto tem sido objecto de debate desde há muitos anos em muitos países. Até há alguns anos atrás, o debate situava-se, exclusivamente, no domínio das convicções íntimas, da fé. Um cristão consideraria que, a partir do momento da concepção, o pequeno ser é dotado de uma alma imortal feita à imagem e semelhança do Criador. Essa concepção religiosa tem contaminado o debate da pior forma porque o desvia da discussão humanista para a discussão de fé. Quando os Estados Unidos despenalizaram o aborto, no início da década de 70, pouco se sabia ao certo sobre a vida intra-uterina e o argumento religioso era, de facto, o principal entrave. Entretanto, não é só Deus que não dorme, a Ciência também não tem estado parada. Desde o uso da ecografia, durante os anos 70, a tecnologia que permite conhecer e compreender a vida intra-uterina não parou de evoluir mas os argumentos não acompanharam essa evolução; principalmente os argumentos dos que defendem a legalização. Para estes, parece absolutamente irrelevante toda a qualquer descoberta científica que possa abalar ou exigir um reajustamento nos seus argumentos.
E, afinal, esse conhecimento é essencial para formar uma opinião: porquê dez semanas e não oito ou doze? é irrelevante? qualquer número serve desde que se despenalize? quem concorda com as dez semanas concordaria com as catorze? e quem discorda das dez semanas, concordaria com oito? ou com seis? não interessa? em que fundamentamos a nossa decisão? no sim porque sim, no não porque não?

Infelizmente, tenho lido e ouvido muito "sim porque sim" e muito "não porque não". Essas respostas não me satisfazem, de todo. Sempre gostei de formar as minhas opiniões com base em fundamentos sólidos e tenho acompanhado assiduamente o debate, principalmente nos blogues pró e contra a despenalização. Não sou médica, nem sequer tenho uma formação de base em Ciências, e tudo o que sei sobre o assunto resulta de pesquisas na Internet, em sites especializados. E o que encontrei levantou-me algumas questões: por exemplo, ainda não consegui perceber como será feita a contagem das semanas: pelo critério clínico, ou seja, a contar da última menstruação (duas semanas antes da concepção), ou pelo critério genético, ou seja, a contar da concepção. Para quem a resposta é "sim porque sim" ou "não porque não" esta questão é irrelevante porque o referendo só serve para levar a água a um certo moinho. Para quem pretende dar uma resposta fundamentada não é uma questão dispicienda porque não estamos a discutir uma pergunta generalista mas uma pergunta específica que refere, expressamente, um determinado número de semanas.
Se as dez semanas forem contadas a partir da última menstruação, este prazo corresponderá a um embrião com oito semanas de idade (o período embrionário dura oito semanas, contadas a partir da concepção). Se as dez semanas forem contadas a partir da concepção, este prazo corresponderá a um feto de dez semanas de idade (quase todos os órgãos e estruturas do feto estão formados, só precisam de crescer e desenvolver-se até o parto) mas todos os sites da especialidade consideram que, nesta altura, temos uma gravidez de doze semanas e não de dez.
Não haverá debate sério nem esclarecedor enquanto estes critérios não forem muito bem definidos. Poderão, de um lado e de outro da "barricada", argumentar que isso não interessa nada, as pessoas já estão suficientemente baralhadas e isso só iria confundir mais. Mas, então, porque é que meteram o número de semanas na pergunta?

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