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09 fevereiro 2007

As razões da escolha XXV

Este é o meu último post antes do referendo e por isso tem um carácter conclusivo.
Pelo que tenho lido e observado, existem algumas pessoas que vão votar "Não" porque são insensíveis aos problemas sociais e humanos do aborto clandestino, tal como existem algumas pessoas que vão votar "Sim" porque são insensíveis ao direito à vida do feto.
Muito sinceramente, a opinião dessas pessoas não me interessa para nada nem respeito essas posições.
Sei que a maioria das pessoas que está a pensar votar "Sim" no referendo tem razões humanitárias. São pessoas sensíveis aos problemas dos outros e, portanto, de espírito suficientemente disponível para procurar soluções. E é a essas pessoas que se dirige este meu último post. Às que vão votar "Sim".

Vejamos os argumentos do Sim:
O problema do aborto clandestino em Portugal é dramático.
Ninguém o nega, mas esse drama é usado demagogicamente por aqueles que querem liberalizá-lo sem esclarecer muitos aspectos: esses abortos clandestinos são feitos em situações que a despenalização até às dez semanas iria evitar? Quantos abortos clandestinos são realizados depois das dez semanas? Quantos abortos clandestinos poderiam, na verdade, ter sido praticados no actual quadro legal? As mulheres recorrem ao aborto clandestino porque ele é proibido ou porque têm medo de perder o anonimato se forem ao hospital? Será que as campanhas pró-liberalização não têm contribuido para criar um clima de medo que leva as mulheres a evitar o hospital em situações em que o aborto seria autorizado?
É certo que têm sido publicados alguns inquéritos mas valem o que valem. São inquéritos, não são estatísticas. A verdade é que ninguém sabe seguramente estes valores.

A nossa lei é a mais restritiva da Europa.
É mentira. É uma mentira descarada e desonesta. Quem argumenta isso aproveita-se do facto de a maioria das pessoas não procurar informar-se sobre o assunto. A lei portuguesa é muito mais liberal que a polaca e a irlandesa e é tão restritiva como a espanhola.
Porque é que em Espanha se fazem abortos a pedido? Por duas razões: A primeira é que em Espanha se criaram clínicas especializadas em abortos que têm equipas médicas multi-disciplinares destinadas, apenas, a assegurar que todos os casos previstos na lei se "encaixam" nos casos pedidos: à falta de melhor, a razão de carácter psicológico serve para tudo e é fácil de encobrir porque, eliminada a causa - a gravidez - é impossível averiguar a sua veracidade. Essas clínicas não rejeitam nenhum pedido (ou rejeitam o mínimo possível) porque vivem, precisamente, de fazer abortos.
Mas há outra razão: as portuguesas que recorrem a essas clínicas são, para todos os efeitos, estrangeiras. Um aborto realizado - ainda que fora do quadro legal espanhol - a uma estrangeira é virtualmente impossível de controlar. A estrangeira chega, no mesmo dia é observada, é passada a respectiva prescrição, é realizado o aborto, a estrangeira vai-se embora. Depois de passar a fronteira quem é que a vai procurar?...
Fácil, não é? Ninguém se lembrou de fazer o mesmo do lado de cá para as espanholas abortarem fora do quadro legal deles...

O que se pretende é despenalizar e não liberalizar.
Outra mentira desonesta. Querem enganar quem? «Não é de graça, é mas é de borla?»... Se a pergunta diz, claramente «a pedido da mulher» isso significa que a mulher chega ao hospital ou à clínica, pede para fazer um aborto, fazem-lhe a ecografia para determinar o tempo de gestação e aborta. Mais nada. É aborto a pedido. Livre. Sem mais perguntas. Em estados de direito, tudo o que não é proibido é permitido. Portanto, se até às dez semanas o aborto não for proibido, passa a ser permitido. Isso é liberalizar. Tudo o resto são jogos de palavras.

Uma mudança na lei acabará - ou reduzirá drasticamente - os abortos clandestinos.
Não é possível saber. Era necessário saber qual o tempo de gestação médio dos abortos clandestinos para poder afirmar isso com segurança. Para além das dez semanas continuará a haver abortos clandestinos a menos que, mais dia, menos dia, queiram alargar o prazo para dez, doze, dezasseis... até que nenhum aborto
seja clandestino, mesmo aos oito meses. Convençamo-nos: vai continuar a haver mulheres a recorrer ao aborto clandestino, faça-se o que se fizer.

Nenhuma mulher realiza um aborto de ânimo leve.
Há mulheres que espancam e matam os filhos e atiram bébés a lixeiras.

Resumindo e concluíndo: liberalizar o aborto significa banalizá-lo e torná-lo um substituto da contracepção, uma forma de controlo de natalidade.

Se o "Sim" ganhar, o aborto clandestino não vai acabar, a penalização do aborto, a partir das dez semanas, vai continuar e continuará a haver julgamentos de mulheres.
Por outro lado, a sociedade vai descansar sobre o assunto, as consciências vão ficar mais tranquilas e questões como a sexualidade responsável, a contracepção e a educação sexual vão passar para último plano da agenda política
.
Ao mesmo tempo, todo um conjunto de problemas se vão acumular aos que já existem: aspectos logísticos relacionados com os serviços públicos de saúde, listas de espera,
etc.

Se o "Não" ganhar, ainda é possível fazer alguma coisa para diminuir o aborto clandestino. Campanhas de informação que expliquem às mulheres que não tenham medo de recorrer ao hospital ou ao seu médico de família e colocar o seu problema: há muitas situações em que o aborto pode ser realizado legalmente, designadamente aquelas relacionadas com aspectos psicológicos, que a actual Lei prevê. As mulheres que recorrem ao aborto por desespero (e há situações terríveis que nem gosto de imaginar) terão a ajuda do médico e, se for justificável, o aborto será realizado dentro da lei.
As mulheres que recorrem ao aborto levianamente (também as há) continuarão a
ser impedidas legalmente de o fazer. Qual é o problema?

O "Sim" é irreversível. Ninguém vai pedir outro referendo, daqui a oito anos, se ganhar o "Sim". O "Sim" acaba com a discussão.
O "Não", bom... pela mesma lógica, o "Não" também deveria ser irreversível. Mas, principalmente, o "Não" é um incentivo a que se procurem outras soluções, mais dignas e mais humanas. O "Não" é um sinal de que os portugueses não se demitem das suas responsabilidades. O "Não" é um sinal claro de que queremos uma sociedade melhor, de que escolhemos o certo em detrimento do fácil.

O "Não" não é uma condenação a mulheres desesperadas. É uma mensagem de esperança em que é possível fazer melhor do isto. É possível resolver os problemas em vez de os ignorar e atirar o lixo para baixo do tapete.

Votar "Sim" não ajuda ninguém, nem evita problemas a ninguém, nem salva a vida de ninguém. Poupa, isso sim, muitas dores de cabeça aos políticos e a ajuda o negócio das clínicas de aborto "a granel".
Votar "Não" não manda mais mulheres para a prisão nem condena ninguém à morte. Evita, isso sim, a banalização do aborto e contribui para encontrar soluções.

Eu vou votar "Não" e tenho a consciência muito tranquila.

As razões da escolha XXIV. XXIII. XXII. XXI (cont.). XXI. XX. XIX. XVIII. XVII. XVI. XV. XIV. XIII. XII. XI. X. IX. VIII. VII. VI. V. IV. III. II. I.

2 comentários:

Professor disse...

É admirável a clareza com que discorre sobre o assunto. Tenho andado arredio do computador e dos blogues (pouca paciência também!).
Mas cada vez é mais reconfortante passar por aqui.
Eu também votei não, embora agora já não faça diferença... Mas penso que houve muita leviandade na abordagem deste referendo.
Um abraço e votos de muitas felicidades.

MCA disse...

Prófe
Agora que já passou esta "azáfama" toda da campanha, vou escrever menos mas também vou passear mais pelos blogues alheios. O seu incluído. Obrigada pela visita. A biblioteca de Jacinto nunca fecha e tem agradáveis poltronas onde repousar o espírito. Volte sempre.